VARIEDADES

Black Lives Matter em baixa: radicalismo antirracista perde força nos EUA

A cultura woke não vai desaparecer tão cedo. Mas ela já viveu melhores dias. Pela primeira vez desde 2020, há sinais de um declínio no movimento que nasceu nos Estados Unidos e se espalhou por boa parte do globo — inclusive o Brasil. O sinal mais evidente disso é a perda de influência do movimento antirracista radical.

A revista The Economist foi quem compilou os dados: em 2020, cerca de 15% dos americanos indicaram que a pauta racial era a mais importante no país. Hoje, são cerca de 5%. 

Outros indícios apresentados pela publicação britânica apontam na mesma direção, embora de forma mais discreta. Pode ser que demore para a agenda radical retroceder significativamente, e é possível que isso nunca aconteça de fato. Mas algo mudou, e escândalos envolvendo a liderança do movimento Black Lives Matter são parte da explicação.

“Os Estados Unidos estão se tornando menos woke”, sintetiza o título da The Economist.

O que é woke

O termo “woke” não tem um correspondente preciso na língua portuguesa. Versão corrompida de “awake” (acordado), a palavra só se tornou popular nos Estados Unidos em 2020, quando uma onda de protestos varreu o país após a morte de George Floyd pelas mãos da polícia de Minneapolis.

Floyd era negro. Os policiais, brancos. 

Casos semelhantes haviam gerado protestos em anos anteriores. Mas, desta vez, a ação dos policiais foi totalmente gravada pelas câmeras acopladas no uniforme. A frase “I can’t breathe” (“Eu não consigo respirar”), dita por Floyd enquanto um dos policiais pressionava seu pescoço com o joelho, se transformou em grito de guerra.

Para muitos, o termo “cultura woke” inclui também pautas feministas e de gênero. De forma geral, ele se refere à esquerda identitária em sua versão mais estridente. Embora sejam politicamente de esquerda, esses grupos deixam a pauta econômica em segundo plano e priorizam temas de raça, gênero e sexualidade. Outro aspecto comum é a falta de tolerância com a liberdade de expressão dos seus oponentes. A cultura woke está diretamente ligada à cultura do cancelamento.

O ápice do movimento antirracista

A morte de George Floyd causou protestos massivos em todos os estados americanos. As grandes cidades, em especial, viraram palco de atos que culminaram em cenas de depredação e violência.

Os protestos foram tão intensos que, em Seattle, os militantes chegaram a tomar para si um pedaço da cidade. Eles criaram uma “zona autônoma” de dez quarteirões na região de Capitol Hill.

O slogan dos manifestantes que gritavam “Black Lives Matter”, ou “Vidas Negras Importam” passou a dar nome a uma organização.

Era impossível escapar ao tema. Estátuas vieram abaixo. Artistas publicaram fotos totalmente pretas em seus perfis no Instagram, como forma de indicar sua adesão à pauta (e o que não aderiram foram cobrados pela militância). As corporações anunciaram iniciativas para combater o racismo. Universidades mudaram os critérios de admissão para corrigir “desigualdades sistêmicas”.

Duas dezenas de grandes cidades, entre elas Nova York, Chicago e São Francisco, aprovaram medidas para reduzir o orçamento da polícia. Na maior parte dos casos, a política durou pouco: no ano seguinte, elas voltaram a elevar o volume de recursos aplicados na polícia.

O esporte não escapou ileso. Ainda em 2020, o Washington Redskins (“Os Peles Vermelhas de Washington”) anunciaram que mudaria de nome. Em 2022, eles finalmente se tornaram os Washington Commanders (“Comandantes”). O Cleveland Indians (“Índios”) agora se chama Cleveland Guardians (“Guardiões”). Jogadores de futebol americano e de basquete passaram a se ajoelhar durante o hino nacional americano, como forma de protesto contra o que viam como uma sociedade estruturalmente racista.

Sobrou até para os mascotes. A Universidade Texas A&M Corpu Christi remodelou o seu Izzy the Islander, que fazia referência às populações do Pacífico. Ele perdeu a máscara, a tatuagem e a vestimenta típicas do Havaí. Agora ele é um sujeito comum, que usa camiseta e bermuda (e óculos).

