VARIEDADES

Os sonhos marxistas do pai de Kamala Harris

Entusiasmada com a reciclagem, a revista de moda e estilo de vida Elle está incentivando os leitores a “revisitar” o perfil de Kamala Harris de 2020 da publicação, que começa com Harris relembrando uma memória de infância. Parece que ela era uma criança que foi “levada numa marcha pelos direitos civis em Oakland, Califórnia, em um carrinho de bebê sem cintos com seus pais e seu tio”:

“Em algum momento, ela caiu do carrinho (poucas regulamentações de segurança existiam para equipamentos infantis naquela época), e os adultos, envolvidos no êxtase do protesto, continuaram marchando. Quando perceberam que a pequena Kamala havia sumido e voltaram, ela estava compreensivelmente chateada. ‘Minha mãe conta a história de como eu estava choramingando’, diz Harris, ‘e ela diz, ‘Querida, o que você quer? O que você precisa?’ E eu apenas olhei para ela e disse, Fweedom.” (Ao aprender inglês, as crianças costumam trocar o “r” pelo “w”, então ela teria dito “fweedom” em vez de “freedom” — liberdade.)

Kamala adora retratar a si mesma como uma radical quando jovem. Em 2016, a revista New Yorker lembrou a época em que Kamala, então com dez anos, e sua irmã Maya, de oito, “lançaram uma campanha bem-sucedida para transformar um pátio inutilizado no prédio de apartamentos em que moravam na Bay Area (San Francisco) em um playground. Hoje, Kamala é a procuradora-geral da Califórnia e provavelmente em breve será eleita senadora dos EUA.”

Essas histórias de crianças extraordinárias estão em todo lugar — Jesus palestrando para rabinos aos doze anos, Mozart aos quatro tocando para os monarcas da Europa, Atena nascendo completamente armada e adulta da cabeça de Zeus.

Mas se as histórias do passado de Kamala são realmente críticas para entender quem ela é hoje, devemos considerar brevemente o papel de seu pai, Donald J. Harris, um economista marxista e professor emérito de Stanford.

A visão interessante de Donald sobre a teoria econômica é melhor exposta em seu prefácio para uma reimpressão de 1972 da “Teoria Econômica da Classe Ociosa”, de Nikolai Bukharin. É uma espécie de guia para iniciantes sobre a visão ortodoxa de esquerda da “economia burguesa” em contraste com a “ciência” da análise marxista.

A “Teoria Econômica” de Bukharin é um clássico do gênero, neste caso, uma crítica marxista do sexo dos anjos da então emergente noção econômica da “teoria marginal”. Na economia clássica (o que Donald às vezes também chama de “burguesa”), a teoria marginal examina como a adição ou redução de uma única unidade de um bem ou serviço afeta as decisões do consumidor: para um homem morrendo de sede, a primeira garrafa de água provavelmente vale mais do que a segunda — e, naquele momento, para aquele homem, ambas podem valer tudo o que ele possui.

Mas não se preocupe muito com os detalhes da teoria marginal, nos diz Donald: “São questões de menor importância. O que é crucial é [e aqui ele começa a citar Bukharin] ‘o ponto de partida da teoria, a forma como ela ignora o caráter sócio-histórico dos fenômenos econômicos.’”

Perceba: para o típico marxista, a teoria econômica de livre mercado sempre obscurece — “ignora” — o que é realmente real, que é o conflito de classes, diz Donald.

Não era sempre assim com os teóricos burgueses, ele diz:

“Na fase inicial do desenvolvimento capitalista, a economia política burguesa, ao defender os interesses da burguesia emergente em sua luta contra a classe dominante pré-existente, desempenha um papel científico radical ao expor a natureza da sociedade produtora de mercadorias pré-capitalista. Na fase posterior do capitalismo, no entanto, a economia política burguesa volta-se para a justificação do sistema no qual a burguesia se tornou ascendente e é ameaçada pelo crescente movimento dos trabalhadores. Perde assim seu papel científico, papel que é assumido pela economia política marxista enraizada nos interesses da classe trabalhadora.”

