O site petista Brasil 247 é a principal fonte de
propaganda russa no Brasil e o portal UOL é o veículo de comunicação mais
interessado em ouvir o embaixador russo. As conclusões, apresentadas em um
relatório publicado na semana passada (29), são do Laboratório de Pesquisa
Forense Digital (DFRLab, na sigla em inglês), afiliado ao Atlantic Council,
um think tank de relações internacionais fundado em 1961 com sede em
Washington, capital dos EUA.
O documento trata de toda a América Latina e é parte de um
relatório maior intitulado “Enfraquecendo a Ucrânia: como a Rússia ampliou sua
guerra informacional global em 2023”. As fontes diretas de propaganda na região,
contudo, são a RT (Russia Today) e o site Sputnik, que pertencem
ao governo russo. O uso de veículos de comunicação regionais são para dar uma
legitimidade local. Além disso, diz o relatório, “o Kremlin se beneficia de jornalistas
e influenciadores que, embora não sejam afiliados oficialmente à imprensa
russa, servem como disseminadores de propaganda pró-Rússia”.
A guerra na Ucrânia, desde a invasão de Vladimir Putin em 2022, foi o tema dominante no Brasil em declarações e artigos de opinião dos russos. Por 176 vezes, a narrativa do mandatário de que estava fazendo uma “desnazificação” no país menor foi repetida na imprensa brasileira por representantes do governo russo durante o ano de 2023. Comparativamente, outros assuntos foram cobertos apenas em 70 declarações. Entre os nove países sul-americanos de língua espanhola considerados, o assunto dominou também no Chile e na Argentina — na última, a desculpa da desnazificação e a caracterização da Ucrânia como “Estado nazista” foi repetida em 17 de 66 declarações. A Guerra das Malvinas também foi usada como propaganda antiocidental, bem como o fornecimento de vacina Sputnik V contra a Covid-19 para os argentinos.
Na ditadura bolivariana da Venezuela, os russos preferiram
falar de “mundo multipolar” e do bloco BRICS. Como em Cuba, na ditadura
sandinista da Nicarágua seu tema favorito foi a ajuda dada pela Rússia ao
ditador, além de “imperialismo americano” e sanções. Na Bolívia, o assunto
principal foi o lítio. No México, o Kremlin insistiu principalmente em acusar
os Estados Unidos de ameaçar a paz mundial e a OTAN de incentivar a agressão
ucraniana. Na Colômbia, o foco foi a neutralidade do governo e reclamações
sobre viés político na imprensa.
Detalhando a estratégia de propaganda russa na América Latina
Nos dez primeiros meses de 2023, o embaixador russo no
Brasil, Alexey Labetskiy, recebeu menções em 176 peças jornalísticas e artigos.
O DFRLab menciona uma entrevista no jornal O Globo, em setembro daquele
ano, quando o embaixador acusou a Ucrânia de neonazismo e defendeu que o Brasil
ocupasse uma cadeira como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações
Unidas.
Estratégia similar foi usada por Sergei Koshkin, embaixador
russo no Chile, que teve muito espaço no site de esquerda Crónica Digital para
dizer que a imprensa internacional publica “fake news” sobre a guerra e acusar
a Ucrânia de ser autora de crimes de guerra em Mariupol e Bucha. Em abril de
2022, centenas de civis foram vítimas de execução sumária em Bucha, que fica a
37 km de Kiev. Na época, o prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, relatou que os
corpos foram encontrados após a retirada das tropas russas e “tinham as mãos
amarradas às costas”.
O prefeito de Bucha, Anatoly Fedoruk, disse que as ruas
estavam repletas de cadáveres, incluindo “crianças, mulheres, avós, homens”. A
Rússia negou a autoria do massacre, alegou que as fotos e vídeos publicadas por
Kiev eram uma “provocação”, e jornalistas que denunciaram a atrocidade, como a
escritora russo-americana Maria
Alexandrovna Gessen, receberam mandados de prisão no país. Líderes
ocidentais culparam Moscou.
O diário mexicano de esquerda La Jornada também serve
de espaço para a versão russa da guerra na Ucrânia, que o Kremlin prefere
chamar de “operação militar especial” para supostamente proteger de extermínio
a população falante do idioma russo em regiões como o Donbass e extirpar o
nazismo do país invadido. O embaixador russo Nikolay Sofinskiy insiste que seu
país estava “reagindo à imposição de uma colônia controlada por Washington”.
Um dos poucos embaixadores russos satisfeitos foi Nikolay
Tavdumadze, na Colômbia, que foi só elogios à posição “equilibrada” do
presidente Gustavo Petro, que se recusou a doar equipamento militar para a
Ucrânia. No entanto, Tavdumadze ainda reclama de viés político contra seu país
na imprensa, enquanto teve espaço para publicar opinião no maior jornal do
país, El Tiempo.
No Equador, o embaixador Vladimir Sprinchan foi um pouco
mais discreto, mas fez questão de declarar que a posição do ex-presidente
Guillermo Lasso, de condenar a Rússia pela invasão, prejudicou o agronegócio no
país.
