A fertilidade é um assunto delicado. Principalmente porque é uma realidade muito pessoal, envolvendo muitos fatores que são, em sua maioria — se não totalmente — privados. No entanto, ter filhos é uma microdecisão que tem um grande impacto em nível macro, pois a soma total dessas decisões afeta a estrutura de toda uma sociedade. E, atualmente, os números de nascimentos de crianças são motivo de muita reflexão. Por exemplo, essa situação requer uma maior intervenção estatal ou uma mudança cultural pessoal?
Estamos enfrentando uma grande crise climática; por isso, não tenha filhos. Não esqueça de sua responsabilidade com o meio ambiente, os filhos poluem e, além disso, já há muitos seres humanos neste planeta. Mas tenha em mente que estamos diante de um colapso demográfico, com sociedades cada vez mais envelhecidas. Por isso, tenha filhos. Muitos. O futuro da espécie humana está em suas mãos — e em seu ventre.
Embora possa parecer uma paródia, essas são — de forma simplificada — as mensagens que chegam à população, seja por redes sociais, relatórios, meios de comunicação ou através de algum famoso iluminado que acredita ter descoberto a panaceia para as diversas crises globais que assolam o planeta. Essas mensagens alarmistas — além de contraditórias entre si — só conseguem causar estresse e gerar ansiedade no receptor, como alerta o último relatório do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Seja como for, a realidade é que dois terços da população vivem em lugares onde a taxa de fertilidade está abaixo do nível de reposição de 2,1 filhos por mulher.
Isso não é um inverno…
“Em vez de ‘inverno’, eu o chamaria de ‘inferno’ demográfico”, disse Eugenia Roccella, ministra da Família, Natalidade e Igualdade de Oportunidades da Itália, em uma Comissão do Senado no início do ano. “Todos nós conhecemos os números”.
Começando pela Itália, sua taxa de fertilidade em 2021 foi de 1,25 nascimento por mulher. A da Espanha é 1,19. E completando o pódio dos países europeus com o menor número de nascimentos por mulher está Malta, com 1,13. O título de países desenvolvidos com a taxa mais baixa é da Coreia do Sul, com 0,81 em 2021; em 1992, essa taxa era de 1,76. Considerando a tendência semelhante de países como China (1,16), Japão (1,3), Canadá (1,43) ou Alemanha (1,58), podemos dizer que esse fenômeno está se consolidando tanto nas principais potências ocidentais quanto nas asiáticas.
Da mesma forma, é estranho falar desses números — números tão privados e pessoais — de forma abstrata, como se fossem apenas números com vírgulas e decimais. Como se estivéssemos falando da média de produção de microchips ou das vendas de bicicletas por habitante, e não de algo tão concreto e importante quanto o nascimento de um ser humano.
A fertilidade é complicada. É privada, mas também é global. E considerando os números mencionados, é inevitável que sua taxa se torne uma marca a ser alcançada pelos governos; o número de ouro a aspirar para garantir um futuro próspero para a nação.
Um futuro envelhecido
“Dinheiro para bebês”. Foi assim que o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, prometeu em seu discurso de política geral em janeiro deste ano, “medidas sem precedentes para combater a queda da natalidade”. Poucos dias antes, o governo anunciou que, em 2022, os nascimentos estavam abaixo de 800.000, algo inédito desde 1899, quando as estatísticas sobre o assunto começaram a ser registradas. A França, o país europeu com a maior taxa de fertilidade — 1,84 — também se aproxima das cifras do Japão, com 723.000 nascimentos em 2022, a mais baixa desde 1946.
“Estamos prestes a não poder sustentar o funcionamento da sociedade”, alertou Kishida. Os problemas apresentados pelo envelhecimento generalizado vão além do esvaziamento do fundo de pensões. O funcionamento a que Kishida se refere depende da mão de obra — que está começando a escassear — mas também de áreas urbanas com indústrias prósperas e da inovação que a juventude traz para o mercado de trabalho por meio do desenvolvimento de iniciativas. No entanto, à medida que mais pessoas se aposentam e menos ingressam no mundo profissional, o equilíbrio começa a se inclinar para o colapso.
A magnitude do problema — e a intuição de suas possíveis consequências — também fica evidente na mudança da política natalista da China, que passou a instituir a conhecida “política do filho único” em 1982 — ampliada em 2015 para dois filhos — para reconsiderá-la em 2021 devido aos problemas causados pela escassez de crianças. Primeiro, o limite foi ampliado para três filhos e, alguns meses depois, todas as restrições foram eliminadas, e a população foi incentivada a ter muitos filhos. Sem aparente sucesso, pois a taxa de natalidade continua em queda livre.
