VARIEDADES

O Brasil gasta mais do que deveria com o funcionalismo

A discussão sobre o tamanho ideal do Estado tem um componente subjetivo, e está longe o dia em que esquerda e direita concordarão sobre a fatia do orçamento que deve ir para o bolso dos servidores públicos. Ainda assim, é possível avaliar a situação do Brasil nesse quesito simplesmente comparando o desempenho nacional ao de outros países. A conclusão é esta: não, o Brasil não tem funcionários públicos em excesso. E, sim, o país gasta mais do que deveria com o funcionalismo.

Um em cada oito brasileiros (aproximadamente 12% do total) trabalha para o Estado — no nível municipal, estadual ou federal. O número está abaixo da média global de 17% calculada pelo Banco Mundial.

“Quando compararmos a proporção de servidores públicos brasileiros com outros países, podemos perceber que o Brasil tem um número menor de servidores. Ter um número menor não é um problema, mas um caminho para a solução”, afirma o professor José Marilson Martins Dantas, que é especialista em finanças públicas e leciona na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da UnB (Universidade de Brasília).

Mas o número de funcionários públicos é apenas um dos indicadores — e não necessariamente o mais importante quando o assunto é a eficiência do gasto público.

Segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional), o Brasil gasta uma proporção elevada do seu PIB (Produto Interno Bruto) para manter a máquina pública. Pelos dados mais recentes, de 2021, o governo consome 35,9% de tudo o que é produzido no país. O valor está acima do praticado por Chile, Paraguai, Uruguai, Peru, Colômbia e Venezuela. Na América do Sul, apenas a Argentina, com 37,83% gasta uma proporção maior do PIB com a máquina pública do que o Brasil. Com dimensões e renda per capita comparáveis às do Brasil, o México tem um gasto significativamente menor: 27% do PIB.

Em 2020, o Brasil chegou a atingir 42,8% do PIB em despesas estatais, em parte por causa dos gastos adicionais gerados pela pandemia.

Gasto elevado e ineficiente

Em 2017, um relatório do Banco Mundial diagnosticou os principais problemas do gasto público no Brasil. A frase de abertura resume a situação: “O governo brasileiro gasta mais do que pode e, além disso, gasta mal.”

O maior desafio, de acordo com o estudo, eram os gastos com previdência (cujo déficit tem uma contribuição desproporcional dos servidores públicos). Em 2019, o Congresso aprovou uma proposta de que alivia parcialmente esse peso.

Depois da Reforma da Previdência, a medida de maior impacto proposta no relatório era a redução da disparidade salarial entre servidores públicos e os trabalhadores do setor privado.

Nas palavras dos autores do relatório, deveria haver uma “diminuição pela metade do prêmio salarial dos servidores públicos em relação ao setor privado.” Isso geraria uma economia de 0,9% do PIB até 2026.

“Embora somente 12% das despesas primárias do governo federal sejam destinadas à folha de pagamento, a massa salarial agregada do setor público em todos os níveis de governo é muito alta para padrões internacionais”, diz o documento. Ao contrário do que houve com a Previdência, o Congresso não aprovou mudanças significativas nesse aspecto da legislação.

Média salarial é maior no serviço público

O maior sinal de má aplicação dos recursos é a disparidade entre os salários no setor público e nas empresas privadas. Essa diferença recebe o nome de “prêmio” no jargão técnico. Um levantamento do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostrou que, em 2019, a remuneração média de um funcionário da União era de R$ 10,3 mil, ante R$ 5,2 mil do nível estadual e R$ 3 mil no nível municipal. No mesmo ano, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o salário médio do brasileiro foi de R$ 2.975.

Esse problema persiste mesmo quando se consideram funções similares, que exigem um grau de escolaridade parecido. Por exemplo: o cargo de coordenador jurídico paga mais de R$ 30.000 no governo e menos de R$ 10.000 no setor privado, em média. “O prêmio salarial dos servidores públicos federais brasileiros é atípico para padrões internacionais, e o prêmio salarial dos servidores estaduais encontra-se entre os mais altos do mundo”, afirma o relatório do Banco Mundial sobre o tema. O problema é tão sério que tem consequências diretas sobre a desigualdade no país.

Pior: os números do Banco Mundial mostram um aumento dessa disparidade nas duas últimas décadas no Brasil. Como um possível remédio, a entidade sugere uma redução gradual de salários a partir dos novos ingressantes no serviço público (já que, pela Constituição, não pode haver redução no salário de servidores empossados no cargo).

