Para um certo tipo paranoico — uma contingência crescente, já que a paranoia se tornou um empreendimento lucrativo — reuniões internacionais de elites são vistas como uma ameaça. Conferências exclusivas que atraem as pessoas mais ricas e poderosas do mundo são presumidas como locais onde a agenda geopolítica é definida, muitas vezes em oposição aos interesses do povo comum.
Mas o verdadeiro segredo dessas convenções não é a competência requintada com a qual conspiram para subverter a vontade do povo. O grande segredo, escondido à vista de todos, é que esses mandachuvas se tornam profundos embaraços para si mesmos nesses ambientes da mesma maneira e pelos mesmos motivos que as elites domésticas dos Estados Unidos: porque querem ser apreciados pelas pessoas certas.
Veja, por exemplo, esta exibição no Fórum Econômico Mundial (FEM) anual em Davos, Suíça, que foi anunciada como uma apresentação de caráter multicultural, mas passa a mesma sensação que estudantes tocando violão nas festinhas da faculdade:
Seria essa ornamentação multicultural vulgar o que a elite global usa como cortina de fumaça, por trás da qual executam suas grandes maquinações? Provavelmente não. Se fosse, teríamos que assumir que o mundo está prestando atenção ao que os participantes do FEM dizem. E ouvi-los é ter acesso a algumas das palavras mais facilmente ignoradas que a elite econômica global tem a oferecer.
“Eu realmente acredito que se você abrir as torneiras de gás natural em todos os lugares, você não conseguirá fechá-las novamente”, observou o presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, ao articular o desafio imposto aos intervencionistas internacionais que querem impedir o uso de energia gerada por combustíveis fósseis para o crescimento dos países em desenvolvimento. Isso não é novo. Defensores de energia verde têm pressionado o mundo em desenvolvimento a abandonar os combustíveis fósseis há décadas, apenas para serem escrupulosamente ignorados.
Claro, os países em desenvolvimento até prometem que vão adotar as demandas da opinião elitista, mas não as cumprem. Por quê? As recompensas associadas à subserviência superam os benefícios associados ao desenvolvimento econômico rápido, que só pode ser realizado com geração confiável e sob demanda de energia? Claro que não. E quais são os custos associados à recalcitrância? Nenhum, os convites para o fórum do próximo ano são praticamente garantidos.
“O desafio da política é que sabemos o que precisamos fazer”, continuou Banga. “O problema no mundo democrático é que provavelmente você não será eleito novamente se fizer isso.” Isso soa terrivelmente nefasto, mas deve ser entendido menos como uma declaração de desejo de quebrar convenções democráticas do que como uma explicação do problema enfrentado pelos reformadores radicais. Seus objetivos são rotineiramente frustrados pelo processo democrático e pelos eleitores “insensatos” que nele participam. A frustração de Banga deveria deixar contentes os críticos do FEM.
Uma breve pesquisa pelos temas sobre os quais os participantes do encontro opinam leva à conclusão inevitável de que eles estão irreparavelmente confusos com o mundo como é. “Gosto de me referir a isso como geometria variável”, disse o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, durante um diálogo com Tom Friedman, colunista do New York Times, sobre os inúmeros desafios de poder enfrentados pelos Estados Unidos no exterior. “E é isso que temos feito.” Oh, é? É isso que temos feito? Destacando a necessidade de “parcerias e cooperação globais”, que aparentemente agora devemos eufemizar em uma confusão incompreensível? Bem, chame como quiser, não está funcionando.
O cenário cada vez mais complicado no Oriente Médio e no Sul da Ásia consumiu grande parte da atenção da conferência — um foco resumido pelo título do evento “Conflito no Oriente Médio: O que vai acontecer?” A resposta a essa pergunta nunca é “neutralizar grupos terroristas e reduzir a capacidade de estados malignos de projetar poder no exterior”. Isso tornaria o evento muito curto.
O FEM serve principalmente como uma plataforma na qual os participantes demonstram sua habilidade especializada em complicar conceitos simples com palavreado polissilábico. “Para resumir”, disse o governador do Banco Central da França, “esta será provavelmente uma era de dinheiro justo, em vez de dinheiro fácil ou livre.” Isso é uma maneira sutil de dizer que as taxas de juros estão subindo para combater a inflação causada por gastos excessivos do governo. Parece mais agradável do que informar ao público que os governos gastaram demais e por causa disso agora você não terá condições de financiar um carro.
Os lugares-comuns não param por aí. “Está claro que, em algumas dimensões, o mundo se tornou cada vez mais dividido”, observou Bob Sternfels, da McKinsey & Company, “ainda assim, o barômetro mostra que, quando se olha para o quadro completo, a cooperação global tem permanecido surpreendentemente robusta ao longo da última década.” Uma análise cuidadosa dessa frase deixa os leitores desejando não ter perdido tempo com isso. “O Fórum fornece a estrutura para desenvolver pesquisas, alianças e estruturas que promovem a cooperação orientada por missões durante todo o ano”, opinou o ministro de Relações Exteriores da Noruega, Børge Brende. Isso é apenas uma maneira excessivamente complicada de dizer algo que já sabíamos: o FEM é uma oportunidade de networking.
John Harris, do site americano Politico, resumiu o estado paródico no qual o FEM mergulhou, no qual os supostamente melhores e mais brilhantes lutam para lidar com um mundo pouco cooperativo. “Não é que as observações e argumentos sejam notavelmente estúpidos, embora seja raro ouvir algo inteligente”, observou Harris.
Os participantes dessas conferências tendem a ter bastante experiência em um campo, e fóruns como o FEM os compelem a opinar e julgar eventos muito além de suas áreas profissionais, um receita para o fracasso. “Suas opiniões não são mais banais do que a de uma pessoa comum que também acompanha as notícias”, concluiu Harris, “mas geralmente não são menos.”
Abusando da generosidade, Harris acrescenta que não há “razão para criticar Davos”, mas certamente há. Se os planos dos participantes desta conferência são de alguma forma nefastos, pelo menos seus participantes são incompetentes em sua busca. Mas, na maior parte, os objetivos da conferência não são malignos. São esforços bem-intencionados para melhorar a condição dos habitantes do globo. De fato, os participantes do FEM provavelmente enfatizam suas boas intenções porque intencionalidade e pavoneamento autojustificado são as únicas duas entregas que a conferência proporciona. Isso não é uma conspiração elaborando uma grande trama. É apenas “cringe”.
Noah Rothman é é autor de ‘The rise of new puritans: Fighting Back against Progressives’ War on Fun’ [A ascensão de novos puritanos: Combatendo a Guerra contra a Diversão dos Progressistas] e ‘Unjust: Social Justice and the Unmaking of America'[Injusto: Justiça Social e a Desconstrução da América].
©2024 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês: Davos is cringe
noticia por : Gazeta do Povo