Resumo da reportagem
- Análise revela censura de 486 acadêmicos (2000-2023), impulsionada por motivos políticos, principalmente identitarismo de esquerda.
- Autocensura acadêmica é comum devido a medo de retaliações; ciências sociais e humanidades são as áreas mais afetadas.
- Soluções propostas incluem maior transparência na revisão por pares e auditorias para combater a censura ideológica nas universidades.
Uma análise sobre censura na ciência, publicada na segunda-feira (20), nos Estados Unidos, envolvendo os casos de 486 acadêmicos que tiveram suas liberdades de expressão e acadêmica tolhidas entre os anos 2000 e 2023, concluiu que o identitarismo esquerdista é a posição política dominante entre os censores atualmente. A pesquisa publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS, publicação célebre ligada à Academia Nacional de Ciências dos EUA) aponta que com frequência a mordaça é feita pelos próprios pares cientistas, motivados por autoproteção, corporativismo e “preocupações pró-sociais pelo bem-estar de grupos sociais humanos”, o que também pode ser chamado de “politicamente correto”.
Os autores definem como censura “ações com objetivo de
obstruir determinadas ideias científicas de atingirem um público”, o que exclui
da lista recusas simples à publicação de material de baixa qualidade, por
exemplo. Ameaças de denúncias e temores de cortes de verbas ou de expulsões de
sociedades profissionais são suficientes para que muitos cientistas evitem
conclusões impopulares em que eles próprios acreditam, resultando em um cenário
em que a quase totalidade pratica a autocensura.
Também tem crescido o número de artigos que são retratados
(ou seja, desabonados pelas próprias revistas em que foram publicados). Embora
algumas vezes isso aconteça justificadamente, por erros estatísticos, há casos
conhecidos de retratação por suposto dano causado a grupos protegidos. Um
exemplo foi um artigo publicado em novembro de 2020 na revista Nature
Communications por três cientistas da Universidade de Nova York em Abu
Dhabi. Eles concluíram que mulheres que são orientadas na ciência por mentores
homens se saem melhor em suas carreiras científicas do que as que são
orientadas por outras mulheres.
Após alegações de que a conclusão era preconceituosa contra
as mulheres, os autores retrataram o próprio artigo apenas um mês após a
publicação. Na nota
de retratação, disseram que têm um “compromisso firme com a equidade de
gênero”. Eles alegaram que houve um problema técnico a respeito de a coautoria (a
co-ocorrência dos nomes de dois cientistas em um artigo) ser um indicador
imperfeito de uma relação de mentoria, mas que ainda acreditam em alguns dos
resultados.
Fontes de censura
Os estudantes de graduação de esquerda são os principais
censores. Mais de três quartos das tentativas de “cancelamento” nesse período
vieram de dentro da própria academia, metade iniciada pelos graduandos.
Os professores de ciências sociais e humanidades são ao
mesmo tempo os mais censórios e os mais censurados, comparados a seus colegas
das ciências naturais e exatas, concluiu a análise. Ao mesmo tempo em que
palavras que indicam violência foram expandidas para incluir cada vez mais
coisas — por exemplo “bullying”, que era um padrão sistemático de abuso físico
e perseguição, mas agora inclui um único uso de uma palavra pejorativa contra
alguém — cada vez mais censura aconteceu no mundo acadêmico.
As mulheres, que são mais propensas a ter aversão por riscos
que os homens e a querer proteger os vulneráveis, aprovam mais a censura. A
ascensão do identitarismo fez crescer a lista de pessoas sobre as quais não se
pode fazer comentários negativos. Todos esses fatores apoiam a tese dos
analistas: que são motivações “pró-sociais” as principais forças pela censura à
ciência hoje.
Os cientistas que trabalham em universidades americanas e
são experientes têm estabilidade de emprego na modalidade chamada “tenure”
(similar à posição de professor adjunto no Brasil), o que dificulta sua
demissão. Ainda assim, o privilégio está em declínio numérico e não protege de
sanções como corte de verbas e expulsões de sociedades profissionais.
Desde a Renascença, mais fogo amigo que imposição externa
Entre o time de 39 pesquisadores envolvidos na análise, os
mais conhecidos são Steven Pinker, psicólogo de Harvard, John McWhorter,
linguista e colunista do New York Times, e Glenn Loury, economista da
Universidade Brown, todos críticos da guinada identitária na esquerda.
Análises dos limites impostos à pesquisa científica que
sejam em si mesmas científicas são raras, explica o artigo. A abordagem
histórica do problema, que com frequência contrasta um passado obscurantista
com a modernidade esclarecida, não é livre de vieses. A condenação de Galileu
Galilei por defender que a Terra gira em torno do Sol, por exemplo, é lembrada
como um caso de resistência da Igreja contra a ciência, mas raramente se aponta
que seus principais perseguidores foram professores aristotélicos, equivalentes
a cientistas na época.
Marcelo Hermes-Lima, professor de bioquímica da Universidade
de Brasília que há anos acompanha a qualidade e quantidade da pesquisa
publicada no Brasil, disse à Gazeta do Povo que “a censura na ciência é
algo absurdo, inaceitável”. Para ele, o fenômeno exposto pela PNAS “faz parte
dessa nova tendência de calar quem pensa diferente para ‘salvar a população’.
Acontece na política há décadas, e agora, na ciência”. Ele tem promovido palestras
públicas para revisitar o caso de Galileu.
Pesquisas de opinião entre acadêmicos americanos, britânicos
e canadenses indicam que de 9 a 25% dos professores apoiam campanhas de censura
e até 43% dos estudantes de doutorado apoiaram campanhas de demissão para
acadêmicos que avançassem descobertas controversas. Mais preocupantemente, o
grande valor consensual da não-discriminação no meio acadêmico é explicitamente
abandonado por muitos em se tratando de conservadores: alguns dizem abertamente
que é correto fazer discriminação contra pessoas de convicções conservadoras em
seleções de emprego, promoções, concessões de verbas e publicações. Para se
autopreservarem, os acadêmicos e cientistas conservadores fazem autocensura.
O padrão observado entre os estudantes se repete nos
professores universitários: os mais propensos a serem censores são aqueles mais
jovens, mais de esquerda e do sexo feminino. Também há franqueza entre eles:
uma maioria de psicólogos sociais eminentes disse que, se for descoberta uma
grande contribuição genética para as diferenças psicológicas e comportamentais
entre mulheres e homens, seria ruim a imprensa cobrir essa hipotética verdade.
Seria melhor a imprensa mentir por omissão ou contar uma “nobre mentira” a
respeito.
O que fazer para melhorar as universidades e publicações científicas
A análise publicada nesta semana sugere algumas alternativas
para o problema da censura na ciência: uma é desenfatizar a anonimidade dos
revisores do processo de triagem dos artigos científicos, conhecido como
“revisão por pares”. O processo, que foi adotado por quase todas as revistas
científicas só na segunda metade do século XX, tem
uma série de problemas e não se mostrou cientificamente mais apto a afastar
fraudes e erros que outros processos de edição. Se a revisão ao menos for a
mais aberta possível, a transparência vai dificultar que revisores desonestos e
ideologicamente motivados prejudiquem a publicação de artigos por causa de
compromissos não científicos.
Outra sugestão é fazer uma auditoria da academia. Justamente por causa da obsessão ideológica com a proteção a grupos seletos, foram desenvolvidos métodos para detectar o viés e a discriminação injusta em instituições, mas ainda falta a academia auditar a si mesma a respeito de seus preconceitos e discriminação contra quem não adota sua nova cartilha dogmática.
noticia por : Gazeta do Povo