Era uma regra quase universal dentro do cristianismo do Ocidente: geralmente, as mulheres frequentavam cultos e missas com mais frequência do que os homens. Mas há sinais de que, pelo menos nos Estados Unidos, essa regra está se invertendo.
Os dados são do Cooperative Election Study, e foram compilados por Ryan Burge, professor da Eastern Illinois University: na geração nascida depois de 1980, mais de 30% das mulheres não frequentam um templo religioso. Entre os homens, o percentual está pouco acima dos 25%. Mais surpreendente que a diferença é o fato de que essa tendência é recente. Até 2016, ainda havia mais homens do que mulheres sem religião em todas as deixas etárias.
O grupo das pessoas nascidas desde 1980 inclui os millennials e a chamada Geração Z.
Que fique claro: os dados não mostram que os homens estão indo à igreja com mais frequência do que no passado. Em todos os grupos, os americanos estão ficando menos religiosos. A novidade é que as mulheres estão parando de ir à igreja com mais velocidade que os homens.
E as diferenças políticas têm muito a ver com isso. “Nós costumávamos acreditar que as pessoas votam com base na perspectiva religiosa, mas pesquisas recentes têm mostrado que as pessoas escolhem suas igrejas com base nas suas visões políticas”, diz Burge, que conversou com a Gazeta do Povo.
Politização pode explicar fenômeno
Ryan Burge sabe do que está falando: doutor em Ciência Política, ele foi pastor de uma igreja batista até o início deste ano. Agora, além de professor, ele é pesquisador da Faith Counts, uma organização que estuda o perfil demográfico da religião nos Estados Unidos.
Ele afirma que, em outra métrica de religiosidade — a autoidentificação como alguém religioso — a tendência é parecida. Entre os millennials, a diferença entre homens e mulheres desapareceu. Entre os jovens da Geração Z, os homens são mais religiosos que as mulheres.
Embora seja difícil identificar com precisão a origem deste fenômeno, ele se correlaciona com outra tendência recente: a distância ideológica crescente entre homens e mulheres jovens.
Pesquisas recentes mostram que nenhum grupo é tão alinhado com as ideias de esquerda quanto o das mulheres jovens e solteiras.
“Com o movimento #MeToo, parece que há uma nova onda de feminismo, e elas enxergam as instituições religiosas como um dos fatores que impedem o progresso das mulheres”, diz ele.
Ele menciona como exemplo o tema da liderança religiosa feminina. Grande parte das igrejas cristãs não permite sacerdotes mulheres. No passado, boa parte das mulheres não via nisso um problema. Agora, a ideia de que apenas homens possam ser padres ou pastores soa inaceitável para algumas. “Elas querem ter acesso total à liderança; e, se não puderem, elas simplesmente vão embora”, diz Burge, em referência às novas feministas. Em grande parte, essas mulheres não estão buscando igrejas mais liberais. Elas estão simplesmente deixando de ir à igreja.
Ele inclui outros itens na lista de divergência entre as igrejas e as mulheres mais jovens. O aborto é um dos principais.
“Elas estão deixando a religião por causa da visão política delas, e não deixando de lado a sua visão política por causa da religião”, analisa Burge.
No Brasil, mulheres vão mais à igreja
A tendência americana parece não se refletir no Brasil.
De acordo com os pesquisadores da World Values Survey, que conduzem entrevistas regularmente ao redor do mundo, 17,3% dos homens brasileiros iam à igreja pelo menos uma vez por semana em 2006. O número passou para 16,8% em 2014 e 15,7% em 2018. Entre as mulheres, os índices eram de 25,9%, 27,8% e 26,2%, respectivamente.
O percentual de homens que afirmaram “nunca ou quase nunca” ir à igreja foi de 6,9% em 2006, 10,7% em 2014 e 11,7% em 2014. Os números são menores entre as mulheres: 4,7% em 2006, 5,1% em 2014 e 6,5% em 2018.
Um levantamento feito pelo Datafolha em 2022 confirmou essa tendência: 33% das mulheres disseram frequentar um templo religioso pelo menos uma vez por semana, contra 26% dos homens.
As diferenças políticas entre homens e mulheres, entretanto, são evidentes. Segundo um levantamento feito pelo Datafolha em 2022, 55% das mulheres brasileiras se dizem de esquerda ou centro-esquerda. Entre os homens, o índice foi de 42%.
O fim da coexistência entre esquerda e direita
Nos Estados Unidos, a diferença de religiosidade entre republicanos e democratas tem implicações políticas importantes e é parte de um movimento mais amplo: cada vez mais, os americanos convivem apenas com pessoas que possuem uma visão política semelhante.
No passado, por mais que discordassem em suas opiniões sobre o governo, essas pessoas de partidos diferentes dividiam espaço regularmente nos bancos das igrejas.
Conforme o Partido Democrata se moveu para a esquerda em temas como o aborto e o movimento gay, as pessoas mais liberais foram se afastando das igrejas tradicionais, que consequentemente passaram a ser compostas majoritariamente por conservadores.
Embora algumas igrejas americanas estejam do lado progressista do espectro político, elas representam uma proporção pequena — e cada vez menor — das congregações dos Estados Unidos.
“No passado, tínhamos igrejas de esquerda e de direita, igrejas liberais, moderadas e conservadoras. No futuro, o que teremos é um grande número de igrejas conservadoras de um lado e muitas pessoas não-religiosas de esquerda do outro”, diz Burge.
A polarização também é geográfica. O pesquisador conta que, em 2000, sua pequena cidade no interior de Illinois se dividiu praticamente meio a meio entre George Bush e Al Gore. Na última eleição, quase três quartos dos eleitores votaram em Donald Trump. Ao mesmo tempo, boa parte das grandes cidades se tornaram feudos do Partido Democrata.
Burge enxerga tempos turbulentos à frente. “Navegar a nossa democracia vai se tornar cada vez mais difícil”, diz.
noticia por : Gazeta do Povo