Donald J. Harris, pai de Kamala Harris

Nesse único trecho, você tem uma visão geral do marxismo — sua percepção de que a teoria do livre mercado, por mais correta que tenha sido como crítica ao feudalismo, é mera propaganda destinada não a esclarecer, mas a mascarar a opressão dos trabalhadores. Essa teoria econômica de livre mercado, portanto, ajuda a justificar a persistência de uma burguesia vestigial/parasitária que, tendo criado o sistema industrial que produz tanta abundância, gerou um novo problema — a “crise da superprodução”, como Marx e Engels a chamaram — um problema que só pode ser resolvido identificando novos mercados estrangeiros, impulsionando a demanda do consumidor através da publicidade e ideias distrativas fantasiosas como a “teoria marginal” que ajudam na “formação da demanda”.

Em uma nota biográfica nos parágrafos finais, Harris menciona brevemente para onde o trabalho de Bukharin levou o outrora proeminente pensador soviético: ele trabalhou de perto com Lênin durante a Revolução de Outubro, foi membro do Politburo (comitê executivo do Partido Comunista) em 1919, “assumiu muitos cargos de destaque no Partido” e “passou a exercer grande influência dentro do Partido e da Internacional Comunista”, escreve Donald. Depois, em uma única frase seca, ele explica o fim de Bukharin. Não há senso de ironia aqui, nem mesmo a sensação de que ele compartilha a provável confusão de seus leitores: “Sob o regime de Stálin, (…) ele estava entre os que foram presos e levados a julgamento sob acusações de traição e foi executado em 15 de março de 1938.” Bukharin, com 49 anos na época de seu assassinato, pode ter parecido velho o suficiente para Donald, que tinha apenas 34 anos na época do texto.

Todo a obra de Donald Harris atribui inocentemente à economia marxista um sucesso que ela nunca alcançaria e é cega ao terror que seu trabalho implicava. Em 1966, mesmo enquanto concluía sua dissertação, ele encontrou tempo para resenhar um livro da editora da Universidade da Califórnia sobre os problemas do Brasil nos anos 1960 com o planejamento central (“Diagnóstico da Crise Brasileira”, de Celso Furtado). É um livro que “merece muito mais atenção do que aparentemente recebeu até agora”, ele escreve, e é bom porque traz “ao problema uma perspectiva suficientemente ampla para incluir suas dimensões sociopolíticas e históricas, bem como econômicas” — o que significa que ele aprova o método de investigação do autor — “suas origens hegelianas e a relevância de sua adaptação marxista para a análise do desenvolvimento tanto em economias avançadas quanto em subdesenvolvidas.” É uma “hipótese simplificadora útil”, ele a chama, “útil” presumivelmente porque ajuda a explicar o fracasso dos planejadores centrais como uma característica da luta de classes revolucionária internacional. Vamos sublinhar “simplificadora” como um tema recorrente no restante de sua obra. Em seu ensaio de 1972 “Crescimento Viável com Especificidade de Capital e Trabalho Excedente”, Donald promete (sem brincadeira) ajudar os planejadores centrais em economias emergentes a extrair melhores práticas de “certos aspectos da experiência soviética durante o período do Primeiro Plano Quinquenal”. Ele permaneceu assim durante toda a sua trajetória até “Capital, Tecnologia e Tempo” (em trad. livre) de 2022 — comprometido com uma fantasia e, mesmo aqui, apenas dois anos atrás, aos 82 anos, ainda celebrando o superpoder que lhe permite (em suas palavras) “expor uma lacuna fundamental na narrativa neoclássica tradicional, e na teoria de apoio relacionada, nos problemas duplos de agência e dinâmica do processo de transição envolvidos na análise da acumulação de capital e mudança tecnológica.”

