VARIEDADES

“Perguntar o que as pessoas querem é um convite para dizerem quem são”: a lição de um dos maiores cirurgiões dos EUA

Vencedor do prêmio Pulitzer com o best-seller ‘O Poder do Hábito’ (2012), o jornalista Charles Duhigg está de volta ao mercado editorial com ‘Supercomunicadores: Como Desbloquear a Linguagem Secreta da comunicação’ (Editora Objetiva).

Como indica o título, o livro é um guia para se conectar melhor com as pessoas — num mundo em que, apesar dos avanços promovidos pelas redes sociais e mensagens instantâneas, nem sempre conseguimos estabelecer um diálogo razoável com o outro.

Ao longo de quase 300 páginas, Duhigg narra situações vividas por profissionais como o cirurgião Behfar Ehdaie, do Memorial Sloan Kettering, em Nova York, centro de refrência no tratamento de câncer.

Admirado por sua competência e simpatia, Ehdaie descobriu uma falha grave em seu processo profissional: durante anos, ele conversou de forma errada com seus pacientes. Entenda por que, e como ele corrigiu o problema, no trecho a seguir.

O dr. Ehdaie passou a vida aprimorando seus conhecimentos sobre tumores de próstata — esses pacientes o procura­vam por ser um especialista! — e, mesmo assim, por mais que afirmasse que não precisavam de cirurgia, muitos insistiam nisso.

Às vezes, a pessoa levava os estudos marcados com caneta amarela para casa e pesquisava evidências contrárias na internet, encontrando periódicos de medicina e artigos científicos obscuros até se convencer de que os dados eram todos contraditórios ou de que os médicos não sabiam do que estavam falando.

“E então, voltavam com desconfianças”, contou o dr. Ehdaie. Eles perguntavam se ele estaria recomendando a vigilância ativa por ser um partidário dela. Outros simplesmente ignoravam seu conselho.

Diziam coisas como “Tenho um amigo que teve câncer de próstata e ele me falou que fez cirurgia e correu tudo bem”. Ou “Uma vizinha minha teve câncer no cérebro e morreu dois meses depois, então é arriscado esperar”.

Esse problema não era exclusivo do dr. Ehdaie. As pesquisas indicam que até hoje cerca de 40% dos pacientes de câncer de próstata optam desneces­sariamente pela cirurgia. Isso representa mais de 50 mil indivíduos por ano que deixam de escutar — ou decidem ignorar — os conselhos médicos.

“Quando isso passou a acontecer repetidamente, me dei conta de que o problema não era com os pacientes”, afirmou o dr. Ehdaie. “O problema era comigo. Estava fazendo alguma coisa errada. Estava falhando nessas conversas.”

O dr. Ehdaie começou a pedir
conselhos a amigos, até que um colega lhe recomendou procurar um professor da
Escola de Negócios de Har­vard chamado Deepak Malhotra. O médico lhe escreveu
um longo e-mail perguntando se poderiam se encontrar.

Malhotra fazia parte de um grupo de professores que estudava como as negociações ocorrem no mundo real. Em 2016, um de seus colegas ajudou o presidente da Colômbia a negociar um acordo de paz para pôr fim a uma guerra civil de 52 anos que havia matado mais de 200 mil pessoas.

Após a greve da National Hockey League de 2004, que cancelou metade da temporada, Malhotra analisou por que as discussões entre os jogadores e os donos dos times haviam fracassado e o que seria necessário fazer para que fossem retomadas de maneira produtiva.

Quando recebeu a mensagem do dr. Ehdaie, Malhotra ficou intrigado. Sua pesquisa às vezes descreve negociações formais em que, digamos, lí­deres sindicais e patrões se digladiam em torno da mesa de reuniões.

Mas a situação do dr. Ehdaie era diferente: o médico e seus pacientes estavam envolvidos numa negociação de alto risco — o problema era que na maior parte do tempo nenhuma das partes admitia estar em negociação com a outra.

Malhotra viajou até o centro oncológico Sloan Kettering para obter mais informações e, enquanto acompanhava o dr. Ehdaie, identificou oportuni­dades para melhorar essas conversas.

“Um passo importante em qualquer negociação é ter clareza sobre o que todos os participantes querem”, contou­-me Malhotra. Muitas vezes, o que as pessoas desejam em uma negociação não fica imediatamente óbvio.

Um líder sindical pode afirmar, por exemplo, que seu objetivo é o aumento salarial.

Mas depois, com o tempo, outros objetivos transparecem: a pessoa também quer obter uma boa impressão perante os membros do sindicato, há uma luta pelo poder entre grupos sin­dicais, ou os trabalhadores valorizam a autonomia tanto quanto um salário mais alto, mas não sabem como trazer isso à mesa de negociações.

Pode levar tempo, e exigir as perguntas corretas, para definir o que as pessoas querem. Assim, uma tarefa importante em qualquer negociação é perguntar muito.

Mas, em suas interações com os pacientes, o dr. Ehdaie não estava fa­zendo as perguntas certas. Ele não os entrevistava para descobrir o que era mais importante para eles.

