Converso com um e é Pablo Marçal. Com outro, Pablo Marçal também. Do qual se fala sempre em tons empolgadamente elogiosos. Ora o cara é gênio, ora é inteligentíssimo, precisa ver! Aliás, se o Bolsonaro tivesse sido inteligente como Marçal… — sugere o amigo, suspirando de um amor político como nunca tinha visto antes. Minto, tinha visto já em 2018. O fato é que, ao meu redor, todo mundo está fascinado com Pablo Marçal. E eu me sinto estranho.
Jornalistas estão fascinados e até políticos de oposição estão fascinados. Lulistas e bolsonaristas. Católicos estão fascinados e evangélicos idem. Há rico muito fascinado e pobre muitíssimo fascinado e classe média não menos fascinado. Otários e malandros estão unidos nesse mesmo fascínio. Assim como intelectuais e, se bobear, até um ou outro artista.
Mas eu me sinto estranho porque o feitiço não pegou em mim. Fico ali, ouvindo que Pablo Marçal domina as mais refinadas e eficientes técnicas de persuasão. Ou então que ele representa a direita antissistema, anticomunista, antipetista, antiqualquercoisa. Ou que ele é financeiramente bem-sucedido — um evidente sinal de predileção divina (sim, teve quem dissesse isso). Balanço a cabeça afirmativamente. Franzo a testa. Nem sou louco de discordar! E fico pensando que deve ter algo de muito errado comigo.
Porque resisto ao canto da sereia. É, me recuso a fazer o M de mermaid. E até sem muito esforço, sabia? Simplesmente resisto. E não é só isso. Contra a minha vontade, e diante desse fascínio unânime, vejo aumentar minha desconfiança em relação a alguém que se comunica fácil, que seduz e conquista porque fala tudo aquilo que as pessoas querem ouvir. Sem nenhuma convicção ideológica, intelectual ou moral. Só porque entendeu quais discursos se traduzem em votos.
Camaleão
Antes, porém, que você me critique pelo cinismo que estou sempre criticando nos outros, permita-se dizer que agora mesmo assisti a um vídeo de Pablo Marçal elogiando o modelo econômico da China. E falando como se a partir 2026 fosse administrar o Brasil. “Esse é o cara que se diz um legítimo representante da direita meio conservadora e meio liberal?”, me perguntei e agora pergunto para você que está me julgando, tenho certeza, confessa, vai.
Não me julgue (muito), por favor. Mas, se a sua vontade for muito grande, só lhe peço que, antes de me condenar à morte no seu coração gelado de leitor, leve em consideração este meu humilde argumento: Pablo Marçal, em todas as situações e falas, se torna imediatamente aquilo que o interlocutor espera dele. Pode reparar. Não falha!
Sei que a imagem é gasta, mas paciência: Marçal é um camaleão certo de que pode convencê-lo de que é um candidato-coringa. E aqui o termo tem duplo sentido: o de um político que se adapta às necessidades do eleitor em potencial e a da figura que perdeu a paciência e quer implodir o tal do sistema.
E tudo bem, tudo legítimo, tudo do jogo nesta nossa querida e caótica contemporaneidade. Mas aí é que entra o dilema metafísico, político e biológico: qual a verdadeira cor do camaleão?*
Decepção
Esse, aliás, é o problema do voto de protesto em tempos de urna eletrônica e de revolta permanente contra o que se convencionou chamar de Velha Política, em oposição à Velha Política de Boné representada por Marçal: o Macaco Tião da vez pode ganhar e ter de administrar a maior cidade do Brasil. Pior! Diante das dificuldades inerentes ao cargo, pode ter de decepcionar ainda mais milhões de pessoas, paulistanos ou não, que veem em Pablo Marçal uma esperança assim meio difusa, paradoxalmente motivada pelo desespero político.
Aí eu te pergunto numa boa, hein! Não precisa ficar nervosinho porque não sou seu inimigo: será que depois de tantas rasteiras a direita aguenta mais uma decepção dessas?
Nhenhenhém
Entendo, juro que entendo!, a indignação cotidiana. Assim como entendo, juro que entendo!, a busca por alternativas ao nhenhenhém improdutivo dos tecnocratas que nos governam. Por fim, entendo que a direita, cansada de tantas más notícias, de ver Lula na Presidência e Alexandre de Moraes tocando o terror no STF, veja em Marçal uma possibilidade de vitória. Nem que seja para esfregar na cara do Boulos e do Lula, como me disse alguém.
Mas algo não me cheira bem nessa substituição assim tão à toa, tão fácil e natural, da política baseada em princípios pela política de resultados.
* A maioria das espécies de camaleão é verde. O problema é que, de acordo com as circunstâncias, pode se disfarçar de azul, amarelo, marrom, preto… e vermelho.
noticia por : Gazeta do Povo