Iniciada no final do século 19 e consolidada ao longo da década de 1920, a teoria quântica é uma criação de pesquisadores quase todos nascidos na Europa Central. Com poucas exceções, como o britânico Paul Dirac, os físicos que desafiaram a visão de realidade consolidada por Isaac Newton (1643-1727) eram principalmente alemães – caso de Max Planck, Albert Einstein, Max Born, Pascual Jordan e Werner Heisenberg. Por sua vez, Niels Bohr nasceu na Dinamarca e Erwin Schrödinger na Áustria.
Entre 1918 e o início da década de 1930, seis dos oito nomes citados acima já haviam sido agraciados com Prêmios Nobel, prova do tamanho da influência de seus esforços — Born seria lembrado posteriormente, em 1954, e apenas Pascual Jordan terminou a carreira sem ser nomeado. A proximidade geográfica e cultural não foi coincidência, como aponta o físico americano Leonard Mlodinow em seu livro ‘De Primatas a Astronautas’.
“A
inovação começa com o ambiente certo, e não por acaso aqueles que estavam em
países distantes contribuíram pouco. Apoiados em avanços técnicos que revelavam
uma torrente de novos fenômenos relacionados ao átomo, físicos teóricos que
tiveram a sorte de fazer parte da comunidade naquele momento e lugar trocaram
conceitos e observações a respeito do universo que estavam sendo revelados pela
primeira vez na história da humanidade”, ele relata. “Aquele foi um momento
mágico na Europa, como explosões de imaginação em série iluminando o céu, até
começarem a surgir os contornos de um novo aspecto da natureza”.
Começo do fim
Mas ele aponta: “O começo do fim aconteceu em janeiro de 1933, quando o marechal de campo Paul von Hindenburg, presidente da Alemanha, nomeou Adolf Hitler chanceler do país. Naquela mesma noite, na grande cidade universitária de Göttingen — onde Heisenberg, Born e Jordan colaboraram para aprimorar a mecânica de Heisenberg —, nazistas uniformizados marcharam pelas ruas brandindo tochas e suásticas, entoando canções patrióticas e espicaçando os judeus. Meses depois, eles organizavam cerimônias de queima de livros por todo o país e proclamavam o expurgo de professores não arianos das universidades”.
Naquele
momento, boa parte dos homens que haviam desenhado a física quântica se tornou
mal vista. As incertezas proporcionadas pela nova visão a respeito dos átomos
não combinavam com as teorias nazistas, e o trabalho destes pesquisadores
passou a ser visto como decadente. Em pouco tempo, muitos precisaram deixar a
região.
O êxodo alcançou estimados dois mil cientistas das mais diversas outras áreas. Eram perseguidos por terem ancestrais judeus, trabalharem com temas considerados irrelevantes ou indesejados ou adotarem convicções políticas diferentes. É famoso o relato de que Einstein disse à esposa, em 1933, para se despedir em definitivo da casa da família na Alemanha, porque eles jamais voltariam. E, de fato, nunca ele nunca mais pisou no país natal.
Mas
houve exceções notáveis. Pascual Jordan, por exemplo, filiou-se ao Partido
Nazista. E Heisenberg, apesar de nunca ter pedido o credenciamento, se viu
participando ativamente do programa de desenvolvimento da bomba atômica da
Alemanha. “Pelo menos agora nós temos ordem, um fim para essa agitação, e temos
uma mão forte governando a Alemanha, o que será bom para a Europa”, ele chegou
a comentar, quando da ascensão de Hitler.
Carta a Himmler
Nascido
em 1901, em Würzburg, filho do professor de línguas clássicas Kaspar Ernst
August Heisenberg e de Annie Wecklein, Werner Karl Heisenberg foi educado
dentro da região luterana. Como descreve Leonard Mlodinow, na vida profissional
ele evitou se manifestar politicamente. Mas, ao longo de seus anos de formação,
havia participado de “um grupo de juventude nacionalista que misturava longas
trilhas com acampamentos em que se debatia a decadência moral da sociedade alemã,
a perda da tradição e de um propósito comum”.
Heisenberg completou o doutorado em Munique, em 1923, e em 1925 publicou o artigo que lhe daria fama e o colocaria em definitivo no circuito dos pesquisadores mais influentes da física quântica. Em 1937, conheceu a pianista Elisabeth Schumacher, com quem se casou depois de poucas semanas de namoro. Teriam sete filhos. Naquele momento, ele já tinha sido agraciado com o Nobel de 1932 (anunciado na verdade em 1933) e lecionava na Universidade de Leipzig fazia dez anos. Mas encontrava dificuldade em conseguir o respeito das lideranças do país — desde o início do regime jornais nazistas se referiam a ele como “judeu branco”.
“Apesar
das inúmeras propostas de prestigiadas instituições estrangeiras, ele continuou
na Alemanha, leal ao governo e fazendo tudo que o Terceiro Reich pedia.
Heisenberg tentou mitigar seus problemas apelando diretamente a Heinrich
Himmler, chefe da Schutzstaffel (a SS), o homem que construiria os campos de
concentração”.