Eu te digo quantos filhos ter
O exemplo chinês é um dos muitos que refletem como a fertilidade — sua abundância e escassez — tem sido utilizada há décadas como uma das muitas ferramentas do arsenal político para melhorar o prognóstico econômico do país e atualmente até mesmo atribuir identidades ideológicas a ela. Se você é a favor de medidas que incentivem a natalidade e a família, é considerado de direita, senão, de extrema-direita. Se você defende a liberdade das mulheres para decidir se querem ser mães ou não, é considerado de esquerda. No entanto, de acordo com essa lógica, mais da metade do mundo deveria ser conservadora hoje, porque nos últimos anos tem havido um esforço generalizado para implementar medidas que favoreçam a natalidade e evitem a crise previsível que se aproxima.
Hungria e Escandinávia estão liderando o caminho com medidas como assistência infantil subsidiada, moradia acessível e licença parental ampliada. A China está elaborando sua iniciativa de natalidade mais abrangente até o momento: 17 ministérios do governo emitiram conjuntamente em 2022 diretrizes gerais para incentivar a fertilidade e apoiar a maternidade social, financeira e culturalmente, buscando criar um “ambiente amigável” para as famílias. Uma das iniciativas inclui mapear dados sobre jovens solteiros e até desenvolver aplicativos governamentais semelhantes ao Tinder em algumas cidades para promover o namoro e, assim, incentivar o nascimento de filhos.
O Japão também está seguindo essa linha e iniciou um serviço de namoro patrocinado pelo governo. Os japoneses o chamam de “konkatsu”, ou “caça ao casamento”. Eles também estão considerando um sistema de cupons para famílias com crianças menores de dois anos, para pagar por produtos e serviços relacionados à educação. Por sua vez, a Rússia optou por recompensar as mães numerosas, reintroduzindo o prêmio Mãe Heroína da era de Stalin, com uma dotação equivalente a US$ 16 mil (R$ 75 mil na cotação atual) para aquelas que têm dez filhos ou mais.
Entre as propostas mais criticadas está a de tributar os que não têm filhos, proposta pelo demógrafo Paul Morland em seu artigo de opinião no jornal britânico Sunday Times, “Deveríamos Tributar os Sem Filhos?” “Pode parecer injusto para aqueles que não podem ou não querem ter filhos, mas implica reconhecer que todos dependemos que haja uma próxima geração e que todos devemos contribuir para o custo de criar essa geração”, escreveu. Como era de se esperar, essa proposta não foi bem recebida nas redes sociais e a revista Glamour a descreveu até mesmo como algo “que gera raiva”. Além disso, ninguém assume a responsabilidade pela paternidade apenas para obter benefícios fiscais menores, e se esse for o caso, pode-se questionar sua capacidade de desempenho nas tarefas parentais.
Esforços inúteis?
Sabe-se que países que implementaram subsídios substanciais para o nascimento e criação de filhos tiveram sucesso limitado. Nos últimos anos, Singapura tentou oferecer subsídios em dinheiro para novos pais, habitação pública para casais jovens, subsídios pré-escolares e tratamentos de fertilidade e reprodução assistida, mas sua taxa de fertilidade continua baixa, pouco acima de 1.
Dito isso, ainda é cedo para avaliar o impacto das medidas adotadas pelos governos, mas não há indícios de que sejam suficientes para reverter a tendência atual. Principalmente porque as frequentes reformas e reversões nas políticas familiares tornam-nas imprevisíveis e pouco confiáveis. A roda política não segue o mesmo ciclo demográfico e, portanto, não olha a longo prazo. Não é rentável em termos eleitorais. Além disso, mesmo que tenham sucesso, as políticas implementadas hoje não terão um impacto significativo até a próxima geração: o aumento dos nascimentos só se manifestará como aumento de trabalhadores em algumas décadas.
Da mesma forma, são tentativas necessárias que requerem constância, porque a realidade é que, de acordo com as pesquisas do Instituto Nacional de Estatística espanhol, três em cada quatro mulheres desejam ter pelo menos dois filhos, e o principal obstáculo são as dificuldades econômicas.
No entanto, não se deve perder de vista que as medidas empreendidas pelos governos — as soluções materialistas — não são a única abordagem. Existem outros fatores que entram em jogo, como empresas privadas e suas possibilidades de conciliação, ou o impacto que ter um filho terá no futuro profissional. Um relatório do Banco da Espanha de 2020 advertiu que a renda das mulheres cai 11% no primeiro ano após o nascimento de um filho; dez anos depois, “nossa estimativa da penalização a longo prazo para as mulheres por terem um filho é de 28% de queda de renda”. Para os homens, a variação nos rendimentos era mínima devido à paternidade.
