Neste livro, o atual diretor da tradicional Academia Francesa traça um panorama que analisa a o histórico de várias potências mundiais e os conflitos que moldaram o cenário contemporâneo. Com especial destaque para quatro países: Rússia, China, Japão e Estados Unidos.
No recorte a seguir, o autor explica, de forma sintética e eficiente, as transformações que levaram os russos a adotar as ideias de Marx e Lenin — e por que elas estavam fadadas ao fracasso.
À medida que o país começava a se industrializar, mais tardiamente e de forma mais lenta que seus rivais ocidentais, os russos se impacientavam.
Seduzidos pelas ideias vindas da França, da Inglaterra ou da Alemanha e frustrados por não poderem experimentá-las em sua própria sociedade, que consideravam despótica e atrasada, eles cultivavam com audácia, fervor e devoção, mas muitas vezes também com cegueira, várias utopias revolucionárias.
Muito antes da ascensão dos comunistas, a imagem da Rússia no Ocidente já estava associada à insurreição “dezembrista” do príncipe Trubetskoy, aos escritos anarquistas de Bakunin e Kropotkin, bem como ao terrorismo dos Narodniki.
Essa agitação política e social foi acompanhada de uma abundância cultural de notável fecundidade. Em poucas décadas, a Rússia deu origem a um dos grandes momentos da literatura mundial, com escritores como Púchkin, Gógol, Tolstói, Dostoiévski, Tchékhov ou Turguêniev, bem como a uma grande tradição musical, representada por Tchaikovsky, Mussorgsky ou Rimsky-Korsakov.
Havia também cientistas renomados, como o químico Mendeleev ou o fisiologista Pavlov. Em muitos campos, o país florescia rapidamente, sem que seus líderes conseguissem acompanhar sua metamorfose.
O último czar, Nicolau II, influenciável e inexperiente, acabou se desacreditando após uma série de decisões impulsivas e incoerentes. Além disso, a hemofilia que afligia seu jovem herdeiro, o czarevich Alexei, e a pesada presença do inquietante curandeiro Rasputin no Palácio Imperial aumentaram a sensação de iminente fim de reinado.
Se a guerra contra o Japão foi o catalisador da Revolução de 1905, a Primeira Guerra Mundial, conduzida com a mesma incompetência, serviria de cenário para a Revolução de 1917.
Esta ocorreu em duas etapas: um levante popular no final de fevereiro – início de março, de acordo com o calendário gregoriano –, que levou à renúncia do monarca e à formação de um governo de coalizão; depois, no final de outubro – início de novembro –, um audacioso golpe contra o Palácio de Inverno em Petrogrado, atual São Petersburgo, que levou os bolcheviques ao poder.
Eles anunciaram imediatamente que a Rússia se retiraria do conflito global, o que provocou a fúria de seus principais aliados, França, Inglaterra e Estados Unidos.
Lênin e seus camaradas precisaram enfrentar uma guerra civil, levantes militares, intervenções armadas estrangeiras, um colapso econômico e grandes fomes. Eles levariam cinco anos para se estabelecer firmemente no poder.
O antigo império dos czares, logo renomeado “União das Repúblicas Socialistas Soviéticas”, agora reivindicaria o marxismoleninismo, doutrina composta na qual o primeiro elemento representava o fundamento teórico e o segundo o “guia de implementação”, por assim dizer.
Karl Marx estava convencido de que o socialismo se imporia de maneira inevitável quando o proletariado, especialmente o das grandes nações industriais como Alemanha ou Inglaterra, estivesse suficientemente fortalecido para estabelecê-lo; enquanto o militante russo considerava absurdo esperar que o proletariado russo crescesse e se organizasse, ou que os trabalhadores da Europa Ocidental se sublevassem primeiro.
O voluntarismo leninista teria, sobre o destino do comunismo, um efeito estimulante e amplificador, mas também perverso.
A ideia de que um pequeno grupo de ativistas determinados, doutrinados e bem organizados poderia tomar o poder em qualquer país, independentemente do estágio de desenvolvimento da sociedade, permitiu que o movimento se espalhasse rapidamente pelo mundo.
No entanto, essa visão das coisas favoreceu o surgimento de regimes autoritários, que governavam em nome dos trabalhadores sem consultar a opinião deles e que constantemente pendiam para a arbitrariedade burocrática e para a repressão.
Essa fraqueza original do poder soviético nunca pôde ser superada e acabou causando sua ruína.
noticia por : Gazeta do Povo