Sputnik Brasil tem site registrado em nome de terceiro
O principal instrumento de propaganda russa no Brasil,
segundo o DFRLab, foi o site Sputnik Brasil. Após ter fechado seu
escritório no país em março de 2023, com demissão de 20 jornalistas — provável
resultado de sanções no uso do sistema SWIFT para pagamentos — e ter sido alvo
de supostos ataques cibernéticos, o veículo mudou de endereço, passando para um
domínio de propriedade da empresa “Boreal Comunicação Ltda.”, com sede no Rio
de Janeiro.
A empresa registrou junto à Receita Federal como principal
atividade econômica a “consultoria em publicidade”, em vez de comunicação ou
jornalismo. O responsável é Yuri Alexandre Ribeiro, que já foi sócio de um
restaurante e curiosamente também tem uma empresa de pesca marítima chamada
“Boreal Pescados Ltda.” A Gazeta do Povo conversou com Ribeiro e ele
explicou que não produz o conteúdo do Sputnik Brasil, apenas dá suporte
administrativo. Ele relatou que fala russo porque seus pais, brasileiros, foram
perseguidos políticos da Ditadura Militar e o levaram para a Rússia, onde ele
aprendeu o idioma na infância. Quando foi contatado para abrir o site, “nem
sabia de quem se tratava”. Ele também presta serviço para ucranianos e
cazaquistaneses. Os russos também utilizam sua empresa de pesca, “estão
pleiteando uma licença para pescar usando uma tecnologia diferente” nos mares
brasileiros. “Não sou pescador nem capitão de navio”, explica Yuri.
A reportagem falou com Andrey Ulinkin, diretor da filial do Sputnik
Brasil. Ele disse que não cabe a ele responder por que motivo o novo
domínio do site foi registrado em nome da Boreal Comunicação.
Segundo o Atlantic Council, a filial brasileira do
veículo de comunicação estatal russo dá foco principal a exaltar as capacidades
militares do país oriental e retratar as forças ucranianas como incompetentes
para combate. Setenta e oito artigos foram dedicados à possibilidade de a
Ucrânia perder financiamento americano e da União Europeia para o conflito.
O texto que mais repercutiu em 2023 destacava a indecisão do
Ocidente em apoiar o país invadido, além do problema interno de corrupção sob o
governo de Volodymyr Zelensky. O título era “‘Jovens estão servindo de carne de
canhão’: especialista vê corrosão do apoio ocidental à Ucrânia”. O termo “bucha
de canhão” também foi usado por um ex-membro do Grupo Wagner, milícia usada por
Putin na guerra, a respeito de como se sentiu tratado com seus colegas pelo
governo russo. O grupo, cujo
nome vem diretamente da ideologia neonazista de ao menos um de seus fundadores
(Wagner era o compositor favorito de Hitler), recrutou presidiários russos para
lutar no front, com muitas baixas. O líder da milícia, Yevgeny Prigozhin,
terminou morto em
uma queda de avião em agosto de 2023, meses após denunciar membros do
Kremlin e avançar
com tanques em direção a Moscou.
Veículos brasileiros replicam conteúdo de imprensa estatal russa
O Sputnik Brasil não age sozinho na propaganda russa, denuncia o think tank americano. Seu principal parceiro é o site petista Brasil 247, que reposta seus artigos e é o ator local mais ávido por colher declarações do Kremlin. O DFRLab estima a audiência do site em 9,7 milhões de visitantes mensais. Sozinho, o Brasil 247 fez no ano passado mais de 43% da reprodução de conteúdo do Sputnik. Em escala menor, também cita como reprodutores de conteúdo oficial russo MSN Brasil, O Cafézinho, ISTOÉ, Brasil de Fato, Correio Braziliense, BOL Notícias (do UOL), CNN Brasil, G1 e Folha de S. Paulo.
Além de jornalistas alinhados com o Partido dos Trabalhadores no Brasil, o Kremlin também conta com a simpatia, na Espanha, do Canal Red e do site Diario Red, ambos de um conglomerado fundado por Pablo Iglesias, ex-vice-presidente do país e ex-líder do partido de esquerda Podemos. O conglomerado também tem conexão com o magnata da televisão Jaume Roures, que apoia a esquerda na Espanha e a ditadura comunista de Cuba. O conteúdo em língua espanhola é exportado para a América Latina.
O outro lado
A Gazeta do Povo procurou todos os veículos de
comunicação em operação no Brasil citados pelo relatório. O site O Cafézinho
indicou um editorial próprio de resposta ao think tank no qual o
acusa de “abordagem desonesta” que “tenta criminalizar o livre exercício de
opinião do jornalismo”. O site também disse que “apesar da nossa linha
editorial ser claramente progressista, não podemos deixar que nossos leitores
fiquem presos em bolhas de narrativas”.
O site Investing.com disse que divulga “sem juízo de
valor os dois lados de qualquer fato” e esclareceu que as menções a “Sputnik” e
“Ucrânia” vêm na maior parte de “legendas de imagens ou menções no texto de
conteúdo republicado de uma agência internacional parceira”.
Os outros veículos não responderam a tempo do fechamento da
reportagem, mas terão suas declarações adicionadas posteriormente, caso respondam.
noticia por : Gazeta do Povo