No Reino Unido, estão atualmente em discussão até cinco iniciativas parlamentares para legalizar o suicídio assistido: duas em territórios insulares sob a coroa britânica (Jersey e Ilha de Man), uma na Escócia e outras duas na Inglaterra. Como de costume, entre os partidários predomina o argumento da “compaixão” com o doente, mas também estão surgindo outros argumentos que vão à raiz da questão.
Dos cinco projetos, os dois primeiros já foram aprovados em primeira instância pelos respectivos parlamentos, embora ainda falte a assinatura definitiva. O projeto da Escócia ainda não foi votado, mas conta com o apoio previsível da maioria dos membros da Câmara (a dúvida é se, para uma decisão como essa, que afeta direitos fundamentais, o parlamento escocês tem competência, ou se é necessário o aval de Westminster).
Precisamente na Inglaterra estão em tramitação as outras duas iniciativas, as que mais repercussão têm na mídia: uma na Câmara dos Lordes (proposta por lord Falconer, do Partido Trabalhista) e outra na Câmara dos Comuns, apresentada pela deputada Kim Leadbeater, também do Partido Trabalhista. Ainda não se conhece o texto desta última, mas Leadbeater afirmou que será muito semelhante à outra. Ambas são private member’s bills; ou seja, foram propostas por um membro do parlamento a título individual, e não em nome do governo.
Em teoria, isso implica um processo mais lento de discussão e tramitação (especialmente para a apresentada na Câmara dos Lordes) e menor probabilidade de aprovação. No entanto, vários meios de comunicação consideram que o momento é especialmente favorável para a aprovação de uma lei de suicídio assistido. O próprio primeiro-ministro, Keir Starmer, comprometeu-se a fazê-lo antes de ser eleito. Mesmo assim, ele anunciou que, na tramitação da proposta apresentada na Câmara dos Comuns, dará liberdade de voto aos deputados de seu partido.
Insuportável, intratável e terminal?
Na ausência de detalhes sobre a iniciativa apresentada na Câmara dos Comuns, é fato que as outras quatro compartilham uma mesma abordagem, que poderíamos definir como “teoricamente garantista”, na medida em que, ao menos no papel, pretendem evitar a conhecida “ladeira escorregadia” quanto aos critérios permitidos para acessar o suicídio assistido. Em primeiro lugar, todas optam por utilizar o termo “suicídio assistido” em vez de “eutanásia”, como uma forma de deixar claro que a atuação do médico deve se limitar a “ajudar” o paciente. Além disso, os quatro textos especificam que só poderá ser aplicado quando a doença estiver em fase terminal e causar “um sofrimento insuportável”.
No entanto, o significado exato de “fase terminal” não é o mesmo em todos os projetos: nos projetos apresentados na Câmara dos Lordes e em Jersey, é necessário que a doença seja incurável e com expectativa de vida de, no máximo, seis meses; o da Escócia, por outro lado, é o menos específico, e portanto o que permitiria maior flexibilidade em sua aplicação: não exige que a dor seja particularmente aguda e, quanto à expectativa de vida estimada, apenas diz que a doença deve estar suficientemente avançada para fazer pensar em uma “morte prematura”. Por outro lado, enquanto os projetos ingleses estabelecem uma idade mínima de 18 anos para receber assistência ao suicídio, o escocês a reduz para 16 anos.
“Uma posição realmente perigosa”
Contudo, muitos dos opositores à eutanásia e ao suicídio assistido consideram que essas supostas “salvaguardas” expressas nos projetos de lei podem rapidamente se tornar inócuas. Assim sugerem os exemplos dos Países Baixos e Bélgica, onde os requisitos inicialmente contemplados nas respectivas leis foram ampliados, de fato ou de direito, para incluir condições que dificilmente podem ser entendidas como “terminais”. Esse foi o caso de Zoraya Ter Beek, uma jovem holandesa diagnosticada com depressão crônica, que obteve aval para “ser suicidada” aos 29 anos.
Certamente, uma vez aberta a porta da “morte por compaixão”, mesmo que apenas uma fresta, é difícil que a pressão dos argumentos emocionais não acabe derrubando todo a porteira.
Por isso, aqueles que preveem o perigo insistem na necessidade de manter todas as travas. Mesmo dentro do próprio Partido Trabalhista surgem vozes contrárias ao projeto apresentado na Câmara dos Comuns por sua colega de bancada. Uma dessas vozes é a do ministro da Saúde, que expressou seu receio com a “ladeira escorregadia“. Mais categórica foi a secretária de Justiça, Shabana Mahmood: “se se torna norma que, em certa idade ou com certas doenças, você se torna um fardo(…) isso é uma posição realmente perigosa”.
O que é “cedo demais”?