Donald Harris, economista radical, mas crítico da associação da Jamaica à maconha que a filha fez

A capacidade de Donald de transformar essa teologia em um produto comercializável — uma carreira em Stanford! — é uma característica fascinante do capitalismo pós-moderno aplicado à academia. Nascido na Jamaica em 1938, Donald obteve seu diploma de bacharel pela Universidade de Londres em 1960 e foi imediatamente trabalhar em um doutorado em economia na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Lá, em um protesto pelos direitos civis, conheceu Shyamala Gopalan, nascida na Índia, estudante de pós-graduação em nutrição e endocrinologia. Eles se casaram em 1963, e Kamala nasceu no ano seguinte.

Esse casal radical encenando rituais burgueses — casamento, cuidados com a casa, uma filha, diplomas de pós-graduação — pode parecer notavelmente irônico. Mas Berkeley estava apenas começando a ganhar sua reputação de caos no campus. O ano do nascimento de Kamala também foi o ano do discurso breve e emocionante de Mario Savio para os manifestantes reunidos do lado de fora do prédio Sproul Hall em Berkeley. Esse discurso agora é considerado corretamente fundamental para o radicalismo no campus que se seguiria. E continua atual: em apenas algumas palavras, Savio caracterizou o projeto acadêmico de maneiras que qualquer pessoa hoje pode compreender instantaneamente. Uma universidade é uma espécie de fábrica, declarou Savio, um sistema de produção em massa no qual “os professores são um bando de empregados, e nós somos a matéria-prima!”

“Mas nós somos um monte de matéria-prima que não quer ter nenhum processo sobre nós, não quer ser transformado em nenhum produto, não quer acabar sendo comprado por alguns clientes da Universidade, seja o governo, seja a indústria, seja o trabalho organizado, seja quem for! Nós somos seres humanos!”

Mario Savio, aluno da Universidade da Califórnia em Berkeley, dezembro de 1964

E então vieram as linhas lembradas por alguns de nós que crescemos com a voz de Savio ainda ecoando em nossos campi da Califórnia mais de uma década depois:

“Há um momento em que a operação da máquina se torna tão odiosa, faz vocês ficarem tão desgostosos, que vocês não podem participar; vocês não podem nem mesmo participar passivamente, e vocês têm que colocar seus corpos sobre as engrenagens e sobre as rodas, sobre as alavancas, sobre todo o aparato, e vocês têm que fazê-la parar. E vocês têm que indicar às pessoas que a dirigem, às pessoas que a possuem, que, a menos que vocês sejam livres, a máquina será impedida de funcionar!”

Foi aí que Kamala Harris nasceu.

É fácil imaginar que o tumulto político reverberava na casa dos Harris. A mãe concluiu seu doutorado no ano em que Kamala nasceu, mas permaneceu pesquisadora em Berkeley. Donald concluiu seu diploma dois anos depois e, como muitos jovens doutores, trabalhou arduamente para encontrar um emprego permanente. Sua busca nacional o levou a posições temporárias nos departamentos de economia da Universidade de Illinois e da Universidade Northwestern. Shyamala o acompanhou bravamente com Kamala; sua irmã mais nova Maya nasceu durante esta estada no Meio-Oeste, embora Shyamala tenha simultaneamente conseguido empregos de pesquisa em Illinois e Northwestern. Mas, na época em que Donald aceitou outra posição, na Universidade de Wisconsin, as coisas parecem ter se desintegrado para o casal. Ele se mudou para Madison; ela permaneceu em Illinois e depois aceitou um cargo de pesquisadora de volta em Berkeley. O casal se divorciou em 1969.

Os termos desse divórcio foram generosamente descritos como “amargos” e a batalha pela custódia como “dura”. O que está claro é que Donald insistiu em seus direitos paternos. Com Shyamala e as meninas de volta a Berkeley, ele abandonou sua posição de professor titular em Wisconsin para aceitar um cargo mais precário de professor visitante na Universidade Stanford em 1973.

