VARIEDADES

Saúde socializada do Reino Unido se sustenta em uma teoria da conspiração

É evidente que o Serviço Nacional de Saúde da Grã-Bretanha (NHS, na sigla em inglês, que inspirou o SUS brasileiro) está em falência. Mais de 7,6 milhões de pessoas estão em lista de espera e 41% delas dizem que sua saúde piorou enquanto aguardavam tratamento. Agravando o problema, o Reino Unido tem um número significativamente menor de leitos de hospital, médicos, enfermeiros, aparelhos de tomografia computadorizada e unidades de ressonância magnética do que a média da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, com 38 países membros]. Além disso, o Reino Unido tem a segunda maior taxa de mortes evitáveis na Europa Ocidental.

No entanto, apesar de todas as evidências, o povo britânico ainda acredita que o NHS é a melhor coisa da Grã-Bretanha. Do país aplaudindo do lado de fora de suas casas para “agradecer ao nosso NHS” durante a pandemia da Covid-19, até o Primeiro Ministro e o Líder da Oposição participando de uma cerimônia em massa para celebrar o 75º aniversário do NHS, elogios a esta instituição estão por toda parte.

Mesmo sendo evidente que o rei está nu, o NHS é tratado como uma vaca sagrada. Isso leva à pergunta: por que as pessoas são tão leais a um sistema que claramente está falhando com elas?

Há uma teoria da conspiração prevalente de que o NHS está sendo intencionalmente subfinanciado pelo governo conservador para que os maus resultados forneçam justificativa para privatizá-lo e transformá-lo no modelo americano de saúde. Esta teoria é divulgada pelo establishment: desde membros veteranos da Associação Médica Britânica e jornalistas a parlamentares.

Esta teoria alcança duas coisas. Primeiro, desloca a culpa por resultados ruins do NHS como sistema em si e direciona-a para os políticos no poder. Segundo, enquadra o debate com a suposição de que a privatização é uma coisa ruim, fazendo com que qualquer reforma significativa seja recebida com alarmismo.

Esta narrativa causou um grande problema para os opositores do NHS, pois existem múltiplos níveis de retórica enganosa. O fato é que os Conservadores [partido no poder] não estão privatizando nem subfinanciando o NHS. Além disso, seja um sistema totalmente privatizado ou até mesmo o sistema misto visto em outros países europeus, a reforma na direção do livre mercado ajudaria significativamente pacientes e médicos.

Subfinanciado?

De acordo com medidas da OCDE, o NHS tem o sexto maior gasto com saúde entre os 32 países analisados, com 11,3% do PIB. No entanto, países que gastam menos são conhecidos por produzirem melhores resultados de saúde — como Dinamarca, Nova Zelândia e Bélgica.

Além disso, a parcela total dos gastos com saúde aumentou 14% desde 2010, fazendo do britânico o terceiro maior salto em gastos com saúde. O NHS está continuamente recebendo aumentos de verbas, mas ainda assim tem um desempenho inferior.

Claro, sempre poderia haver mais financiamento público para a saúde. Mas por que essa é a única solução que sempre é apresentada? E se houvesse uma maneira de obter melhores resultados de saúde sem gastar mais dinheiro dos contribuintes? E se mudar o sistema é uma solução melhor do que simplesmente jogar mais dinheiro em um sistema que claramente não está funcionando?

Privatizado?

O alarmismo sobre a privatização do NHS não é novidade. Na verdade, remonta aos anos 80, quando o jornal The Times previu que o NHS seria transformado em um sistema de saúde ao estilo americano. Isso leva à pergunta: se os Conservadores planejam privatizar o NHS há quatro décadas, por que ainda não o fizeram?

Uma resposta óbvia é que eles não estão, de fato, tentando privatizar o NHS.

Como conta Kristian Niemietz, chefe de Economia Política do Instituto de Assuntos Econômicos [IEA]:

“O NHS é também um dos sistemas de saúde menos privatizados e mercantilizados do mundo desenvolvido. Por exemplo, o setor privado representa apenas um décimo do setor hospitalar do Reino Unido, em comparação com 30% na Áustria, 38% no inferno neoliberal laissez-faire da França, 60% na Alemanha, 72% na Bélgica e 100% na Noruega e nos Países Baixos [N. do T.: A fonte de Niemietz é a Organização Mundial da Saúde, neste relatório. As porcentagens se referem ao número de hospitais e leitos que são privados]. Se realmente fosse o caso que ‘o preço da privatização é que as pessoas morreriam’, a maior parte da população da Europa estaria morta.”