O professor Dantas pondera que parte do problema tem a ver com os baixos salários pagos por empresas privadas. “O salário básico do setor privado brasileiro é baixo pela falta de crescimento econômico. O Brasil vem ao longo de décadas crescendo muito aquém do crescimento alcançados como os países em desenvolvimento, e o resultado é um mercado privado que tem uma remuneração baixa”, diz ele.

Os números gerais, entretanto, mostram que outros países com renda modesta conseguem aplicar os recursos de forma mais eficiente que o Brasil. Um estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) publicado em 2020 concluiu — assim como o FMI — que o Brasil tem o segundo maior gasto público da América Latina.

No mesmo ano, uma nota técnica da CNI (Confederação Nacional da Indústria) também atestou o alto custo do funcionalismo público no Brasil — apesar de o número de funcionários não estar acima da média: “O Brasil não tem um número muito elevado de servidores públicos em proporção da população ou do total de trabalhadores; contudo, as despesas totais com esses trabalhadores (ativos e inativos) são elevadas e representam percentual do PIB próximo, ou até superior, ao de países ricos e reconhecidos pelo tamanho grande do Estado”, diz o documento. O relatório também mostrou que, no Legislativo, o salário médio de alguém com ensino superior era de R$ 27,4 mil em 2019.

Um estudo elaborado pelo Instituto Millenium, um think tank de tendência liberal, chegou a conclusões parecidas a respeito do peso do funcionalismo. O levantamento acrescenta um argumento importante sobre o alto salário dos servidores: eles já entram no cago ganhando um valor alto e, salvo exceções, têm poucas perspectivas de receber acréscimos por desempenho ou mérito. Ou seja: o incentivo a uma boa performance é quase zero. “Ao ter um salário inicial elevado, o setor púbico federal promove incentivos incorretos em termos de eficiência, tanto por permitir que funcionários sem tanta experiência de mercado tenham prêmios salariais altos, quanto por não ter um crescimento significativo para os salários finais”, aponta o levantamento.

O relatório também calcula o impacto da disparidade salarial entre servidores públicos e trabalhadores do setor privado: se os 30 cargos mais numerosos do serviço público recebessem um valor equivalente ao que se paga pela mesma função em empresas privadas, o Estado brasileiro economizaria cerca de R$ 15 bilhões por mês.

Mudanças lentas

As despesas obrigatórias, somadas a gatilhos de aumentos salariais, deixam o governo com pouca margem para reduzir despesas. Segundo o relatório do Banco Mundial, aproximadamente 92% das despesas do governo federal são obrigatórias. Mais uma vez, na comparação com vizinhos, o Brasil aparece numa situação pior: o índice é de 65% no Chile, 82% no México e 84% na Colômbia.

Essa falta de flexibilidade na aplicação dos recursos se reflete na baixa efetividade do governo. O índice que mede a eficácia governamental, compilado pelo Banco Mundial, dá ao Brasil uma nota de -0,46, numa escala de -2,5 a 2,5. O desempenho está abaixo de países da América Latina como Chile (0,63), Peru (0,26), Colômbia (-0,05) e México (-0,31) — e também nações com renda menos elevada, como Botsuana (0,35) e Índia (0,02).

Ainda assim, se souberem aproveitar oportunidades, os gestores públicos brasileiros podem promover um salto de produtividade sem que seja preciso mudar a lei. O progresso tecnológico, a expansão do trabalho remoto e, mais recentemente, o avanço da inteligência artificial têm mudado o mercado de trabalho.

Assim como os cargos de ascensorista foram gradualmente extintos dos órgãos públicos, algo semelhante pode acontecer com outras funções. Além disso, novas ferramentas podem aumentar a produtividade dos funcionários e, assim, reduzir a necessidade de novas contratações. O quanto isso vai afetar as despesas com o funcionalismo depende da capacidade do Estado brasileiro de se ajustar à nova realidade.

“O aumento da digitalização das atividades do setor público vai aumentar a eficiência e diminuir a necessidade de servidores para exercer algumas profissões que não serão mais tão relevantes ou necessárias para o exercício das atividades do setor público”, prevê o professor Dantas. Resta saber com qual velocidade o serviço público brasileiro vai se adaptar ao novo cenário.

noticia por : Gazeta do Povo

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