Em Stanford, Donald logo começou a pressionar por algo permanente. Ele fez lobby — e depois intimidou — seus colegas do departamento de economia para criar um programa alinhado com seus interesses singulares. No final de 1973, quando sua posição de professor visitante estava chegando ao fim, ele levou sua luta departamental para fora, para os alunos.

Em uma reportagem do jornal Stanford Daily de janeiro de 1974, Donald falou mal do departamento em uma crítica que ligava raça, academia e o estudo da economia. Ele também enviou uma mensagem franca diretamente aos seus colegas do departamento de economia:

“Não tenho grande ansiedade ou desejo de permanecer aqui”, confessou, acrescentando que não ficou “tão animado em Stanford”. Ele explicou que “gostaria de ver um interesse intelectual ou acadêmico sério aqui [em Stanford] consistente com meus próprios interesses”, embora acrescentando que “a possibilidade não existe aqui no momento.” Harris, um negro, explicou ainda que desejava “se ligar a uma pesquisa séria” de estudiosos negros aplicando análise de sistemas aos problemas dos negros em todo o mundo, mas “a Universidade não está preparada para desenvolver isso.” Ele não foi abordado sobre sua permanência aqui, concluiu.

Stanford Daily, 1974

Essa reportagem de primeira página apresenta uma fotografia de Donald com uma legenda esclarecedora:

ECONOMISTA RADICAL — O professor visitante de Economia Donald Harris fala em reunião de 18 de janeiro sobre pedidos de alunos por um “compromisso formal” do departamento para estabelecer um campo de estudos em economia radical. Sua partida iminente – e a probabilidade de que nenhum novo economista marxista seja contratado – formam a base de algumas das queixas dos alunos.

Stanford Daily, 1974

(E se isso não lhe der um gosto pelo campus de Stanford no início dos anos 1970, a manchete adjacente pode: “Conselho consultivo de docentes adia programa de treinamento de estudantes para forças armadas.”)

A história revela que na época, como agora, os administradores universitários muitas vezes são facilmente superados pelos radicais do campus. “Tive várias conversas com [Donald Harris], e acredito que estamos de acordo sobre as condições gerais nas quais ele gostaria de ser considerado”, disse o presidente do departamento, Moses Abramovitz, ao Stanford Daily.

Abramovitz “observou ainda que as condições lidam com ‘um compromisso positivo da faculdade em economia marxista‘, e concordou que sob tais condições Harris ‘poderia emergir como um candidato principal para a nomeação’. Ele acrescentou, no entanto, ‘essas condições ainda não existem. São exatamente as questões que estão agora diante da faculdade’.”

Donald voou para uma nomeação temporária na Universidade das Índias Ocidentais em Kingston, Jamaica. Enquanto isso, o departamento de economia de Stanford lançou um novo programa que parece ter sido adaptado para seu ausente radical da faculdade: “abordagens alternativas para a análise econômica.” Talvez mais notavelmente, ofereceram a Donald um cargo permanente de professor titular.

Foi quando Shyamala e as meninas fizeram mais uma mudança, desta vez para que Shyamala pudesse assumir um cargo em tempo integral, na Universidade McGill em Montreal. “Em três estações do ano, as meninas moravam em Montreal”, relatou o jornal Washington Post. “Os verões incluíam momentos de convivência com o pai.” Durante uma visita a Stanford em 1978, Kamala lembra de ter ido ao seu primeiro show: Bob Marley no Teatro Grego em Berkeley.

“Nós nos sentamos no topo, no fundo do teatro e, enquanto eu assistia à apresentação, estava completamente maravilhada”, disse Harris ao Washington Post durante a campanha Biden-Harris de 2020. “Até hoje, sei a letra de quase todas as músicas de Bob Marley.”