Também é importante levar em conta a predisposição individual, porque se o dinheiro é o principal obstáculo, o que aconteceria se ganhassem na loteria?
Falta dinheiro… e algo mais
Grandes transferências aleatórias de riqueza são uma boa maneira de comprovar a explicação materialista da baixa natalidade. Um estudo realizado entre jogadores de loteria na Suécia e publicado em março passado descobriu que os homens que ganhavam na loteria tinham muito mais chances de se casar do que os perdedores da loteria com características demográficas semelhantes, além de terem mais filhos. Porém, quando as mulheres ganhavam na loteria, a única grande mudança em seu comportamento era o divórcio: as taxas de divórcio das mulheres quase dobravam nos primeiros anos após a vitória, sem aparente efeito na fertilidade. No entanto, como acontece com qualquer comportamento humano, a explicação não é tão simples.
De acordo com os autores do estudo, os ganhos na loteria impulsionaram o casamento masculino e a fecundidade, não porque os homens tivessem um maior desejo de se casar e ter uma família, mas porque as mulheres suecas tinham mais probabilidade de se casar e ter filhos com homens que tinham maior poder aquisitivo. Ou seja, o efeito nos homens dependia tanto do comportamento das mulheres quanto do próprio comportamento deles. Além disso, em relação à tendência das mulheres, o estudo esclarece que o dinheiro simplesmente acelerava divórcios inevitáveis em vez de separar casais que de outra forma teriam permanecido juntos a longo prazo.
No entanto, algumas das conclusões a que chegam os autores — cujos resultados são semelhantes aos de outro estudo realizado nos Estados Unidos pelo National Bureau of Economic Research [Departamento Nacional de Pesquisa Econômica] — podem ser interessantes para reorientar as medidas públicas.
Uma delas é evitar pensar na política familiar como um assunto exclusivamente relacionado às mulheres: não se consegue aumentar a natalidade sem a participação dos homens. Somente as políticas que deixam espaço para que ambos, homens e mulheres, decidam priorizar a criação dos filhos podem apoiar uma maior fecundidade nas sociedades industrializadas.
Outro aspecto destacado é o do casamento, que de fato responde a incentivos materiais. Eliminar os obstáculos e ajudar os jovens a se casar mais cedo pode contribuir para aumentar a taxa de natalidade de forma sustentável. Em vez de se concentrar exclusivamente em medidas “pronatalistas”, é importante realizar mais investimentos em “pronupcialismo”.
De acordo com um relatório publicado por pesquisadores do Institute for Family Studies [Instituto para Estudos Familiares] e do Instituto Wheatley da Universidade Brigham Young, o casamento é um bom indicador de nascimentos, especialmente para os homens, embora esse efeito também possa estar relacionado ao fato de que cada vez mais pessoas se casam precisamente para ter um filho: primeiro vem a decisão de ter um filho e depois, com a decisão tomada, vem o casamento.
A esperança, o eixo principal
Da mesma forma, como explicou Noriko Hama, professora de economia da Universidade Doshisha de Kyoto, ao jornal francês Le Monde, é inútil “dar dinheiro a casais jovens e esperar que tenham mais filhos. O problema é que os japoneses não estão satisfeitos com o ambiente em que terão que criar um filho. Enquanto esse ambiente não melhorar, a natalidade não se recuperará”.
Esse descontentamento pode ser generalizado para o resto dos países, porque o que parece sobrar atualmente é desesperança. Nos EUA, um em cada seis americanos foi diagnosticado com depressão, de acordo com um relatório da Gallup de maio de 2023, e 44% dos adolescentes — os futuros pais — se sentem sem esperança. Também na Grã-Bretanha, a desesperança está ganhando espaço, mas não é uma desesperança em relação à política, mas sim à impossibilidade da vida cotidiana, como aponta John Harris no jornal The Guardian.
E se há algo necessário para ter um filho, é justamente isso: confiança no futuro. Esperança. Por isso, o quebra-cabeça da fertilidade deve se transformar em um mecanismo em que condições de vida favoráveis, proporcionadas tanto por medidas estatais como por empregadores, levem a uma visão positiva do futuro, mas respeitando a liberdade individual.
Ter filhos pode ser considerado uma das maiores demonstrações de esperança no ambiente, porque implica afirmar que a vida, como a vivemos, merece ser vivida. Com os números que nos cercam atualmente, talvez seja necessário repensar essa maravilhosa vida moderna em que estamos imersos.
©2023 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: El rompecabezas de la fecundidad
noticia por : Gazeta do Povo