Acontece
que as mães de Himmler e Heisenberg se conheciam havia anos. O físico se
aproveitou deste vínculo para escrever uma carta, que levou Himmler a
investigar o professor ao longo de oito meses, para então declarar: “Acredito
que Heisenberg é honesto e que não podemos nos dar ao luxo de perder ou
silenciar este homem, que é relativamente jovem e pode educar uma nova geração”.
Em busca da bomba
O
físico aderiu com entusiasmo ao projeto de desenvolvimento da bomba atômica da
Alemanha, batizado Uranverein e iniciado em 1º de setembro de 1939, o mesmo dia
do início da Segunda Guerra Mundial. Um ano antes, os físicos alemães Otto
Hahn, Fritz Strassman e Lise Meitner haviam bombardeado átomos de urânio com
nêutrons e produzido partículas de bário, liberando energia. Descobriram assim
a fissão nuclear do urânio. O desafio era ganhar escala para desenvolver uma
bomba.
Heinsenberg
correu para apresentar cálculos comprovando que uma reação em cadeia de fissão
nuclear poderia ser possível e sugerindo que as pesquisas focassem em urânio
235. Em fevereiro de 1942, apresentou a oficiais do Reich resultados
preliminares, mais teóricos do que práticos, no Instituto de Física Kaiser
Wilhelm, em Munique, posteriormente transformado na Sociedade Max Planck.
Em junho do mesmo ano, já como diretor do instituto, apresentou-se novamente, agora diante do ministro do Armamento, Albert Speer. Declarou que precisaria de uma significativa quantidade de pessoas e de dinheiro para entregar uma arma atômica, que precisaria de pelo menos três anos para ficar pronta. Naquele momento, não mais do que 70 pesquisadores trabalhavam na iniciativa, metade em meio período, enquanto o Projeto Manhattan dos americanos chegou a empregar 130 mil pessoas em tempo integral e investir o equivalente a US$ 2 bilhões, contra meros US$ 1 milhão dos nazistas. Outro problema: havia diversos institutos alemães trabalhando em frentes diferentes, como, por exemplo, na geração de eletricidade a partir da fissão nuclear. Os achados nem sempre eram compartilhados.
Enquanto
galgava postos na hierarquia acadêmica do país, Heisenberg visitou a Polônia e
a Holanda ocupadas e, especialmente, a Dinamarca, onde os alemães haviam tomado
o Instituto de Física Teórica da Universidade de Copenhague, que desde 1965 se
chama Instituto Niels Bohr. Em 1941, o físico alemão havia feito uma incursão
rápida ao instituto dinamarquês, quando ele ainda independente, onde conversou
com Bohr, seu mentor e amigo. O teor da conversa permanece objeto de polêmica.
O fato é que o projeto da bomba nazista não foi além da construção de um reator experimental. Na prática, permaneceu longe de ser finalizado, ainda que o fantasma de Heinsenberg tenha incentivado o senso de urgência dos Estados Unidos em produzir seu próprio artefato, inicialmente planejado para ser usado contra os alemães. O fracasso dos nazistas se explica, em parte, pelo fato de os esforços não terem sido organizados nas mãos de um gerente capaz de agregar diferentes linhas de pesquisa, com aconteceu nos Estados Unidos com a coordenação do general Leslie Groves e, à frente do time de pesquisas, do trabalho de gestão do físico Robert Oppenheimer — na cinebiografia recente, dirigida por Christopher Nolan, Heinsenberg é interpretado pelo ator alemão Matthias Schweighöfer.
Mas a bomba não saiu do papel também porque faltou investimento. “Uma das muitas ironias da história é que os sucessos iniciais da Alemanha na guerra levaram à sua derrota final: no começo o regime não alocou muitos recursos para oprojeto da bomba porque a guerra estava indo muito bem. Quando a maré começou a mudar, já era tarde demais — os nazistas foram derrotados antes de conseguir construir uma bomba”, resume Leonard Mlodinow.
Detenção na Inglaterra
Após a guerra, Heisenberg estava entre os dez cientistas provisoriamente detidos pelos aliados em Farm Hall, na Inglaterra, um esconderijo do serviço secreto britânico onde ficaram à vontade para conversar sobre os projetos de que participaram — havia microfones em todos os cômodos e tradutores bilíngues a postos. Em seus diálogos, em geral eles alegaram que atrasaram de propósito o avanço da bomba, e que de qualquer maneira a Alemanha não ofereceu condições para que as pesquisas avançassem.
Acabariam sendo liberados depois de longos seis meses. Permaneceram detidos entre julho de 1945 e janeiro de 1946. Neste meio tempo, os americanos lançariam suas bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. “As gravações originais se perderam, mas as transcrições documentam suas reações à derrota alemã, o desconforto em relação à detonação das bombas e ao início da era nuclear e as preocupações com suas reputações e suas famílias deixadas para trás na Alemanha devastada pela guerra”, escreve o historiador americano David C. Cassidy no livro ‘Farm Hall and the German Atomic Project of World War II’ [Farm Hall e o Projeto Atômico Alemão na Segunda Guerra Mundial]. Até o fim da vida, em 1976, Heisenberg (que inspirou o codinome do personagem fictício Walter White, da série Breaking Bad) permaneceu na Alemanha, buscando reconstruir a produção científica do país — e reabilitar sua própria reputação, algo que nunca mais conseguiu completamente.
noticia por : Gazeta do Povo