VARIEDADES

Promover a natalidade também deveria interessar aos progressistas

A demografia tem sido, nas últimas décadas, um dos principais campos de batalha da esquerda, de onde, com mais ou menos veemência, são lançados periodicamente prognósticos apocalípticos sobre a superpopulação do planeta.

Há apenas alguns meses, por exemplo, o jornal El País se congratulava, em um editorial, pelas previsões de declínio populacional feitas por alguns cientistas, e prenunciava maior prosperidade e um ambiente mais sustentável nesse cenário.

Mais pessoas, mais riqueza

Mas o consenso antinatalista na esquerda está começando a se romper diante da ideia de que, possivelmente, nossa prosperidade depende de haver mais pessoas, não menos. Paul Morland, renomado demógrafo, sustenta em seu último livro, ‘No One Left. Why the World Needs More Children’ [Não Sobrou Ninguém. Por que o Mundo Precisa de Mais Crianças, ainda sem edição no Brasil], que as atuais taxas de natalidade colocam em risco os padrões de vida das sociedades mais avançadas.

Os políticos já perceberam isso, não apenas os de orientação conservadora: países como Finlândia, Austrália, França ou Portugal lançaram planos natalistas com o mesmo ímpeto que Hungria ou Polônia. Morland afirma categoricamente: “Mais pessoas e, sobretudo, mais gente com formação e preparo, que é para onde devemos caminhar, significa construir um mundo mais rico”.

Não é a primeira vez que essa mensagem é enfatizada. Há várias décadas, Julian Simon e Gary Becker apontaram, contra os malthusianos, que a criatividade constituía um recurso ideal para resolver a escassez que poderia ser causada por uma eventual explosão demográfica.

Contradições à esquerda

Também Victor Kumar, professor de Filosofia na Universidade de Boston, exortava os progressistas americanos, em um artigo publicado no New York Times, a incluírem o déficit demográfico em suas agendas: “Se não for controlado, o declínio da população pode agravar muitos dos problemas que preocupam os progressistas”, como a desigualdade ou a situação de grupos marginalizados, afirmava.

Anastasia Berg e Rachel Wiseman, que entrevistaram mais de uma centena de mulheres para mostrar o que sentem após decidirem ser mães ou não (‘What Are Children For? On Ambivalence and Choice’ – Para que servem as crianças? Sobre ambivalência e escolha), percebem uma incoerência no esforço dos supostos progressistas em reduzir o tamanho da população.

“Há uma contradição muito importante na esquerda antinatalista. O valor de muitos projetos que todos desejamos promover – do arte, ao conhecimento, passando pelo ativismo e pela reforma social – depende da existência de um futuro humano (…) Se você está comprometido com o futuro humano, deve defender que as pessoas tenham filhos, quer você decida ter filhos pessoalmente ou não”, comenta Berg, docente de Filosofia na Universidade da Califórnia.

Patriarcado e apocalipse ecológico

Os simpatizantes da nova esquerda geralmente argumentam que a promoção da natalidade conflita com a liberdade da mulher; também que, a longo prazo, pode causar um colapso ecológico, o que os leva a não se entusiasmar com famílias numerosas.

Mas vários estudos revelam que as mulheres, na verdade, têm menos filhos do que gostariam. Os motivos variam, mas essa dissonância não seria incompatível com o empoderamento promovido pelo feminismo?

Outro argumento típico para justificar a baixa natalidade é a má situação econômica. No entanto, não há uma relação direta entre as taxas de natalidade dos países e a riqueza de seus habitantes.

De acordo com o trabalho de Berg e Wiseman, a preocupação com o meio ambiente e a sensação de que estamos caminhando para o colapso, em todos os sentidos, são motivos citados para dizer “não” à procriação. Mas, apesar das crises, tudo aponta que vivemos na melhor das épocas: somos numerosos, mas a mortalidade infantil diminuiu e a expectativa de vida aumentou; além disso, a ciência e a tecnologia estão abrindo formas de controlar a poluição.

Tecnologia e imigração

Do ponto de vista ideológico, o natalismo tem sido recentemente associado a posturas populistas e xenófobas, que buscam defender a população nativa.

Contudo, a verdade é que os imigrantes apenas atenuam a escassez demográfica a curto prazo. As taxas de natalidade dos recém-chegados são altas, mas apenas no início; aos poucos, tendem a convergir com as do país receptor. Por isso, é arriscado depositar neles a solução para a falta de mão de obra, a inversão da pirâmide demográfica ou a falência dos sistemas de pensão.

Por outro lado, as boas intenções subjacentes a algumas políticas migratórias de portas abertas podem, na verdade, causar efeitos desastrosos nos países de origem: a saída de profissionais e jovens qualificados é a forma mais direta de condenar as regiões pobres a um destino ainda mais sombrio e incerto.

Menos política, mais cultura

As receitas governamentais para o inverno demográfico são variadas: deduções fiscais por filho, aumento das licenças de maternidade e paternidade, empréstimos, acesso a programas de fertilização assistida, medidas de conciliação… Contudo, não há estudos conclusivos sobre a eficácia desses planos.

Por outro lado, todos os autores mencionados concordam que o que é necessário é uma mudança de mentalidade e de cultura: é preciso transformar radicalmente a atitude em relação às crianças, à criação dos filhos e à família, e combater o individualismo.

Há outros fatores que tendem a aumentar o tamanho da população: a religião, o nível educacional das mulheres, etc. Por outro lado, certa literatura sobre a insatisfação causada pela maternidade é mais prejudicial do que se pensa.

Morland acredita que a mudança decisiva ocorrerá quando as séries abraçarem o natalismo, ou quando a educação alertar para os benefícios de apostar no crescimento demográfico. Livros como ‘Hannah’s Children. The Women Quietly Defying the Birth Dearth’ [Os Filhos de Hannah. As Mulheres que Desafiam Silenciosamente a Escassez de Nascimentos], no qual Catherine Ruth Pakaluk dá voz a mulheres que, desafiando a cultura predominante, decidem formar uma família numerosa, podem contribuir para mudar as coisas.

O problema demográfico não entende de ideologias; a escassez de população pode transformar o planeta em um lugar inóspito. Dificilmente alguém consideraria muito avançado Enlil, o deus misógino sumério que, como se narra no ‘Gilgamesh’, decide enviar o dilúvio para acabar com o clamor infinito das vozes humanas. É essa possibilidade de empobrecimento do mundo que deveria preocupar cidadãos e políticos, independentemente de suas convicções.

©2024 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: Promover la natalidad también es progresista

noticia por : Gazeta do Povo

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