Em 17 de outubro, quando um foguete atingiu as imediações de um hospital em Gaza, as primeiras informações divulgadas pelo Hamas eram de que o ataque fora promovido por Israel, destruíra a unidade de saúde e deixara cerca de 500 mortos.
Nos dias seguintes, ficou evidente que a explosão atingiu o estacionamento do hospital e não o prédio. A Agência France Press, citando relatórios de inteligência, calculou o número de mortos em 50 em vez de 500. E surgiram claros indícios de que a explosão foi causada por um foguete dos terroristas, não um ataque de Israel.
A essa altura, entretanto, a mentira já havia sido usada para mobilizar protestos, alguns deles violentos, ao redor do mundo.
A guerra é território fértil para a propagação de inverdades. Mas o Islã, em especial, oferece uma justificativa moral para o uso estratégico do engano. A prática tem um nome próprio no árabe: taqiya.
O que é taqiya
Historicamente, o termo taqiya foi usado em dois sentidos. O primeiro é a ocultação da própria fé islâmica quando isso trouxer risco de vida. Ou seja: um fiel vivendo em um país de maioria não-muçulmana pode esconder sua identidade religiosa de forma estratégica.
O segundo é o uso da mentira como estratégia na jihad, ou guerra santa (qualquer guerra que expanda a área sob controle do Islã).
Um dos principais estudiosos do tema, o escritor Raymond Ibrahim explica que a ideia de dissimulação (com ou sem o rótulo de taqiya) vem desde a origens da religião islâmica, no século VII. “Eu diria que, no Islã, a ideia de que os fins justificam os meios é muito proeminente. Desde que você tenha um bom objetivo de acordo com o Islã, como conquistar terras para a religião ou derrotar os infiéis, existe bastante flexibilidade quanto aos métodos”, disse ele em entrevista à Gazeta do Povo.
Ibrahim diz que a prática é adotada de forma constante por organizações terroristas como o Hamas. “Para o Hamas, a verdade é apenas uma ferramenta no arsenal contra Israel. Tudo o que puder ser dito e que funcione é considerado bom o bastante”, ele explica.
O poder da comunicação moderna aumentou a utilidade da taqiya – como demonstra o caso do hospital em Gaza.
As peculiaridades filosóficas do Islamismo
Do ponto de vista filosófico, a visão muçulmana sobre a guerra se diferencia da do Cristianismo — que desenvolveu uma doutrina de “guerra justa”.
E existem três razões principais para isso.
Em primeiro lugar, está a mensagem do próprio Jesus Cristo que ensinou a dar a outra face e andar duas milhas se alguém lhe forçar a andar uma. A tradição cristã exalta os mártires que não negaram a fé mesmo sob ameaça de espada. Já no Islã, “ame os seus inimigos” não é um mandamento. E negar a fé publicamente não é um problema, desde que isto faça parte de um jogo de dissimulação para mais adiante surpreender o inimigo.
Em segundo lugar, porque o Cristianismo absorveu princípios da filosofia grega — a ponto de Friedrich Nietzsche dizer, em tom acusatório, que a religião cristã é “platonismo para o povo”. A figura fundadora da filosofia grega é a do filósofo (Sócrates) que prefere ser condenado a morte a ter de renunciar à verdade. Platão, por sua vez, escreveu que é preferível sofrer uma injustiça a cometê-la.
Em terceiro lugar, porque o Iluminismo, com sua ênfase na razão e nos direitos naturais de todos os homens, foi muito mais influente no Ocidente do que nos países muçulmanos.
O que dizem os textos sagrados
Embora estabeleça parâmetros éticos rigorosos, a doutrina islâmica trata os infiéis (não-muçulmanos) como uma categoria à parte. Por exemplo: o versículo 3:28 do Corão prega a impossiblidade de alianças com não-muçulmanos. “Que crentes não tomem descrentes para amigos, dê preferência a crentes – e quem quer que isso faça não tem qualquer ligação com Alá – a não ser que acauteladamente vos guardeis contra eles.”
Um dos principais comentaristas do Corão, Ala-Maududi escreveu sobre esse trecho que “Isso significa que é legítimo para um crente, desamparado sob as rédeas dos inimigos do Islã e em perigo iminente de sofrimento e perseguição severa, manter sua fé escondida e agir de para dar a impressão de que ele está do lado de seus inimigos”
Sami Mukaram, que foi professor de Estudos Islâmicos na Universidade Americana de Beirute, escreveu que a taqiya tem uma “importância fundamental” para o Islã, e que a prática é recorrente na política islâmica moderna.
Mas nem é preciso ir tão longe: Abu Hurairah, uma das principais fontes sobre a ida de Maomé, atribui ao próprio fundador do Islã o ensinamento de que “guerra é dissimulação.”
Maomé também ensinou a seus seguidores que a mentira é aceitável em três casos: o primeiro, quando um marido quer agradar sua mulher; o segundo, para causar a reconciliação de dois amigos que estão brigados. O terceiro é a guerra.
O uso intencional do engano como arma de guerra vai além de simplesmente enganar o inimigo sobre as táticas de combate; ele envolve a divulgação intencional de afirmações falsas para gerar situações favoráveis à vitória do Islã.
Por isso é um perigoso interpretar como sinceras as declarações públicas de grupos como o Hamas — que, ao mesmo tempo em que ordena o assassinato de mulheres e crianças, nega que tenha ordenado o assassinato de mulheres e crianças.
A falta de conhecimento sobre a taqiya também explica porque tantos progressistas no Ocidente se chocam com o que parece ser uma postura intransigente de Israel, que mantém uma presença militar em áreas da Palestina. Alguns desses progressistas acreditam que, se os israelenses cederem um pouco, haverá paz. Mas Raymond Ibrahim diz que Israel age assim porque aprendeu diretamente como funciona a taqiya. “Israel, com sua proximidade e experiência com o Islã, entende isso melhor”, diz ele.
noticia por : Gazeta do Povo