Consequências políticas

O Partido Democrata abraçou a cultura woke de forma entusiasmada no início, mas recebeu um choque de realidade. Nas eleições de 2022, os democratas perderam a maioria na Câmara dos Representantes para os republicanos. Isso ajudou a moderar o discurso político de figuras de esquerda.

Antes disso, ainda em 2020, até mesmo o ex-presidente Barack Obama havia criticado a intolerância da cultura woke e sua predileção por silenciar os adversários em vez de debater abertamente. “Essa ideia de pureza, de que você nunca se compromete e você sempre é politicamente woke, e tudo mais… você deve superar isso rapidamente.”

De lá para cá, alguns estados aprovaram leis que impedem universidades e órgãos públicos de submeterem seus funcionários a treinamentos de “diversidade de inclusão”.

A derrota mais recente do movimento radical antirracista veio do Judiciário. “A Suprema Corte proibiu as universidades de aceitarem alunos com base em etnia. Então houve um efeito ‘pushback’. O presidente da minha universidade escreveu um e-mail se desculpando que a turma desse ano é menos ‘diversa’ e citou a Suprema Corte”, relata o Lucas Freire, doutor em Política e pesquisador da Universidade John Hopkins, no estado de Maryland.

A decisão da Suprema Corte foi divulgada em junho do ano passado. O tribunal considerou que as ações afirmativas (semelhantes a cotas raciais) ferem a Constituição.

A queda do Black Lives Matter

Ninguém lucrou tanto com o movimento woke quanto o Black Lives Matter. Literalmente. Foram dezenas de milhões de dólares em doações a um movimento que, em sua página na internet, dizia seguir a cartilha marxista.

Na prática, os líderes do grupo não tinham problema algum com um estilo de vida burguês.

Em abril de 2021, o jornal New York Post revelou que Patrisse Cullors, uma das fundadoras do movimento, havia comprado quatro casas que, juntas, somavam US$ 3 milhões [R$ 16,4 milhões na cotação atual]. Em 2022, a New York Magazine mostrou que a organização também havia adquirido uma mansão de 600 metros quadrados na Califórnia. O preço: US$ 6 milhões [R$ 32,8 milhões].

Outras figuras centrais do movimento antirracista também se perderam pelo caminho.

Autor de “Como ser um antirracista”, Ibram X. Kendi recebeu US$ 55 milhões [R$ 300 milhões] para criar um Centro de Pesquisa Antirracista na Universidade de Boston. Quase nada saiu do papel, o centro demitiu um terço dos seus funcionários e a universidade abriu uma investigação para apurar um possível mau uso dos recursos.

Já a escritora Robin Diangelo, responsável pelo best-seller “Fragilidade Branca”, está sendo acusada de ter cometido plágio em sua tese de doutorado na Universidade de Washington. A instituição de ensino recebeu uma queixa formal no início do mês.

No Brasil, sinais de mudança

A cultura woke chegou ao Brasil importada diretamente dos Estados Unidos. E, assim como na origem, ela pode estar perdendo força.

“Há vários sinais de que há algo semelhante no Brasil”, diz Pedro Caldeira, professor da Universidade Federal do Triângulo Mineiro e um crítico da militânciia radical de esquerda. Ele dá um exemplo anedótico: “Visitei o espaço da antiga Livraria Cultura, em São Paulo, ocupado em parte pela Drummond. Não vi nem um só livro em destaque sobre marxismo, de Marx ou de seus capangas”.

A semelhança com o cenário americano vai além. Assim como nos Estados Unidos, um dos principais propagadores das ideias identitárias no Brasil caiu em desgraça.

O professor e escritor Silvio Almeida, que ajudou a importar o termo “racismo estrutural” para o Brasil, agora tem outra prioridade: escapar da cadeia. Ele foi demitido do Ministério dos Direitos Humanos em 6 de setembro, envolto em acusações de assédio sexual. Até esse ponto, ele havia obtido quase 10 mil citações acadêmicas, segundo a plataforma Google Scholar. A maior parte delas vem do livro “Racismo Estrutural”, publicado por ele em 2019.

noticia por : Gazeta do Povo

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