Não pensava em questões como: Será que ainda gostariam de prolongar suas vidas se o tratamento os impedisse de fazer coisas como viagens e sexo? A pessoa pode preferir cinco anos extras se isso implica sofrimento constante? Até que ponto a decisão de alguém era ditada antes por sua própria vontade do que pelos desejos da família? Estaria o paciente secretamente torcendo para seu médico lhe dizer o que fazer?

O maior erro de Ehdaie era
presumir, no início das conversas, que sabia o que o paciente queria: um
conselho médico objetivo, um sumário das alternativas para fazer uma escolha
bem-informada.

“Não convém começarmos uma negociação presumindo que sabemos o que a outra parte deseja”, afirmou Malhotra. Essa é a primeira parte da conversa Do que realmente se trata?: descobrir sobre o que todos os demais querem falar.

O método mais simples de identificar os desejos alheios, sem dúvida, é perguntar O que você quer?.

Mas essa abordagem pode fracassar se a pessoa não sabe ou tem vergonha de dizer, ou não tem certeza sobre como expressar seus desejos, ou está preocupada de que revelar demais pode deixá-la numa posição desvantajosa.

Assim, Malhotra sugeriu que o dr. Ehdaie tentasse uma estratégia diferente. Em vez de começar a conversa apresentando ao paciente uma visão geral das opções, deveria fazer perguntas abertas para levá-lo a falar sobre seus valores e o que esperava da vida.

“O que esse diagnóstico de câncer significa para o senhor?”, o dr. Ehdaie perguntou a um paciente de 62 anos algumas semanas depois.

“Bem”, respondeu o homem, “me faz pensar no meu pai, porque ele mor­reu quando eu era novo, e isso foi difícil para minha mãe. Odiaria fazer minha família passar pela mesma coisa.”

O homem falou sobre seus filhos, e sobre como não queria deixá-los traumatizados. Falou sobre suas preo­cupações relativas ao mundo que seus netos herdariam, com a mudança climática e tudo mais.

Ehdaie esperava que o homem fosse perguntar sobre questões médicas, falar sobre sua mortalidade ou querer saber sobre dor. Em vez disso, suas preocupações giravam em torno da família.

O que ele realmente queria saber era qual tratamento daria menos aborrecimentos para sua esposa e seus filhos. Ele não se importava com os dados. Queria discutir como evitar transtornos para os entes queridos.

Um padrão similar surgiu em outras conversas. O dr. Ehdaie começava com uma pergunta ampla — “O que sua esposa disse quando você lhe con­tou sobre o diagnóstico?” — e, em vez de falar sobre a doença, o paciente falava sobre o casamento, lembranças da doença de um pai ou mãe, traumas sem relação com questões médicas, como divórcios ou falências.

Alguns falavam sobre o futuro, como queriam passar a aposentadoria, que legado esperavam deixar. Começavam a refletir sobre como processar a ideia do câncer em suas vidas, debatendo o significado da doença.

É assim que funciona uma negociação tranquila: um processo em que decidimos juntos que assuntos serão discutidos e como serão discutidos. É uma tentativa de descobrir o que todos esperamos de uma conversa, mesmo que nós próprios não tenhamos muita certeza, no começo.

As perguntas do dr. Ehdaie revelaram que alguns pacientes estavam assustados e queriam conforto emocional. Outros tentavam se sentir no controle.

Alguns — buscando uma prova social de que não estavam assumin­do riscos incomuns — queriam saber como outras pessoas haviam tomado essa decisão. Outros ainda queriam o tratamento mais
avançado disponível.

Muitas vezes, o dr. Ehdaie só conseguia descobrir sobre o que os pacien­tes queriam falar fazendo as mesmas perguntas básicas, repetidamente, de diferentes maneiras.

“No fim, acabavam dizendo algo revelador do que era importante para eles”, contou-me. Isso explicava por que o médico havia fracassado tantas vezes em se comunicar com seus pacientes ao longo dos anos: não estava fazendo as perguntas certas.

Não perguntou sobre suas necessidades e seus desejos, o que esperavam da conversa. Presumiu que já soubesse. E, como não se deu ao trabalho de descobrir o que era importante para eles, os inundou com informações que não os interessavam.

Resolveu mudar a forma como se comunicava: abandonar o tom professoral e começar a fazer perguntas melhores, para ensejar um diálogo propriamente dito.

Seis meses após o dr. Ehdaie adotar essa abordagem mais inclusiva, a quantidade de pacientes que optava pela cirurgia caiu 30%.

Atualmente, ele dá treinamento para cirurgiões negociarem temas como uso de opioides, tratamentos para câncer de mama e decisões sobre cuidados paliativos.

É uma abordagem que todos podemos usar, mesmo em discussões menos graves, quando estivermos conversando, digamos, com um amigo sobre sua vida romântica, com um colega de trabalho sobre um projeto, com um cônjuge sobre como criar os filhos.

Em muitas conversas, há um tema na superfície — mas também um assunto mais profundo e significativo que, quando trazido à tona, revela o que todos esperam extrair do diálogo.

“É importante perguntar o que as pessoas querem”, disse-me o dr. Ehdaie. “É um convite para lhe dizerem quem são.”

noticia por : Gazeta do Povo

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