VARIEDADES

Movida pelo feminismo: a louca história da australiana do break dance na Olimpíadas

Não é preciso ser especialista em break dance para notar as limitações de Rachel Gunn, que se apresenta com o apelido de Raygun. Aos 36 anos de idade, ela competiu três vezes durante as Olimpíadas de Paris e perdeu todas pelo placar máximo.

Boa parte dos movimentos apresentados por Raygun durante as apresentações são os que se esperaria de uma mulher de 35 anos que pratica o break dance por diversão aos fins de semana. Raygun imitou um canguru. Deitou-se de lado no chão enquanto girava em círculos. Puxou a perna direita (ainda deitada de lado), num movimento parecido com o de um alongamento antes de um jogo de vôlei.

Os vídeos de suas performances se espalharam rapidamente pelas redes sociais e foram motivo de piada.

Na modalidade olímpica de break dance, os competidores se apresentam em duelos (chamados de “batalhas”) diretos com um adversário. São duas rodadas em cada disputa. Em cada rodada, nove juízes indicam quem, na sua avaliação, foi o melhor competidor. Raygun competiu contra três rivais — portanto, foram seis rodadas e 54 avaliações de juízes. Todas as 54 deram vantagem para as adversárias dela.

A carreira acadêmica de Dra. Raygun

Rachel Gunn é uma mulher com duas carreiras. Além de dançarina, ela é professora na Universidade Macquarie, em seu país natal. Raygun tem um doutorado em Estudos Culturais e um bacharelado em música contemporânea, ambos por Macquarie, que aparece em rankings internacionais entre as 200 melhores do mundo.

E o break dance feminino é o principal objeto de estudo dela. Mais especificamente, ela tem interesse sobre o reflexo das normas de gênero sobre a prática do break dance.

Na plataforma Google Scholar, que cataloga a produção acadêmica mundo afora, o artigo mais influente da doutora Rachel Gunn (com 15 citações) exibe um estilo familiar de quem está pronto para uma vaga de docente no Departamento de Antropologia da USP: “‘Não se preocupe, é apenas uma garota!’ Negociando e desafiando as presunções de gênero na cena de break dance de Sidney”.

O trabalho é uma “autoetnografia” na qual ela analisa como “o potencial é culturalmente regulado” na cena de break dance de Sidney. Em outras palavras, ela conta a própria experiência atuando como uma mulher break dancer.

Outros artigos de autoria dela têm uma abordagem semelhante. Um deles recebeu o título de “Rearticulando as normas de gênero por meio do break dance”.

Rachel Gunn já afirmou que pretende questionar os critérios do que vem a ser uma apresentação bem-sucedida de break dance — um universo que, segundo ela, está permeado pelo machismo.

Raygun não era estreante

É preciso ser justo com Raygun: por mais que não pareça, a participação nas Olimpíadas não foi a primeira experiência dela em um evento de grande porte. 

A atleta olímpica também competiu no Campeonato Mundial em 2021, 2022 e 2023 como representante da Austrália. Os resultados foram parecidos.

Na primeira participação, Rachel Gunn terminou em 42º lugar entre 78 competidoras. Em 2022, ela foi a 73ª de 114. Em 2023, ficou em 64º lugar numa competição com 80 mulheres. Nas três ocasiões, ela ficou à frente das outras australianas presentes no mundial.

Controvérsia sobre seleção

A história de Raygun seria apenas um capítulo curioso das Olimpíadas não fosse por um detalhe: há suspeitas de que a competidora australiana tenha manipulado o processo de seleção para representar seu país nos jogos.

Uma petição pedindo que ela se desculpasse angariou 40 mil assinaturas depois de ser tirada do ar sob alegação de que ela continha informações falsas. A página alegava que Rachel havia usado sua influência no (restrito) mundo do break dance australiano para conquistar o lugar nas Olimpíadas.

O Comitê Olímpico Australiano divulgou nesta quarta (14) um comunicado assegurando que o processo de seleção para representar o país na competição de break dance nas Olimpíadas foi “transparente e independente”. A entidade também afirmou que o evento de qualificação, em outubro do ano passado, teve a participação de juízes da Federação Mundial de Esportes de Dança (WDSF)

A australiana do break dance responde

Nesta quinta (15), Raygun se manifestou pela primeira vez depois de sua participação nas Olimpíadas.

Em um vídeo divulgado na sua página do Instagram, Raygun disse ter sido alvo de ataques infundados. Ela agradeceu os apoiadores e disse ter recebido mensagens de ódio. “Estou feliz de ter trazido alguma alegria para a vida de vocês. É isso que eu esperava. Eu não percebi que isso também abriria as portas para tanto ódio, o que francamente é devastador”, afirmou a competidora, que disse ter dado o “máximo” durante as Olimpíadas.

O break dance foi incluído nas Olimpíadas de Paris como um teste, mas não estará presente nos jogos de 2028, em Los Angeles.

Rachel Gunn terá bastante tempo para se dedicar a um novo artigo autoetnográfico.

noticia por : Gazeta do Povo

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