Oito décadas depois de sumir do mapa, o integralismo pode fazer seu retorno à política brasileira em um lugar improvável: a Câmara de Vereadores de Teresópolis (RJ).
A cidade na serra fluminense tem 165 mil habitantes e vai eleger 19 vereadores em outubro. Um dos 375 concorrentes é Felippe Chaves. Candidato pelo PL, ele defende as ideias de Plínio Salgado, que foi acusado (injustamente, dizem os integralistas) de se inspirar no fascismo italiano para criar a Ação Integralista Brasileira (AIB), em 1932.
E Chaves não é um candidato qualquer: ele comanda a página Fúria & Tradição, que tem quase 900 mil seguidores no Instagram e se descreve como a “primeira comunidade de masculinidade” do país. Lá, ele publica reflexões que exaltam os papéis tradicionais do homem e da mulher e têm um potencial elevado de gerar controvérsia. “Homens são provedores e as mulheres devem ser gratas a isso”, ele escreveu, em julho. “Homem não carrega bolsa de mulher”, ele publicou, em janeiro.
A mulher dele, Vanessa, também produz conteúdo no Instagram e mantém uma página onde dá dicas de feminilidade.
Chaves concedeu uma entrevista à Gazeta do Povo.
As ideias do candidato integralista
Felippe Chaves (44 anos, pardo, ensino médio completo, sem bens a declarar) ganha a vida como influenciador digital.
À reportagem, ele disse se considerar, “orgulhosamente”, um “legatário dessa tradição intelectual inaugurada no Brasil por Plínio Salgado”.
Chaves rejeita a associação com o fascismo e diz que o integralismo brasileiro é uma versão aprimorada de correntes doutrinárias que emergiram na Europa na segunda metade do século 19. Em grande medida, essas correntes foram influenciadas pela Doutrina Social da Igreja Católica (que, por sua vez, tentava articular uma resposta às ideias socialistas).
Uma das diferenças entre o integralismo brasileiro e o europeu é o fato de que, ao contrário dos seus contrapartes da Europa, os integralistas brasileiros não exigiam um regime monarquista e tampouco defendiam a exclusividade da Igreja Católica em matérias espirituais (embora exaltassem a moralidade cristã).
“O integralismo brasileiro é uma versão dos integralismos europeus, porém tropical, mais tardia e melhor adaptada às nossas necessidades”, afirma Chaves.
Mas, pelo menos no quesito estético, as semelhanças entre o integralismo do Brasil e o fascismo são evidentes.
O que foi o integralismo
No Brasil, as ideias integralistas se consolidaram na Ação Integralista Brasileira (AIB), fundada por Plínio Salgado em 1932. Em 1937, com o Estado Novo, o regime de Getúlio Vargas determinou que a organização fosse extinta. Apesar da curta duração, a AIB deixou herdeiros intelectuais até hoje.
Quando a AIB surgiu, o Partido Fascista de Benito Mussolini já governava a Itália havia sete anos e o Partido Nazista da Alemanha tinha 12 anos de existência. A comparação foi imediata.
No aspecto externo, os integralistas brasileiros tinham muito em comum com o fascismo italiano: a AIB promovia desfiles públicos nos quais seus militantes, com uniformes no estilo militar, exaltavam a ordem, a disciplina, e o nacionalismo. “Precisamos de hierarquia, de disciplina, sem o que só haverá desordem”, diz o manifesto fundador do movimento integralista brasileiro, redigido por Plínio Salgado.
O fato de os integralistas ostentarem um símbolo próprio (a letra grega sigma) e terem a própria saudação (o “anauê”) contribuiu para as comparações com os movimentos autoritários europeus.
Outro ponto em comum com o fascismo era a oposição diametral ao comunismo.
Mas, ao contrário do fascismo e do nazismo, o integralismo brasileiro não dava ênfase às diferenças raciais. Além disso, os integralistas viam o município como parte central do poder político. “Os municípios devem ser autônomos em tudo o que respeita a seus interesses peculiares, porque o município é uma reunião de moradores que aspiram ao bem-estar e ao progresso locais”, diz o manifesto original do integralismo.
Candidato rejeita associação com o fascismo
Felippe Chaves assegura que os integralistas brasileiros não copiaram as ideias fascistas. “Na verdade, é o exato oposto. É Mussolini quem se inspira nas ideias integralistas, conservadoras e ultranacionalistas de Charles Maurras e do integralismo francês, para fundar as bases teóricas do fascismo italiano”, ele diz.
Segundo Chaves, as similaridades entre o integralismo e o fascismo são superficiais e se limitam “à esfera da estética paramilitar, em moda nos anos 30, o uso do fardamento e da saudação romana”.
Ele acrescenta que, em 1946, o próprio Plínio Salgado proibiu o uso de fardas e da saudação romana por serem “anacrônicos e politicamente contraproducentes”.
Apesar de seu alcance reduzido, o integralismo continuou a existir no Brasil mesmo depois da Segunda Guerra Mundial e do triunfo da democracia liberal.
Um vereador integralista em Teresópolis
O que faz um vereador integralista?
Felippe Chaves afirma que, dentre as suas prioridades, estão o combate à doutrinação marxista nas escolas, o incentivo ao patriotismo, e o aumento da presença da religião em atos públicos.
Em suas redes sociais, ele também promete atuar pelo “fomento da memória dos heróis nacionais” e pelo “ensino e resgate dos valores femininos e da real feminilidade”.
Entretanto, Chaves diz que não quer usar a Câmara Municipal como plataforma para difundir as ideias integralistas.
“Eu não estou sendo candidato para promover o Integralismo. Eu estou sendo candidato porque me acho o mais bem preparado a representar a minha comunidade e isso se deve, em boa parte, ao peso do ideário integralista na minha formação intelectual”, afirma ele, que também promete “gerar um círculo de atividades culturais que exaltem a nacionalidade”.
Um integralista no Partido Liberal
O integralismo brasileiro se identifica como uma corrente da chamada Terceira Posição – nem de esquerda, nem de direita. Para os integralistas, as ideias liberais são equivocadas porque colocam o indivíduo acima da identidade nacional. Por isso, pode soar contraditório que Felippe Chaves esteja filiado ao PL (Partido Liberal).
Ele reconhece isso. “Existe uma contradição relativa que eu precisei superar por conta do que, às vezes, é chamado de realpolitik”, afirma.
Segundo Chaves, dentro das opções disponíveis, a sigla que escolheu está bem posicionada para se contrapor à influência marxista: “Eu vejo no Partido Liberal de hoje uma ferramenta política importante de combate a essas estruturas marxistas de dominação e foi isso o que pesou mais na minha decisão de me filiar ao PL”, justifica.
Na internet, é possível encontrar organizações integralistas ativas ainda hoje. Uma delas é a “Frente Integralista Brasileira”, fundada em 2004.
Chaves afirma se comunicar com “bastante gente de todo o Brasil que se identifica com a causa integralista”, mas diz que não faz parte de uma qualquer organização formal. “Eu opto por me dedicar mais à minha família e ao meu desenvolvimento intelectual”, diz ele.
Mas, mesmo que não queira manter uma ligação formal com grupos integralistas, Chaves pode se tornar em breve a figura pública mais visível do diminuto movimento integralista brasileiro.
noticia por : Gazeta do Povo