VARIEDADES

Como funciona o Mounjaro, que promete ser ainda mais eficaz que o Ozempic

O laboratório Eli Lilly do Brasil teve aprovado pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) seu medicamento Mounjaro
(tirzepatida) no dia 25 de setembro. O medicamento promete ser mais eficaz para
controlar obesidade e diabetes que seu concorrente Ozempic (semaglutida),
aprovado em 2018, que virou uma sensação como método de perder peso, inclusive
por razões estéticas. A obesidade é a doença crônica mais prevalente do mundo,
afetando cerca de 650 milhões de adultos.

“Essa nova classe de medicamentos constitui uma revolução no
tratamento da obesidade”, diz o endocrinologista Antonio Roberto Chacra, do
Hospital Sírio Libanês, à Gazeta do Povo. “O Mounjaro vem como uma
medicação um pouco superior ao Ozempic, mas é difícil dizer na prática como vai
funcionar a comparação”. Para Chacra, o preço exorbitante das drogas merece o
nome “toxicidade financeira”, já que, além de serem caros, exigem uso contínuo.

Na opinião dele, os medicamentos não devem ser usados para fins puramente estéticos, mas de saúde, em que os efeitos estéticos são apenas um bônus, não o alvo principal. Ele discorda da liberação do Ozempic pela Anvisa para uso sem receita médica, condição que deve estar presente no caso do Mounjaro, por se tratarem de remédios injetáveis e novos. As injeções podem vir a substituir a cirurgia bariátrica, mas isso deve ser decidido caso a caso, explica.

O preço mínimo do Ozempic encontrado pela reportagem foi de
R$ 833,00 por caixa com doses para um mês. Um alerta: o mercado já está cheio
de fraudes que alegam ter “efeito natural” da droga, às vezes imitando o nome
da marca. O Mounjaro ainda não aparece nas buscas de drogarias brasileiras, mas
deverá ter um preço mais salgado, pois é vendido pelo equivalente a R$ 5 mil
por mês nos Estados Unidos.

Como funcionam Mounjaro e Ozempic

Ambos os medicamentos imitam a ação de hormônios liberados pelos
intestinos após a ingestão de alimentos que produzem uma sensação de saciedade.
A diferença é que, enquanto o Ozempic imita um hormônio (GLP-1), o Mounjaro
imita dois (GLP-1 e GIP). A eficácia do Mounjaro foi demonstrada em um estudo
publicado em julho de 2022 na revista médica The New England Journal of
Medicine
, que envolveu mais de 2500 pessoas com peso médio de 105 kg.
Depois de 72 semanas de tratamento, as que estavam no grupo que tomou o remédio
perderam uma média de 15% a 21% desse peso, a depender da dose. Em comparação,
as que não tomaram (grupo placebo) perderam apenas 3%.

Quanto ao concorrente, um estudo de 2021
com o Ozempic em população similar, na mesma revista, demonstrou perda de 15%
em média após 68 semanas, a obtida com a menor dose de Mounjaro. Essa medida de
perda de peso foi confirmada com um estudo de longo
prazo — 104 semanas — publicado na Nature Medicine em 2022. Ambos os
medicamentos são administrados com uma injeção semanal, e a recomendação é que
dieta e exercícios sejam feitos concomitantemente. Os efeitos colaterais mais
comuns são náusea, diarreia, dor de barriga e prisão de ventre.

O tempo de acompanhamento é importante para entender a
eficácia, pois uma tendência dos pacientes a longo prazo que não mudam seus
hábitos é de voltar a ganhar parte substancial do peso. Um estudo
publicado ano passado na revista Diabetes, Obesity & Metabolism
observou que 120 semanas após parar o tratamento com Ozempic, os participantes
reganhavam 67% do peso perdido. Ainda é um resultado bastante positivo, principalmente
comparado a outros métodos de perda de peso.

Segurança da droga

Pela similaridade das drogas, é possível inferir o perfil de
segurança do Mounjaro, ainda sob investigação, do padrão já bem estabelecido
para o Ozempic, estudado há mais tempo. Para a dra. Gláucia Carneiro,
professora de endocrinologia e chefe do grupo de obesidade da Unifesp, “os
estudos clínicos demonstraram um perfil de tolerabilidade e segurança
consistente” com a classe geral dessas drogas.

O estudo da Nature Medicine, que avaliou a segurança
da semaglutida acompanhando participantes por dois anos,observou que os
eventos adversos gastrointestinais são “na maior parte brandos a moderados”. Enquanto
5,9% dos participantes abandonaram o estudo relatando eventos adversos, a
quantidade foi comparável a 4,6% dos que desistiram de tomar o placebo (uma
substância inerte) pelo mesmo motivo. Como o placebo não pode causar esses
eventos, isso demonstra que o remédio é bastante seguro.

Náusea, diarreia, vômito ou intestino preso foram relatados mais
no grupo que tomou o medicamento do que no grupo que tomou o placebo, mas a diferença
não é dramática e esses efeitos foram em geral transitórios e brandos. Não
houve caso de inflamação do pâncreas, órgão presumivelmente afetado pelos
mecanismos de ação. O evento mais sério observado foram doenças de vesícula e tumores
malignos. Porém, enquanto os problemas de vesícula ocorreram mais no grupo que
tomou Ozempic, câncer foi mais comum no grupo placebo. A principal limitação do
estudo foi o número reduzido de pessoas participantes: 152 no grupo de
tratamento e 152 no grupo placebo.

Efeitos surpreendentes sobre os viciados

Carneiro informa que há um efeito interessante dessas
drogas: “Alguns pacientes em uso do medicamento relatam perda do interesse em
comportamentos viciantes e compulsivos, como consumir bebidas alcoólicas,
fumar, fazer compras, roer as unhas e beliscar a pele”. É como se a saciedade dada
pelos hormônios produzidos pelo sistema digestivo, imitados pelos medicamentos,
fosse uma saciedade geral, não limitada à alimentação.

A especialista acredita que esses efeitos, ainda a serem
confirmados, têm a ver com o sistema da dopamina e de recompensa no cérebro.
“Os estudos são preliminares e mais comprovação científica é necessária”, ela
esclarece.  Sua opinião a respeito da
aplicação estética é que, por causa da segurança dos medicamentos, “em breve
deverá estar aprovado para auxiliar no tratamento dos indivíduos com obesidade
e sem diabetes também no Brasil”.

Carneiro concorda com Chacra: “realmente revolucionou o
tratamento da obesidade, que é uma doença crônica e deve ser tratada como tal”.
A endocrinologista disse que a perda de peso basal dos participantes
não-diabéticos em um estudo específico foi de 22,1%, “resultado jamais
alcançado com nenhum tratamento existente até o momento”. Para obesidade mais
grave, e para pacientes que não reagem bem ao Mounjaro, ela acredita que a
cirurgia bariátrica continuará sendo um tratamento importante e que não é
mutuamente excludente, pois os medicamentos dessa classe podem ajudar um
operado a manter a peso baixo. “Os tratamentos serão sinérgicos”, resume.

“A obesidade constitui uma pandemia”, afirma Chacra, “mas o sistema de saúde tem prioridade em outras moléstias, não poderá arcar com os custos” dos medicamentos. Ele acredita que mulheres que queiram engravidar e estejam em idade reprodutiva devem evitar Ozempic e Mounjaro, pela falta de testes específicos de segurança nelas e o efeito contrário ao natural para o apetite das gestantes.

noticia por : Gazeta do Povo

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