Pode parecer um pouco ridículo ou fora de lugar se preocupar com o estado de nossas liberdades – e, mais profundamente, com nossa liberdade – em uma sociedade “aberta” como a nossa. Em que isso é legítimo, no entanto, e até mesmo necessário? Essa questão deve ser colocada antes de algum advento tirânico, antes que seja tarde demais.
A segurança, que se tornou um valor fundamental em nossas sociedades, a mentalidade do risco zero, a perda de qualquer senso de educação sobre a liberdade, uma visão distorcida da liberdade — todas essas coisas estão nos levando a um beco sem saída e nos fazendo amar cada vez menos nossa liberdade. E se não a valorizarmos mais o suficiente, seremos capazes de defendê-la quando chegar a hora?
Como assim? Perguntar sobre nossas liberdades? Pior ainda, sobres nossas liberdades ameaçadas? O simples fato de podermos imprimir com todas as letras a afirmação de que nossas liberdades foram minadas ou prejudicadas é um sinal de que nossas liberdades não devem estar tão mal.
Os dissidentes do bloco soviético, a resistência ao nazismo, mas também todos os silenciosos que nasceram sob céus menos clementes e mais tirânicos talvez rissem da nossa cara se ouvissem nossas inquietações, estas que nos damos ao luxo de poder expressar em alto e bom som. E é verdade que não vivemos em uma ditadura, muito menos em um Estado totalitário. Essa questão está resolvida. Mas isso significa que somos realmente livres? E será que ainda prezamos nossas liberdades o suficiente para sermos capazes de ver quando elas estão sendo restringidas e também sofrer com isso? E somos capazes de defendê-las, custe o que custar?
A França sempre deu um grande lugar à liberdade; gritou seu nome durante a Revolução Francesa e deu-lhe o primeiro lugar no seu lema nacional. E, no entanto, precisamente no final do século XVIII, adotou uma forma de pensamento político que fez muito mais para sacrificar a liberdade do que para protegê-la: o contratualismo.
Se concordarmos em ampliar a horizonte, a história das ideias nos permite distinguir duas grandes tradições, duas grandes formas de teorizar a política (1): a primeira tem suas raízes na antiguidade grega e tem um longo fio condutor desde Aristóteles, a segunda nasce com os teóricos modernos do contrato social e sua antropologia individualista. Ora, notadamente é em sua relação com a liberdade que essas duas tradições mais se diferenciam.
O edifício grego:
os dias de glória da liberdade
Os gregos colocaram a liberdade no topo de seu edifício político. Ela era a sua maior conquista. Além disso, a liberdade dava pleno significado à política e só poderia ser realizada na política e por meio dela. Eles organizaram suas cidades de acordo com uma divisão de espaço: o espaço privado, o lar, e o espaço público, o local da política (2).
Na visão deles, o espaço privado, composto pelas esferas doméstica e econômica, estava sujeito ao jugo das restrições materiais e da necessidade vital. O homem ali ainda era um escravo, escravo da necessidade de sobreviver e trabalhar. Para ter acesso à esfera política, o lugar dos homens livres, algo difícil de ser obtido, eles precisavam primeiro se libertar desses grilhões.
Uma vez fora do lar, o homem chega então ao lugar do comum. O lugar que dá aos atos efêmeros dos mortais uma durabilidade, uma memória, uma morada, um lugar tangível que resiste ao teste do tempo, pois é mantido de uma geração para a outra. O lugar onde nos relacionamos com outros homens como iguais. O lugar onde, por meio da palavra e da ação, todos são dotados do poder de participar dos eventos e até mesmo de mudá-los.
Ao dar à palavra falada esse papel central, os gregos não estavam tentando dar a todos o direito de se expressar e compartilhar suas opiniões (que é o que a liberdade de expressão representa hoje), mas, mais essencialmente, a palavra falada permite que nos libertemos da perspectiva exclusiva de nosso próprio ponto de vista particular, que multipliquemos nossa visão do mundo e, assim, esperemos compreendê-lo de uma forma mais objetiva e completa.
Por meio da palavra e da ação na arena política, todos podem se tornar um ser humano capaz de deliberar com os outros e tomar decisões, alguém que, dessa forma, revela e realiza todas as suas capacidades humanas (racionalidade, moralidade, manejo de ideias etc.).