No entanto, apesar disso, os teóricos da conspiração do NHS consistentemente insistem que o governo está conspirando para privatizar o NHS. Vez após vez, eles acusam qualquer reforma de saúde de ser uma tentativa de privatizar o NHS pela porta dos fundos. Quando percebem que suas profecias de privatização do NHS não se concretizam, eles rapidamente passam a acusar outra política disso.

No seu artigo “Prescrição repetida? O NHS e quatro décadas de paranoia com a privatização”, Niemietz aponta:

“Não é incomum para profetas da privatização passarem anos divulgando uma versão particular disso (por exemplo, ‘A Lei de Assistência à Saúde e Social de 2012 é um Cavalo de Troia para a privatização do NHS’), abandoná-la num piscar de olhos e depois adotar uma completamente diferente (por exemplo, ‘O acordo comercial entre Reino Unido–EUA é um Cavalo de Troia para a privatização do NHS’).”

Caminhando para um modelo americano?

Mesmo que o NHS estivesse sendo privatizado, isso não significaria que o Reino Unido copiaria o modelo americano de saúde. Mesmo os oponentes mais destacados do NHS no Reino Unido não estão defendendo que copiemos aos EUA. Existem muitos outros países que têm uma ênfase maior no setor privado e que têm um desempenho melhor do que o Reino Unido e evitam copiar os EUA. Os Países Baixos, Singapura e Austrália são todos exemplos de sistemas de saúde mistos relativamente bem-sucedidos.

Apesar de Bernie Sanders [senador socialista] olhar para os países nórdicos como um bom exemplo socialista, a verdade é que esses países também dependem significativamente do setor privado para a saúde. Como escreveu Ulyana Kubini sobre a saúde escandinava:

“Embora as nações nórdicas forneçam saúde financiada publicamente, elas também permitem opções de plano de saúde privado para seus cidadãos. Esse seguro privado permite que indivíduos evitem longos tempos de espera e acessem cuidados de saúde de maior qualidade. Na Suécia, mais de 643.000 indivíduos são cobertos apenas por grupos privados de plano de saúde.

De forma similar, na Dinamarca, o programa de seguro suplementar privado, Sygeforsikring Danmark, cobre mais de 14% da população dinamarquesa, com 42% tendo pelo menos alguma cobertura fornecida pelo setor privado.”

Embora esses países não tenham um sistema de saúde de mercado completamente livre, eles são um bom indicador de que a liberalização do mercado resulta em melhores resultados de saúde.

Saúde americana? Dificilmente um mercado livre!

Além disso, deve-se salientar que o sistema de saúde dos Estados Unidos não é um reflexo da saúde sob um sistema de mercado livre. O sistema de saúde dos Estados Unidos é esmagado por intervenções governamentais com regulamentações e assistência médica estatal.

Como Ron Paul [ex-congressista libertário americano, pai do senador Rand Paul] escreveu em “The Revolution, A Manifesto”:

“Praticamente todos estão insatisfeitos com o sistema de saúde que temos agora, um sistema que algumas pessoas erroneamente atribuem ao mercado livre. Ao contrário, nosso sistema está repleto de intervenções governamentais, regulamentações, obrigatoriedades e outras distorções que nos colocaram nesta situação indesejável.”

Para dar apenas um exemplo, a Associação Médica Americana vem fazendo lobby junto ao governo desde o final do século XIX por requisitos de licenciamento mais rigorosos e padrões de acreditação mais difíceis. Embora eles apresentem isso como de “interesse público”, o impacto desse lobby foi restringir a oferta de médicos, levando a preços mais altos e menos opções.

Defendendo um verdadeiro sistema de saúde de livre mercado

Opositores do sistema de saúde de livre mercado apelam com frequência para a emoção para defender sua posição. No entanto, se eles realmente olhassem para os fatos e dados, veriam que o sistema público de “pagador único” que defendem falha continuamente e os sistemas de saúde com uma maior quantidade de opções e liberdade fornecem melhores resultados. Isso está de acordo com o raciocínio econômico, que nos ensina que escolha e competição são a chave para ver maior qualidade e menores custos.

Os defensores do sistema de saúde de mercado livre não devem se esquivar da batalha por medo de argumentos emotivos. Em vez disso, eles devem abraçar o desafio e mostrar como o capitalismo é o antídoto para a dor causada pela saúde estatal.

©2023 Foundation for Economic Education. Publicado com permissão. Original em inglês.

noticia por : Gazeta do Povo

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