VARIEDADES

Travessia de fé: a jornada de reconciliação de uma teóloga cristã nascida em uma família judaica

Nascida em um lar judeu, a teóloga americana Jennifer M. Rosner “descobriu” Jesus na universidade e iniciou uma jornada em busca da reconciliação entre suas origens religiosas e o cristianismo.

No livro ‘Como Encontrei o Messias’, lançado neste ano no Brasil pela editora Mundo Cristão, Jennifer apresenta um relato pessoal sobre suas experiências nessas duas comunidades.

Também investiga as razões históricas da separação entre os judeus e os seguidores de Cristo. Leia um trecho a seguir.

Esses fundadores do cristianismo prestavam culto no templo em Jerusalém, viviam em cabanas durante a festa de Sukkot e guardavam os estatutos da Torá.

Eram inteiramente comprometidos com a fé judaica, e esse contexto influenciou a maneira como os apóstolos entendiam quem Jesus era e o que significava segui-lo.

A separação que ocorreu posteriormente entre judaísmo e cristianismo foi um processo em que essas duas comunidades religiosas em desenvolvimento procuraram se distanciar uma da outra, o que resultou em duas religiões completamente separadas.

Não creio que os primeiros seguidores de Jesus tivessem previsto esse desdobramento.

O Novo Testamento procura imaginar e construir uma comunidade em que tanto judeus quanto gentios seguem Jesus, o Messias judeu, lado a lado.

Como vemos em Atos 10, Pedro fica surpreso quando o Espírito desce sobre os gentios da mesma forma que desceu sobre os judeus em Atos 2.

“Vejo claramente que Deus não mostra nenhum favoritismo. Em todas as nações ele aceita aqueles que o temem e fazem o que é certo”, diz Pedro, maravilhado, em Atos 10.34-35.

Ao que parece, até então, nem mesmo o círculo mais próximo de Jesus havia se dado conta do pleno impacto de sua vinda. O restante de Atos descreve o processo pelo qual essa pequena comunidade que seguia Jesus procurou abrir um caminho para avançar.

Os seguidores gentios de Jesus precisam adotar as práticas judaicas? De acordo com o concílio de Jerusalém em Atos 15, a resposta é não.

É apropriado que os judeus continuem a observar os rituais e as tradições que caracterizam sua comunidade há séculos? De acordo com Atos 21, a resposta é sim.

O que começa a ganhar forma é um grupo de cristãos unidos no Espírito e na fé, ao mesmo tempo que praticam essa fé de maneiras divergentes.

Judeus vivem como judeus, gentios vivem como gentios, e o muro de divisão entre os dois é derrubado no corpo do Messias (Ef 2.14).

Afinal, não era isso que significava a era messiânica profetizada havia tanto tempo?

Israel e as nações vivendo em harmonia, em vez de guerrear entre si, como vemos com tanta frequência nas páginas do Antigo Testamento?

Como o teólogo Kendall Soulen explica, Jesus finalmente concretiza “uma economia de bênção mútua” entre judeus e não judeus, criando em seu corpo uma paz duradoura e profunda.

Contudo, essa bela harmonia foi justamente aquilo que a separação entre judaísmo e cristianismo apagou.

A igreja cada vez mais gentílica adotou uma política de tolerância zero (seguindo o modelo de Inácio) em relação a judeus que mantivessem sua identidade judaica, identidade essa que se tornou paradoxalmente antitética à de um seguidor de Jesus.

Entrementes, a comunidade judaica (agora liderada por rabinos, na ausência do templo destruído pelos romanos em 70 d.C.) trabalhou para eliminar a possibilidade de seguidores de Jesus em seu meio.

Depois de duas rebeliões de judeus contra o Império Romano (a primeira em 66–73 d.C., durante a qual o templo foi destruído, e a segunda em 132–136 d.C., em que os romanos exilaram os judeus da cidade de Jerusalém), passou a ser arriscado para os cristãos gentios identificar-se com o judaísmo.

Aliás, o maior desejo era distanciar o cristianismo (que estava se tornando cada vez mais favorável ao Império) do judaísmo, que se mostrava tão problemático para os romanos.

Como costuma ser o caso na definição de identidade negativa, aqueles que diziam pertencer a ambas as tradições criavam dificuldades para esse processo.

Com o passar do tempo, não eram mais aceitos por nenhuma das duas comunidades.

O resultado é uma igreja inteiramente gentílica de um lado e, do outro, um judaísmo que considera anátema a crença em Jesus.

O grupo que se perde na história, por séculos, é constituído dos judeus que confessam Jesus, aqueles que, em outros tempos, haviam servido de ponte entre essas comunidades agora mutuamente exclusivas.

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Apesar de meu amor cada vez maior pelos rituais judaicos e pelo culto na Sinagoga Messiânica Ahavat Zion, em Beverly Hills, ainda me sentia atraída pela riqueza espiritual da igreja episcopal.

Não estava pronta para me despedir do incenso, das estolas e da participação semanal na Eucaristia.

Por mais um ano inteiro, frequentei Ahavat Zion aos sábados e a Igreja de São Tiago aos domingos, sentindo em meu corpo a tensão gerada pela separação e o extenso abismo deixado em seu rasto.

Ao passar de carro nas manhãs de sábado pela Avenida Pico, no centro do bairro judaico de Los Angeles, admirava-me com a multidão de judeus religiosos caminhando para a sinagoga.

Homens de barba longa, terno preto e tzitzit pendurados, mulheres com saias compridas e soltas e lenços coloridos cobrindo o cabelo, crianças andando juntas em grupos animados por riso e tagarelice.

Parecia-me um mundo diferente, com um conjunto próprio de ritmos e regras para aqueles que dele faziam parte.

Muitos restaurantes e padarias na região de Pico-Robertson são kosher, o que significa, entre outras coisas, que não abrem aos sábados, e seus proprietários e funcionários provavelmente estão entre aqueles que caminham para uma das várias sinagogas do bairro.

Uma vez que nunca havia experimentado esse tipo de comunidade judaica, minha impressão era de ter sido transportada para outro lugar e, possivelmente, para outra era.

Voltei a refletir sobre meu desejo de longa data de caminhar para a igreja e tive a impressão de que esses judeus (todos moravam, necessariamente, a uma distância da sinagoga que pudesse ser percorrida a pé) vivenciavam um tipo de comunidade espiritual sobre a qual eu nada sabia.

Então, 24 horas depois, eu entrava pelas duas portas de madeira pesada da Igreja Episcopal São Tiago. Passava pela pia batismal e sentava-me em um dos lindos bancos que adornavam o amplo santuário.

O sol do final da manhã passava pelos vitrais altos e incidia sobre a congregação sua bela e resplandecente luminosidade, criando, verdadeiramente, a sensação de espaço sagrado.

A essa altura, eu havia aprendido a cadência do culto minuciosamente ordenado, que chegava a seu ápice litúrgico na participação comunitária da Eucaristia.

Sentia como se estivesse levando uma vida dupla. Esses cristãos faziam alguma ideia do mundo judaico que existia do outro lado da cidade?Tinham algum interesse em saber?

Será que lhes ocorria que Jesus talvez tivesse mais em comum com os judeus do oeste de Los Angeles do que com os cristãos nesses bancos?

Será que havia lugares em que esses dois mundos, dos quais eu em certa medida havia me apropriado, se cruzavam e se sobrepunham?

E onde, ah, onde era meu lugar, meu lar em meio a essas comunidades tão distintas?

noticia por : Gazeta do Povo

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