Por meio da conversa cívica e da deliberação coletiva, cada um ajuda a decidir o destino coletivo, revelando que é dono de seu próprio destino, que não é, primariamente, um homem que obedece e é submisso, que é, em suma, um homem livre.
Portanto, sem espaço público e sem política, não pode haver liberdade verdadeira. A política é o lugar onde a liberdade é alcançada, sua condição de possibilidade.
O ponto de virada
moderno: a liberdade sacrificada no altar da segurança
No entanto, segundo Hannah Arendt, após essa apoteose grega, a história viu uma rachadura nesse edifício, uma quebra gradual do vínculo inseparável entre liberdade e política. Houve até mesmo uma completa inversão de perspectiva: a liberdade é colocada em vários domínios extrapolíticos (nas esferas social e privada: liberdade religiosa, vida familiar, vida amorosa, amizades, vida profissional, associações etc.), e a política se torna o domínio do gerenciamento de restrições, uma administração do necessário.
Do lugar de fim último a ser alcançado, a política é degradada ao nível de um meio colocado a serviço de uma causa exterior a ela, de uma liberdade individual que escapa à sua influência. A política é até mesmo o inimigo a ser vigiado, aquela que suspeitamos de querer invadir nossas liberdades, e que não devemos perder de vista por muito tempo. Essa tensão entre a liberdade e a política, que se impõe ao descartar sua harmonia passada, é consagrada pelos teóricos do contrato social.
O estado pré-contratual, pré-político, do homem seria o estado de natureza, no qual os homens são indivíduos isolados, soberanamente livres de seus movimentos, livres para seguir a inclinação de seus desejos, livres para usar sua razão calculista para ser astuto e sobreviver da melhor forma possível. Mas a liberdade de um entra em conflito com a liberdade do outro, porque, embora os desejos sejam ilimitados, os objetos cobiçados pelo desejo são limitados, e a rivalidade é inevitável, de modo que a “guerra de todos contra todos” é o resultado fatal, a situação normal do estado pré-político.
E, como descreve Hobbes, é porque os homens preferem fugir desse estado de ameaça permanente que paira sobre sua existência, porque nesse confronto interminável eles podem ser mortos a qualquer momento, que eles decidem entrar em um contrato juntos, para se colocarem sob a autoridade e a proteção, sob o jugo, de um Soberano absoluto: o Estado, o Leviatã.
A história é bem conhecida. Por meio do pacto social, os indivíduos abrem mão de sua liberdade natural, que é vasta mas formal, para obter um estado de paz social e, portanto, de segurança relativamente certa — porque garantida pelo Estado e não mais por nossa própria força. O que resta aos membros da sociedade é uma liberdade certamente restrita e delimitada pelo poder do Estado, mas que tem o mérito de não correr o risco de ser destruída a qualquer momento por um ataque inesperado de outrem.
Nossa era é fruto dessa tradição contratualista. Nossa sociedade é baseada, portanto, em um fundamento teórico que consistiu precisamente em sacrificar uma parte de nossa liberdade para obter maior segurança, em colocar nossas existências nas mãos do Estado.
Não poderíamos estar mais longe da visão grega que elevou a liberdade a grandes patamares, e que foi, em seguida, reinvestida por São Tomás de Aquino e pela tradição política cristã.
Hoje: liberdade
querida, mas não muita
Ora, nossa sociedade não está preparada para trair suas raízes filosóficas: ela é tendencialmente madura para aceitar uma redução em sua liberdade, desde que cresça a garantia de sua segurança — seja em face de ameaças criminais, sanitárias, informáticas ou tecnológicas… Tocqueville acrescentaria: desde que a causa da igualdade de todos, da equalização das condições, seja promovida.
Quando surge um dilema, que mereceria ser examinado com serenidade, pesando os danos representados pela perda de um pedaço de liberdade, raras são as vozes que se levantam para nos lembrar o quão grande e preciosa é a liberdade, quanto ela só pode ser reduzida com uma mão trêmula e um espírito inquieto, quanto ela é um componente essencial do bem comum e uma condição para um verdadeiro desenvolvimento humano, que não pode ser vendida de qualquer jeito.
Tristemente, a crise da Covid nos mostrou que a opinião da maioria rapidamente se une ao instinto de segurança e à política de “risco zero”, sem se preocupar muito com a justa proporção entre o perigo real incorrido e as medidas adotadas.
