Uma decisão do ministro Alexandre de Moraes (STF) no Inquérito das Milícias Digitais, na qual decretava a prisão preventiva do jornalista Allan dos Santos, foi citada pelo juiz George Leão de Omena, da 12ª Vara Criminal de Maceió (AL), como exemplo jurisprudencial ao fundamentar a prisão preventiva de uma jornalista alagoana.
A decisão de primeira instância teve como base vídeos publicados no canal de YouTube da jornalista Maria Aparecida de Oliveira, nos quais proferia acusações contra uma juíza atuante na mesma comarca, entre as quais a de que receberia propinas e faria negociações em nome de empresas; afirmava se basear em relatos de fontes anônimas. Também criticava outras decisões da juíza e indagava se também seriam fruto de propina.
Atendendo a uma queixa-crime por calúnia, difamação e injúria, o juiz, além de decretar a prisão preventiva da jornalista (cumprida na sexta-feira (21), segundo a imprensa local), determinou a quebra do sigilo telemático dos seus celulares e computadores, a serem obtidos em operação de busca e apreensão em sua residência. O principal objetivo da medida, segundo o magistrado, era identificar eventuais outros envolvidos, presumivelmente as fontes da jornalista. As medidas tinham sido pedidas pela juíza alvo dos vídeos, enquanto autora da queixa-crime. O Ministério Público, ouvido, se disse de acordo com os pedidos.
A lei brasileira estabelece que todos os que contribuírem para o cometimento de um crime incidem nas penas previstas, na medida da sua culpabilidade; no entanto, a Constituição assegura o sigilo da fonte, que veda o uso de medidas coercitivas para que seja revelada a identidade de eventuais informantes do jornalista.
A inspiração nos inquéritos do STF
Como parte da fundamentação da prisão preventiva, o juiz transcreveu trecho de uma decisão de 5 de outubro de 2021 do ministro Alexandre de Moraes, no qual o ministro afirmava ser necessária a prisão preventiva do jornalista Allan dos Santos, que se encontrava nos Estados Unidos, porque continuava “a incorrer nas mesmas condutas investigadas, ou seja, permanece a divulgar conteúdo criminoso, por meio de redes sociais, com o objetivo de atacar integrantes de instituições públicas”.
Segundo o juiz da 12ª Vara Criminal de Maceió, as considerações do ministro do STF “tranquilamente poderiam servir ao presente processo”, afirmando existirem 59 processos na comarca contra a jornalista, repreendendo o fato de que, “mesmo após as sentenças, ofende a boa reputação da Magistrada”. Também ecoando as palavras do ministro do STF, enfatizou ao longo da sentença o fato de as lesões contra a honra terem se dado, “na imensa maioria dos casos, contra autoridades públicas – Delegados, Juízes, Desembargadores, Promotores, Prefeitos, Deputados, Senadores, Policiais Militares”. Comentou: “A impressão é de que o Poder Judiciário é incapaz de frenar sua vontade de macular a imagem das autoridades e das repartições públicas”.
Após citar o ministro Alexandre de Moraes, o juiz pareceu referenciar uma mudança de jurisprudência, mais restritiva da liberdade de expressão: “Na atual conjuntura paradigmática e institucional em que se encontra o Brasil, não é responsável que a liberdade de expressão seja entendida como a possibilidade de se proferirem discursos odiosos.”
Não é a primeira vez que os inquéritos do STF, abertos de ofício para a persecução penal dos seus críticos, são citados como exemplo pelas instâncias inferiores. Em 2021, o STJ citou explicitamente o Inquérito das Fake News no STF, e o fato de o plenário do tribunal ter aprovado a sua constitucionalidade, para instaurar de ofício seu próprio inquérito análogo, destinado a investigar procuradores da Lava-Jato por supostamente atuarem para intimidar ministros do tribunal com investigações.
Os advogados de defesa da jornalista publicaram uma nota na qual classificam a prisão de Maria Aparecida de Oliveira como “ilegal”. E acrescentam: “Repudia-se uma prisão, antes de um julgamento, a uma idosa de 73 anos, fragilizando a sua saúde física e a deixando vulnerável a eventuais ataques promovidos dentro do cárcere e patrocinado para além dos seus muros.” A nota também afirma que “o caso será levado ao Judiciário, no seu grau máximo, para restituir a liberdade e cobrar medidas de reparação.”
O artigo 138 do Código Penal Brasileiro estipula uma pena de seis meses a dois anos de prisão, além de multa, pelo crime de calúnia. Sobre isso, a nota da defesa afirma que “a prisão se apresenta em uma evidente ofensa às hipóteses bastante restritas que possibilitam um decreto preventivo, notadamente por se tratar de crimes de menor potencial ofensivo, sem violência ou grave ameaça e quando há diversas medidas alternativas/cautelares a uma prisão antecipada.”
Hugo Freitas Reis é mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais