Ontem (15), o governo Lula aumentou a gasolina. Dezesseis porcento. Mas, como esse é o governo do amor, tenho certeza de que os jornalistas de economia encontrarão uma desculpa a contento. Digo, assim que voltar a luz. Porque também ontem o Brasil viveu um apagão que, em outros tempos, seria o assunto do dia, do mês, do ano. Não fosse a briga familiar que a atriz Larissa Manoela revelou ao Brasil no domingo (13). Sim, em pleno dia dos pais!
Não se fala em outra coisa. Até meu barbeiro, sempre dado a discutir política e heavy metal (não necessariamente nessa ordem), estava interessado no caso que ouviu no ônibus. Larissa Manoela, atriz que interpretou Maria Joaquina numa versão recente da novela mexicana “Carrossel”, está brigando na Justiça com os pais. O motivo é dinheiro. Dezoito milhões de dinheiros.
Os sites de fofoca por aí estão chafurdando nesse lamaçal de mesquinharias, mas sei que você não assina a Gazeta do Povo para ler, aqui, o que poderia ler na coluna do Léo Dias. Por isso antes do intertítulo vou dizer que há na história da menina (que até ontem eu achava que era funkeira, veja só!) algo de mais profundo e preocupante do que apenas o destino da fortuna familiar. “Fortuna familiar” – que ironia, hein?!
Dinheiro, poder e fama
Há, por exemplo, o fenômeno recente, coisa de cem anos, de crianças e adolescentes que deixaram para trás uma vida de privações (absolutas ou relativas) e se tornaram milionários. Antes do cinema, isso não existia. Ricas eram apenas as crianças que já nasciam na riqueza ou que a herdavam dos pais. No caso das estrelas-mirins, de Shirley Temple a Larissa Manoela (uau!), há ainda o poder e a responsabilidade atreladas à fama, um fardo que insistimos em confundir com dádiva.
Que criança está preparada para lidar com essas três coisas? E antes que você responda “nenhuma”, me adianto para ressaltar uma exceção a essa regra. Alguém que parece ter escapado apenas com ferimentos leves desse atropelamento existencial que pode ser o sucesso precoce: Sandy. A filha do Xororó que, apesar de já ter nascido em berço de ouro, muito cedo ficou ainda mais rica. Mas que, cercada pelos cuidados da mãe (e Sandy era ridicularizada por isso), não parece ter perdido totalmente o prumo.
Materialismo impregnado
Outro aspecto infelizmente interessante do quiproquó entre Larissa Manoela e os pais é a crença persistente na fama e no dinheiro como um grande atalho para a felicidade. Tanto da criança quanto dos pais. Apesar dos inúmeros exemplos que o cinema e futebol nos deram nas últimas décadas, ainda tem muita gente investindo a própria alma, quando não a alma dos filhos, no sonho sem propósito real de enriquecer e ser famoso a ponto de não conseguir tomar um café na padaria.
Esse, por sinal, é o aspecto que mais chama a atenção das pessoas, de acordo com o Instituto DataVozesDaMinhaCabeça. Simplesmente porque o materialismo se impregnou na alma das pessoas e elas não conseguem conceber que Larissa Manoela possa ser rica, famosa, bonita – e ao mesmo tempo infeliz. Profundamente infeliz. Uma infelicidade que tem origem na perda dos valores paternais e filiais. Aqueles que, teoricamente, nos foram repassados por tradição.
Honra teu pai e tua mãe
“Honra teu pai e tua mãe”, por exemplo, não consta dos Dez Mandamentos por acaso. É que é antinatural essa inversão, causada pelo dinheiro e fama, das relações hierárquicas dentro da família. É antinatural que uma criança seja responsável pelo sustento da casa. É antinatural que os pais instrumentalizem o filho (no caso, a filha), se aproveitando do talento dele. Assim como é antinatural que, por essa condição de provedor, a criança exerça algum tipo de poder sobre os pais.
E aqui entra mais um aspecto deplorável dessa história: a naturalidade com que Larissa Manoela transformou a rixa familiar, ou melhor, a dissolução da família num espetáculo. Com direito a entrevista no “Fantástico” e tudo. (A ponto de até você, que nunca tinha ouvido falar de Larissa Manoela, trocar as notícias sobre o aumento da gasolina ou sobre o apagão por este texto). Um espetáculo que, me ocorre agora num insuportável ataque de cinismo, à moça rende frutos. Afinal, para uma menina cheia de privilégios de classe e de cor, talvez a ausência do amor familiar seja a única vitimização ainda permitida.
noticia por : Gazeta do Povo