Quer seja história real ou tentativa desajeitada de reforçar suas credenciais multiculturais, ela disse às pessoas que as raízes jamaicanas de seu pai explicam seu próprio amor pela maconha. Isso tem a desvantagem de frustrar os progressistas da Califórnia que a viram processar quase 2.000 casos de posse de maconha enquanto era promotora de São Francisco. E se Donald deveria ter se sentido honrado por esse reconhecimento, a verdade é que ele não se sentiu.

“Minhas queridas avós falecidas, (…) bem como meus pais falecidos, devem estar se revirando no túmulo agora ao ver o nome de sua família, reputação e identidade jamaicana orgulhosa sendo conectados, de qualquer maneira, de forma brincalhona ou não, com o estereótipo fraudulento de um hedonista fumador de maconha e à busca da política identitária”, ele escreveu em uma coluna para o jornal Jamaica Global Online.

“Falando por mim e por minha família jamaicana imediata, desejamos nos dissociar categoricamente desta farsa.”

Tal pai, tal filha? Nem sempre

É importante estipular que a biografia de Donald não é determinante — não prova que o ceticismo apaixonado de Kamala em relação ao capitalismo e sua crítica aos EUA surgiram em sua casa de infância. Enquanto Kamala fala muito sobre sua mãe, ela raramente menciona Donald. Seus pais se divorciaram quando Kamala tinha apenas cinco anos, na época em que Donald estava redigindo aquele ensaio sobre Bukharin. Também é importante notar que as crianças não são responsáveis ​​nem necessariamente apegadas às opiniões de seus pais. Há coisas freudianas a considerar: por exemplo, o impulso profundo entre as crianças de ferir os pais poderosos que lhes deram vida (e muitas vezes muito mais) adotando ideias que são profundamente hostis aos seus pais.

E para Kamala, devemos considerar a influência do movimento progressista mais amplo ao seu redor. Por mais caótica que tenha sido sua vida em casa, sua educação foi sempre de classe média. Hoje, seus pares (e eleitores) podem ver esse conforto como uma desvantagem. Criada por Donald e Shyamala em campi universitários, é justo dizer que Kamala surge do mesmo radicalismo de campus que agora domina os departamentos de RH corporativos, imprensa, entretenimento, governo, academia e, claro, seu próprio Partido Democrata. Ela obviamente está acostumada com esse conforto mas, aparentemente, também envergonhada dele. Então ela exagera as qualidades transgressoras da jovem Kamala — Bob Marley, a batalha do povo por um pátio de condomínio em Oakland, e “fweedom!” Como observou Andy Warhol, “Não há nada mais burguês do que o medo de parecer burguês.”

E onde os princípios estão em questão, Kamala não é a pessoa de princípios — se mal orientada — que vemos em seu pai. Como a maioria dos marxistas tradicionais, Donald vê a luta de classes como o motor da mudança histórica. A política identitária é um impedimento ao desenvolvimento de um movimento de trabalhadores que opere como um punho. Ela é, de fato, notoriamente, e como muitos políticos, de todos os lados de todas as questões — tão inconstante quanto se pode ser — em um dia pedindo o fim do seguro de saúde privado e no outro dizendo que é contra isso; dizendo que acolheria o apoio corporativo para sua campanha de 2020 e então, quando pressionada pela esquerda, reclamando que o dinheiro corporativo havia destruído a democracia americana. “Então eu realmente tomei a decisão desde que tive aquela conversa que não vou aceitar cheques de PAC [Comitê de Ação Política] corporativo,” ela disse. “Simplesmente, eu não vou.” Ela pediu a proibição do fracking (prospecção de petróleo feita com pressão hidráulica) e depois negou ter dito essas palavras. Durante a campanha de 2020, ela jurou que processaria os produtores de petróleo por seu suposto papel nas mudanças climáticas. “Eu processei a ExxonMobil,” disse ela à CNN, como uma espécie de prova de que faria isso novamente. Coube ao New York Times apontar que ela investigou, mas nunca processou de fato a ExxonMobil.