É aí que espreita o perigo: ao dar à
segurança ou à igualdade o lugar de valor arquitetônico, rapidamente deixamos
de prestar atenção suficiente à liberdade e não percebemos a tempo que ela está
cada vez mais ameaçada à medida que algumas de nossas liberdades são corroídas.
É como o ar que respiramos, podemos simplesmente esquecer que ele está aí, ao
nosso redor, como uma evidência, que estamos imersos nele, e somente quando
cruelmente nos falta é que abrimos os olhos para seus benefícios. Onde mais
ouvimos a ecoar o refrão “liberdade, liberdade, liberdade”? Nas prisões, nas
canções da resistência, nos campos de concentração, na prosa ou no verso dos
dissidentes…
Da mesma forma que, quando sufocados, sentimos falta do ar e queremos, in extremis, publicar sua glória, embora não tenhamos mais o peito ou a voz para fazê-lo, também tendemos a não valorizar verdadeiramente a liberdade até que ela nos seja confiscada e já seja tarde demais para salvá-la.
Daí nossa preocupação em levantar hoje a questão das ameaças que pesam sobre nossa liberdade, mesmo que isso signifique responder com alegria que ela não está tão mal: de um lado, a liberdade pode ser perdida ou diminuída por deslizes sub-reptícios, com total discrição, sem fazer muito barulho, aproveitando um momento de desatenção; por outro lado, é necessário apenas um pouco de coragem para proteger as liberdades atacadas por um poder não tirânico, enquanto o heroísmo é imediatamente exigido de nós quando se trata de defender as liberdades aniquiladas por um poder ditatorial.
O abandono da
educação, outro motivo de preocupação
Há ainda uma consideração final que nos convida a analisar com afinco a questão da liberdade hoje: nós não nascemos livres, nós nos tornamos. A liberdade só nos é dada em germe no início da nossa existência, ela deve ser educada, deve ser conquistada com muita luta, exige todo um aprendizado, um longo treino na virtude, toda uma disciplina dos nossos desejos e das nossas paixões para que não sejamos sujeitos a eles.
Essa liberdade, chamada de liberdade de qualidade, não é isenta de condições e de trabalho árduo sobre si próprio. A tragédia de nossa época é que já não se propõe mais o objetivo real de educar as pessoas para essa liberdade e está perdendo até mesmo os meios de fazê-lo.
Ora, um homem que não educa sua liberdade e que, por negligenciá-la, não a ama o suficiente, é um homem que muito mais facilmente deixará escorrer pelos dedos as liberdades exteriores (liberdade de expressão, de pensamento, de movimento, de associação, de culto, de educação, etc.) que são necessárias para a plena e completa realização de sua liberdade interior. Esse é definitivamente um motivo de preocupação para o futuro de nossas liberdades.
Enfim, outro motivo de preocupação, nossa época defende uma visão completamente diferente da liberdade, segundo a qual o indivíduo é livre por natureza, por nascimento. Essa liberdade, chamada de liberdade de indiferença, é postulada em sua totalidade desde o início; é um dado, um já existente, um direito subjetivo, uma reivindicação, um “algo” que o indivíduo pode exigir e afirmar sem ter que fazer o menor esforço.
Contudo, mesmo para além dos enganos induzidos por essa visão ilusória da liberdade, que nos parece sobretudo inclinada a forjar escravos convencidos de que são livres (3), há uma armadilha: somos muito menos atentos para proteger aquilo que no caiu do céu do que aquilo que ganhamos com o suor do nosso rosto.
Os nossos contemporâneos arriscam, portanto, serem ainda menos vigilantes na salvaguarda da sua liberdade porque, primeiramente, não lutaram o suficiente para obtê-la.
Notas:
(1) Veja o excelente resumo de Pierre Manent em sua Histoire intellectuelle du libéralisme.
(2) Cf. Hannah Arendt, O que é política? e A Condição Humana.
(3) Uma visão ilusória que também tem o efeito deletério de dispersar nossos esforços: acabamos perseguindo falsas liberdades (eutanásia, pedofilia, etc.), porque desconectamos a liberdade da verdade e de qualquer noção do bem — e não sabemos mais como concordar sobre o que é bom.
Élisabeth Geffroy é professora de Filosofia, formada na École normale supérieure de Paris.
© 2024 La Nef. Publicado com permissão. Original em francês: “Pourquoi aimons-nous moins la liberté ?”.
noticia por : Gazeta do Povo