Em julgamento concluído em 8 de abril, o STF julgou inconstitucional a interpretação de que as Forças Armadas constituam Poder Moderador no Brasil (ADI 6.457).
A tese de Poder Moderador tinha chegado a ser indiretamente mencionada em 11 de novembro de 2022 pelos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica em nota pública, divulgada no contexto de manifestações que ocorriam no Brasil às portas de quartéis, pedindo intervenção militar. A nota respondia às manifestações indicando o Poder Legislativo como destinatário adequado das reivindicações em vez dos quartéis, mas era prefaciada com uma descrição das Forças Armadas como “sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história”.
Em seu voto na ADI 6.457, o ministro Flávio Dino, em quebra de protocolo, sugeriu que a decisão do STF fosse enviada ao Ministério da Defesa para ser difundida em todas as organizações militares, inclusive escolas de formação. O objetivo, segundo o ministro, era fazer frente a “desinformações que alcançaram alguns membros das Forças Armadas”.
O que é o Poder Moderador
O Poder Moderador foi uma figura idealizada pelo filósofo francês Benjamin Constant (1767-1830), representando um ente não-eleito pelo povo — originalmente, o rei — que permaneceria inativo a maior parte do tempo, e só interviria quando necessário. Seria, nas palavras de Constant, “ao mesmo tempo superior e intermediário” aos outros poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário): intermediário porque atuaria para resolver conflitos que surgissem entre eles (de onde vem o nome “moderador”), e superior porque agiria para corrigir a atuação de um deles, quando estivesse desempenhando mal as suas funções.
O Poder Moderador chegou a existir oficialmente no Brasil entre 1824 e 1889, quando era atribuído ao imperador. Desde então, nunca mais apareceu em constituições brasileiras.
No entanto, o ministro Dias Toffoli, em seu voto na ação recente julgada em 8 de abril, defendeu que o Poder Moderador das Forças Armadas teria de fato existido no Brasil na prática, apesar do texto das constituições, entre 1889 e 1988. Segundo o ministro do STF, esse poder teria sido exercido “de forma irregular e anômala” no período, começando já com a proclamação da República em 1889, fruto de um golpe militar.
No entanto, o ministro afirma que esse ciclo teria se encerrado com a Constituição de 1988, que é a atual. Portanto, votou contra a tese de poder moderador das Forças Armadas.
Poder Moderador do STF?
A ausência de previsão de “Poder Moderador” na Constituição não tem impedido que essa prerrogativa seja reivindicada para órgãos atuais da República. Além dos comandantes militares, alguns dos mesmos ministros do STF que votaram contra a tese de poder moderador das Forças Armadas já reivindicaram, no passado recente, esse poder para o seu próprio órgão, o STF.
É o caso do ministro Alexandre de Moraes, que no julgamento recente, chamou a tese, no caso das Forças Armadas, de “pífia, absurda e antidemocrática interpretação golpista”. No entanto, em 31 de março do ano passado, em palestra na Fundação FHC, defendeu a tese de que o STF deteria o Poder Moderador no Brasil.
O ministro Dias Toffoli é outro defensor da tese. Em 2021, citou a atuação do STF para reverter opções políticas do governo federal como exemplo de que o STF exerceria o Poder Moderador. No ano anterior, tinha defendido concepção ainda mais ampliativa sobre o papel do tribunal ao descrevê-lo, metaforicamente, como “editor de um país inteiro” em matéria de liberdade de expressão, no contexto do Inquérito das Fake News.
O próprio ministro, em seu voto na ADI, disse que o frequente uso de Poder Moderador (na sua concepção) pelas Forças Armadas na história do Brasil teria ocorrido “por usurpação de competência ou omissão de outros agentes estatais responsáveis por mediar crises no país”.
Assim, qualquer um que se preocupe com a estabilidade institucional do Brasil precisa se ocupar também com a raiz do problema, afirmada pelo ministro. É necessário que a sociedade brasileira se pergunte por que estariam ocorrendo “crises” tão frequentes entre os poderes na nossa história e, em particular, precisa se atentar para a “usurpação de competência”, que seria receita para essas crises.
Um passo importante nesse sentido foi dado pelo STF com a ADI 6.457, delimitando o correto papel institucional das Forças Armadas, a quem a Constituição jamais atribuiu “Poder Moderador”. O passo seguinte deve ser estender esse exame para os outros órgãos da República, a quem esse poder tampouco foi atribuído. No entanto, ao contrário do que foi feito para as Forças Armadas, ainda não se tem notícia de ações constitucionais nesse sentido.
Hugo Freitas Reis é mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
noticia por : Gazeta do Povo