Subjacente à defesa da eutanásia ou suicídio assistido estão várias ideias problemáticas. Por um lado, a de considerar o doente como um cliente – que deve ser atendido – e não como um paciente – que deve ser cuidado. Por outro, certas considerações utilitaristas que evocam teses eugenistas. Às vezes, essas posturas aparecem de forma involuntária. Em um artigo para o The Guardian em defesa do projeto de lei apresentado por Leadbeater, Polly Toinbee recorda como uma antiga amiga se suicidou enquanto aguardava a aprovação de sua solicitação de eutanásia, e comenta: “Ela foi forçada a tomar essa decisão cedo demais, quando ainda era fisicamente capaz”. Desta forma, e provavelmente sem querer, Toinbee dá a entender que a incapacidade física retira a dignidade da vida; suicidar-se nessas condições não seria “cedo demais”.
Essa mentalidade utilitarista em relação ao valor da vida não é nova, e nem sempre foi expressa de forma velada. No século XVIII, o filósofo escocês David Hume dizia que “tanto a prudência quanto a coragem deveriam nos comprometer a nos livrarmos imediatamente da existência quando esta se torna um fardo. É a única forma de sermos úteis à sociedade”. Mais recentemente, Mathew Parris, comentarista político e ex-parlamentar conservador, afirmou que os partidários da eutanásia não deveriam se envergonhar de admitir que as leis que a legalizam exercem uma pressão social sobre os doentes; e que essa pressão é positiva, pois, em determinadas circunstâncias, suicidar-se é um dever para com a sociedade.
“Se minha família pensa que é o melhor…”
Certamente, não é provável que os partidários da eutanásia ou suicídio assistido sigam a estratégia do “dever para com a sociedade” proposta por Parris. Para a opinião pública, essa não parece a abordagem mais adequada. O argumento da “autonomia sobre a própria morte” é muito mais poderoso. Contudo, é conveniente ocultar o fato de que o doente pode sentir-se pressionado a “deixar-se suicidar”. As salvaguardas previstas nas leis que legalizam o suicídio assistido não conseguem evitar um tipo de pressão que talvez seja a mais urgente na realidade: o desejo do doente de não ser um fardo para seus entes queridos. Nesse sentido, o suicídio assistido poderia se assemelhar ao que acontece com a decisão de ir para uma casa de repouso: “Eu não queria, mas se minha família acha que é o melhor…”.
Logicamente, os mais vulneráveis sentem essa pressão especialmente. Não é surpreendente, então, que pessoas com deficiência no Reino Unido estejam temendo a nova onda de projetos de lei para legalizar o suicídio assistido. É o caso de Liz Carr, conhecida atriz e comediante, que expressou sua preocupação em declarações à BBC. Ann Farmer, jornalista com deficiência física que escreve para o Mercatornet, explicou recentemente que não é coincidência que nenhuma associação de pessoas com deficiência no Reino Unido esteja apoiando as iniciativas de Leadbeater e lord Falconer.
Pena de morte e suicídio, realidades análogas
Os argumentos para se opor à legalização do suicídio assistido são melhor compreendidos por analogia com outras duas realidades: o suicídio não assistido e a pena de morte.
Diante do aumento dos suicídios nos últimos anos, especialmente entre jovens, esse tema passou a ser abordado de forma aberta e recorrente na mídia. Recentemente, um documentário da Televisão Espanhola apresentou testemunhos de vários sobreviventes de tentativas de suicídio. Todos relataram os problemas de diferentes tipos (a maioria, de tipo psicológico) que os levaram à tentativa e como, felizmente, se recuperaram. No final, Francisco Villar, psicólogo especializado em comportamento suicida, explicou que “quando chego a um extremo em que só penso na vida como uma dor insuportável e interminável”, o suicídio pode parecer um ato de libertação, “mas, na realidade, eu não estou sendo livre em minha decisão”. O mesmo poderia ser dito sobre doentes em fase terminal, o que refutaria o argumento “liberal” em favor do suicídio assistido.
Quanto à pena de morte, a comparação tem uma limitação óbvia: o condenado não escolhe morrer, ele é executado. Ainda assim, vale a pena analisar os argumentos mais frequentemente apresentados contra essa prática. Basicamente, são dois. O primeiro, de que toda vida humana tem valor em si mesma, é facilmente aplicável ao caso do suicídio assistido.
O segundo, que basta a execução de um inocente – ou a possibilidade de que isso ocorra – para deslegitimar a pena de morte como um todo, também: basta que uma pessoa seja pressionada – ou possa ser – para aceitar que lhe tirem a vida, e a legalização dessa prática seria injusta. No entanto, como apontava um artigo publicado em fevereiro na revista britânica Spiked, os mesmos que condenam a pena de morte costumam ser os maiores defensores do suicídio assistido e da eutanásia.
Resta ver quais serão os argumentos utilizados pelos defensores e detratores das leis de suicídio assistido propostas no Reino Unido, quando estas entrarem em suas últimas fases de tramitação. Por ora, é apreciável que a discussão não esteja recorrendo excessivamente ao emocional, e que vozes de alerta contra a aprovação estão sendo ouvidas, mesmo dentro do Partido Trabalhista.
©2024 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: Reino Unido: ¿puede haber un debate serio sobre el suicidio asistido?
noticia por : Gazeta do Povo