Mas Kamala sabe o que sua base quer ouvir, e isso muitas vezes está bem próximo do desprezo por princípio de seu pai pelos mercados livres e as alegações dele sobre o racismo americano. Em vez de lutar com pesquisas econômicas que apoiam impostos relativamente baixos e regulamentações leves, Kamala descarta as políticas de livre mercado como tolices projetadas para obscurecer a violência de classes. “Francamente, esta economia não está funcionando para as pessoas que trabalham,” declarou Kamala durante a campanha de 2020. “Por muito tempo, as regras foram escritas em favor das pessoas que têm mais e não em favor das pessoas que trabalham mais.”

Tais comentários deveriam deixar o papai, o velho marxista, orgulhoso. Mas há também a política identitária que ela usou tanto como escudo quanto como espada. Seguida por um enxame de repórteres, ela saiu notoriamente da campanha de 2020 para confortar um cara que, momentos antes de ser baleado pela polícia, atacou sua namorada e puxou uma faca para a polícia que ela havia chamado para ajudar. Ao mesmo tempo, Kamala olhou ao redor e se viu cercada pela elite acadêmica, imprensa e a vanguarda do proletariado, viu todos os apelos indignados para cortar verbas da polícia, e ela fez coro a tudo isso.

Não peça a ela para defender tais ações. “Eu só tenho que te dizer,” ela disse a um entrevistador durante aquele mesmo verão quente de 2020, “que estou realmente cansada de ter que explicar minhas experiências com o racismo para as pessoas para que elas entendam que ele existe.”

É difícil medir precisamente o impacto que Donald Harris teve em sua filha, mas temos pelo menos duas outras métricas pelas quais avaliar sua visão de mundo: seu histórico de votações no Senado e seus endossos.

“Seu histórico geral de votações é mais progressista do que o de Bernie Sanders,” escreve Judge Glock no City Journal. “Embora seja difícil comparar membros do parlamento ao longo do tempo, o escore de Harris (-0,709), que se baseia principalmente em votos econômicos, está entre os mais de esquerda na história americana.”

“História” é muito tempo, até mesmo a história americana. Em seu próprio tique mais limitado do relógio, Kamala tem sido confiável o suficiente para entregar o que querem os líderes dos sindicatos governamentais da Califórnia, os homens e mulheres que administram o governo da Califórnia para si mesmos, que falam em proteger a classe trabalhadora, desde que as pessoas que trabalham pertençam aos sindicatos que financiam as campanhas dos candidatos que, uma vez no cargo, devolvem o favor. Graças a esses líderes sindicais, a Califórnia destruiu a contratação independente (através da Lei Estadual 5 de 2019, que cassou o equivalente às relações de trabalho brasileiras conhecidas como “pejotização”), matou milhares de empregos na indústria de fast food do estado com um aumento obrigatório no salário mínimo e transformou as escolas públicas do estado — outrora invejadas pelo resto do país — em fábricas para a produção em massa de teorias raciais e de gênero marginais. Os líderes sindicais também foram os principais motores dos recentes protestos antissemitas em todas as universidades do estado.

As pessoas que abertamente se gabam de que “elegemos nossos próprios chefes” transformaram a Califórnia em um império otomano caro, super-regulado, de escolas falidas, crime desenfreado e uso público de drogas. Horas após o anúncio de sua candidatura, eles endossaram Kamala Harris para presidente. E se ela ganhar a Casa Branca, ela prometeu trazer suas políticas com ela. Se ela conseguir, logo crianças pequenas em todos os EUA — juntando-se aos seus pais indignados — clamarão desesperadamente por fweedom!

©2024 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

Conteúdo editado por:Eli Vieira

noticia por : Gazeta do Povo

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