VARIEDADES

Segunda dose de reforço não diminui mortalidade por Covid, diz estudo com quatro milhões de pessoas

Um problema que tem dificultado a avaliação da eficácia das
doses de reforço das vacinas contra Covid-19 é conhecido como “efeito do
vacinado saudável”: pessoas que buscam mais doses da vacina tendem a ter outros
hábitos saudáveis, pessoas que não buscam são mais negligentes com a saúde, de
forma que poderia ser essa diferença de hábitos a real explicação para os aparentes
benefícios das doses extras.

Um estudo publicado no fim do ano passado por pesquisadores americanos
e austríacos no European Journal of Clinical Investigation corrobora o
efeito. Avaliando uma impressionante amostra de quase quatro milhões de
austríacos que tiveram Covid, divididos entre aqueles que tomaram quatro doses
(7%) ou três doses (39%), os cientistas descobriram que as doses adicionais da
vacina contra a doença não reduziram mortes. “Não observamos um efeito da
vacina significativo de uma quarta dose para mortes por Covid-19 durante um período
que já tinha um risco absoluto muito baixo” dessas mortes, relataram. O período
se refere aos dois últimos meses de 2022.

Analisando todas as causas de morte nos grupos, eles também concluíram
que os dados “sugerem o viés [efeito] do vacinado saudável”. Em outras
palavras, houve menos mortes entre aqueles que tomaram a dose extra, contudo, o
benefício não pode ser atribuído à vacina. Além disso, apesar desse efeito nos
dados ser favorável à dose de reforço, ela não conseguiu produzir efeitos
benéficos suficientes para serem detectados nessas milhões de pessoas.

Um resultado conhecido de outros estudos também foi
corroborado: que as doses de reforço reduzem a chance de teste positivo de
Covid, o que é de se esperar, mas o efeito é temporário. “Imunidade [vacinal]
em decaimento rápido”, como descrevem os autores. Como a amostra é de pessoas
previamente infectadas, o resultado da baixa mortalidade reflete a proteção
conferida pela imunidade natural. “Nenhum indivíduo mais jovem que 40 anos
morreu por causa da Covid-19”, contaram os cientistas.

Os leitores que acompanharam a cobertura da Gazeta do
Povo
na pandemia sabem que o Catar foi o país que estudou com maior detalhe
e rigor a questão da proteção conferida por cada tipo de imunização: a natural
(por infecção prévia), a vacinal e a híbrida (com ambas). O estudo faz
referência a essas pesquisas: “dados do Catar sugerem que a imunidade natural
confere uma proteção muito forte contra a Covid-19 severa, sem indícios de
decaimento da imunidade, uma conclusão que é apoiada por uma revisão sistemática
e metanálises”. A imunidade natural não necessariamente protege contra novas
infecções com o coronavírus, mas, como a vacina, protege contra ter uma Covid mais
severa que na primeira infecção — de forma mais duradoura.

Os autores, entre eles o respeitado John Ioannidis — professor
da Universidade Stanford famoso por ter escrito um artigo de 2005 em que
afirmava que “a maioria das descobertas científicas publicadas são falsas” —,
fazem a conclusão final de que “a falta de eficácia da quarta vacinação durante
2023 no nosso estudo é consistente com a noção de imunidade em decaimento
rápido por essa dose secundária de reforço”, que é na maior parte a dose
bivalente, e que “nossas descobertas não se aplicam a indivíduos sem infecção
prévia”, um grupo populacional já raro na época, praticamente inexistente
agora.

A principal limitação do estudo é sua natureza
observacional, ou seja, não foi em caráter experimental que as pessoas foram
divididas entre aquelas que tomaram quatro ou três doses da vacina contra
Covid-19, e elas não foram distribuídas nesses grupos ao acaso, como seria
preferível em estudos mais rigorosos.

Estudo anterior não publicou imediatamente dados de todas as causas de
mortalidade

Em dezembro de 2021, um estudo de israelenses
publicado no New England Journal of Medicine calculou que a primeira
dose de reforço (ou terceira dose no histórico completo) da vacina da Pfizer
reduzia em 90% a mortalidade por Covid-19. Após algumas críticas pela falta de
informações a respeito da totalidade das causas de morte, os mesmos
pesquisadores, liderados por Ronen Arbel, dos Serviços de Saúde Clalit em Tel
Aviv, publicaram em março de 2022 uma carta na revista informando que, de fato,
havia mortes não relacionadas à Covid nos dois grupos.

Três cientistas americanos de universidades da Califórnia, aproveitando a informação, publicaram no mesmo periódico, em julho de 2023, uma carta em que calcularam que havia 20 vezes mais mortes por causas não relacionadas à Covid no grupo sem a dose de reforço comparado ao grupo que a tomou. O efeito do vacinado saudável “pode ter levado a superestimativas da eficácia da vacina em estudos similares”, explicaram os autores.

noticia por : Gazeta do Povo

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