Os conservadores têm encontrado na literatura grega uma fonte rica e variada de ensinamentos morais. Alguns, como Jordan Peterson e outros de herança junguiana, são atraídos pelos mitos como uma representação dos arquétipos universais da condição humana, em que figuras como o Herói, o Mago e o Inocente encantam até o público leigo.
Outros conservadores veem na mitologia grega uma forma de preservar e transmitir os valores tradicionais que moldaram a Civilização Ocidental, percebendo suas narrativas como uma alternativa bem-vinda às histórias secularizadas da modernidade, nas quais a linguagem é muitas vezes esvaziada de significado e os valores da feminilidade e da masculinidade são desconstruídos. Além disso, há aqueles que seguem uma abordagem platônica, encontrando nos mitos gregos símbolos e alegorias que carregam consigo valiosas lições morais e ensinamentos filosóficos.
Entre os mitos mais reverenciados ao longo dos tempos destacam-se as histórias de Prometeu, Odisseu e Aquiles. Neste artigo não falarei de todos, mas apenas da saga de Aquiles e não pelas razões óbvias — seu proeza heroica — mas sim pela profundidade dos ensinamentos que carrega sobre os perigos intrínsecos à superproteção dos filhos.
Por que esta escolha? Enquanto muitos que se alinham à esquerda estão imersos na ideia de destruir a estrutura tradicional da família — e para aqueles que duvidam, basta estudar os escritos de pensadoras como Alexandra Kollontai, uma fervorosa feminista e comunista que via na abolição da família tradicional, a ser substituída por “casas comunais”, o caminho para uma sociedade mais justa, desejando o extermínio de realidades como propriedade privada e desigualdade entre homens e mulheres —, por outro lado, os conservadores mostram-se empenhados em proteger as crianças dessas ideias e distopias.
Contudo há um risco latente: essa proteção pode se tornar excessiva. Quantos não prendem seus filhos em bolhas extremamente fechadas? Eles acabam sem percebe que, assim como a total liberdade, a total proteção coloca muita coisa em risco.
Aquele que se contenta com a segurança acaba vivendo uma existência medíocre
Entendam minha linha de raciocínio a partir da história de Aquiles. Como foi seu nascimento? Tétis, sua mãe, recebeu uma profecia: seu filho teria que escolher entre duas narrativas de vida — uma medíocre e longa, ou outra, gloriosa e curta. Eis aqui o fundamento da tensão entre buscar a estabilidade e arriscar-se por grandes feitos, uma vez que ninguém alça voos grandiosos sem correr riscos substanciais, e, no entanto, aquele que se contenta com a segurança acaba vivendo uma existência medíocre.
Apesar das circunstâncias serem diferentes, o
caso de Aquiles ilustra o mesmo drama humano, ou seja, a luta entre segurança e
liberdade. Este confronto não era travado por Aquiles em si mesmo, mas sim,
como mencionamos, por sua mãe, Tétis. Ela batalhava para lhe dar a máxima
proteção, sem nunca perceber que lhe dava uma vida medíocre. Isso é simbolizado
pelo momento em que a mãe submerge a criança no Rio da Invulnerabilidade. Ali,
cada parte de seu corpo é banhada, exceto pelo calcanhar, que é mantido fora do
fluxo, onde foi preciso segurar firme para que não se afogasse. Daí surge a
famosa expressão: “O calcanhar de Aquiles”.
O calcanhar simboliza a imperfeição inerente à condição humana, a fragilidade que permeia todos os aspectos de nossa existência, inclusive a esfera da educação infantil. Psicologicamente, o excesso de estímulo em uma área tende a resultar em subestímulo em outras.
Imagine, se me permitirem, o retrato de uma mãe que identifica um carisma excepcional em seu filho. Ansiosa por garantir-lhe um futuro brilhante, mergulha na promoção da criança como um influenciador digital precoce, permitindo-lhe o uso indiscriminado de telas. Embora possa alcançar um sucesso estrondoso nas redes sociais, o preço pode ser muito alto: problemas de visão, distúrbios do sono, impactos no desenvolvimento cognitivo, ansiedade e uma sobrecarga emocional.
A perfeição em uma área deixa outra extremamente vulnerável e imperfeita
Por outro lado, se a criança mantida sob as asas superprotetoras da mãe, privada da autonomia e da oportunidade de explorar o mundo, pode ganhar uma sensação de segurança, mas ao custo da perda de autoconfiança, senso crítico e habilidades sociais. Esse é o famoso “calcanhar de Aquiles”: a impossibilidade de garantir excelência em todas as áreas da vida, pois a perfeição em uma área deixa outra extremamente vulnerável e imperfeita.
Para compreender este fenômeno no mundo adulto,
permitam-me dar outro exemplo: a tensão entre vida profissional e vida
doméstica. Se nos entregamos excessivamente ao trabalho, corremos o risco de
negligenciar os laços familiares; entretanto, se nos dedicamos inteiramente à
família, podemos descuidar de nossas responsabilidades profissionais. Assim, o
simbolismo do banho de Aquiles nas águas sagradas ganha clareza: enquanto certa
parte se torna divina, sua vulnerabilidade humana aumenta no calcanhar.
A mãe de Aquiles, mergulhada na sua determinação de proteger, não conseguiu entender isso e foi muito longe na superproteção. Contam-se histórias de que ela ergueu fortalezas em torno do filho, repletas de empregados, comidas e mulheres, numa tentativa de torná-lo um homem conformista. Quando veio a Guerra de Troia, disfarçou Aquiles de mulher, numa tática covarde para evitar sua convocação.
Contudo o destino, indomável como sempre, mostrou sua face: por mais que as mães busquem controlar o destino dos filhos, cada indivíduo adulto é senhor de suas próprias escolhas. A obrigação de obediência se extingue na maturidade, em um ambiente sadio. Se um adulto tem medo de contrariar os desejos dos pais, há um sintoma evidente de neurose (muitas vezes provocada pela mãe).
O filho é quem escolhe o seu próprio destino e deve arcar com as consequências dele. Isso é responsabilidade
Como, enfim, Aquiles cresce? Quando Odisseu persuade o herói a abandonar suas vestes femininas, simbolizando a libertação do domínio materno, e instigou-o a reconhecer que nenhuma mãe controla os destinos de seus filhos. Pensem bem: por que será que, após anos de paz, só quando Aquiles estava em idade de guerra é que surgiu o conflito? É que o filho é quem escolhe o seu próprio destino e deve arcar com as consequências dele. Isso é responsabilidade.
Portanto, a liberdade não é apenas um bônus, mas tem ônus também. Não à toa Aquiles, mesmo sendo o guerreiro mais forte, morre tragicamente. Atingido no calcanhar, exatamente onde sua mãe lhe segurou, e ainda pelo mais fraco guerreiro do exército inimigo. A sua morte ensina que, apesar da superproteção materna, o mundo sempre encontrará um ponto fraco no filho.
E eu ousaria acrescentar: talvez se a mãe não tivesse protegido seu calcanhar com tanto cuidado, permitindo-lhe arranhões e quedas cotidianas, Aquiles não teria sido tão vulnerável ali, na guerra. Ele talvez teria saberia se proteger como homem comum, sem achar que é um deus mimado. Sendo esta a lição final: não basta desejar apenas proteção; é preciso buscar força. A força é mais importante do que a segurança.
noticia por : Gazeta do Povo