No bairro de Turtle Bay, em Manhattan [Nova York], com vista para o Rio East, existe uma colmeia miserável de escória e vilania como nenhuma outra no país. Não é um dos locais de injeção de drogas ao ar livre de Midtown [Ñ.t. na parte central do bairro] ou a paisagem infernal de neon que é a Times Square, que fica bem a oeste. É a sede da Organização das Nações Unidas (ONU).
A crítica conservadora à ONU é, neste momento, um dado posto. Desde a frequente oposição da organização aos interesses americanos na Assembleia Geral até a legitimação que dá a regimes ditatoriais como os da China, do Irã, da Coreia do Norte e da Rússia, há atualmente muitas falhas a serem encontradas na ONU. Mas vale lembrar que os problemas não são novos. Podem ser rastreados desde o início, quando os fundadores da ONU cometeram um grave erro que tem atormentado as relações internacionais desde então: a adesão da China e da União Soviética como membros permanentes do Conselho de Segurança. As ramificações deste erro não forçado são hoje sentidas de forma aguda, à medida que a Federação Russa e a República Popular da China continuam a frustrar a missão fundadora da organização e a promover resoluções antiocidentais.
A eclosão da Segunda Guerra Mundial demonstrou a ineficácia da precursora da ONU, a Liga das Nações, que foi explicitamente criada para evitar outro conflito global na sequência da Grande Guerra. Visando a cooperação internacional durante os primeiros anos da Segunda Guerra Mundial, os líderes das potências aliadas começaram a reunir-se para discutir as suas eventuais consequências. Em junho de 1941, representantes do Reino Unido e da sua Comunidade das Nações, juntamente com os governos exilados dos países europeus então sob o controle da Alemanha nazista e um diplomata do General Charles de Gaulle – que era então líder da França Livre – assinaram a Declaração de Londres [no Palácio de St James].
As resoluções dentro da declaração afirmaram o compromisso dos signatários não apenas de se unirem em defesa da Europa contra a agressão do Eixo, mas de garantir a paz no futuro. O primeiro-ministro britânico Winston Churchill e o presidente dos EUA Franklin D. Roosevelt construíram esta visão na Conferência do Atlântico de agosto de 1941, resultando na Carta do Atlântico. Embora a elaboração e assinatura da Carta tenham ocorrido antes da entrada dos EUA na guerra, ela sinalizou o apoio americano à Grã-Bretanha na luta contra as potências do Eixo e elaborou o desejo de formar uma instituição internacional para manter a paz mundial e garantir os direitos humanos após o fim da guerra. Um mês depois, o Conselho Inter-Aliado – Reino Unido, EUA, União Soviética e governos no exílio – aceitou o acordo, que serviu de base para as conversações na Conferência de Yalta de 1945, que por sua vez levou ao estabelecimento do ONU, com 50 nações assinando a carta do novo órgão ainda naquele ano.
O termo “Nações Unidas” naquela época referia-se aos estados aliados contra a Alemanha nazista, o Japão imperial e a Itália fascista. Quando chegou a hora de projetar a estrutura da ONU, que ocorreu sob os auspícios dos Aliados, Franklin D. Roosevelt assumiu a liderança, designando aos estados que ele considerava os “Quatro Policiais” – o Reino Unido, os EUA, a URSS e a China – a tarefa de negociar a configuração do novo organismo internacional. Destas discussões surgiu o Conselho de Segurança, essencialmente um ramo executivo da ONU, e a ideia de que esses quatro estados, com a adição da França, serviriam como membros permanentes com poder de veto individual sobre todas as decisões da câmara. De todas as decisões que precederam a formação oficial da ONU, a escolha de incluir a China e a União Soviética como membros permanentes do Conselho de Segurança, repletos de todo o poder que tal papel implica, revelou-se a mais infeliz.
Não é como se o resultado fosse imprevisível naquele momento. As tensões entre o líder soviético Joseph Stalin e seus interlocutores ocidentais já haviam aumentado um pouco durante as negociações da época da Segunda Guerra Mundial, e a URSS já havia demonstrado desejos expansionistas (a subordinação de estados fronteiriços pela União Soviética e seu acordo inicial orientado para a conquista com a Alemanha nazista são dois exemplos claros disso). A China, por seu lado, estava atolada numa guerra civil que acabaria por ver o seu governo mudar de mãos, da República da China, alinhada com os EUA, para a República Popular Marxista-Leninista. Tanto a florescente Guerra Fria como a crescente instabilidade da China deveriam ter sido evidentes para aqueles que faziam parte do aparelho diplomático dos EUA àquela altura.
Desde o início, a URSS usou o seu poder de veto para frustrar os esforços de outros estados membros da ONU em cumprir a missão da organização. Por um lado, a lista de nações que inicialmente tiveram os seus processos de adesão à ONU bloqueados como resultado de um veto soviético é surpreendentemente longa. Mais flagrantemente, a União Soviética impediu ativamente a capacidade da ONU de se envolver diplomaticamente em alguns dos conflitos mais arraigados do mundo. Por exemplo, durante um período de agitação civil e violência que conduziu à independência da República do Congo, o Conselho de Segurança considerou editar uma medida solicitando aos governos estrangeiros “se absterem de qualquer ação que possa tender a impedir a restauração da lei e da ordem e o exercício, pelo Governo do Congo, da sua autoridade e também se absterem de qualquer ação que possa prejudicar a integridade territorial e a independência política da República do Congo.”
Foi a delegação soviética, representando um Estado com intenções de exercer influência na África Subsaariana, que vetou a resolução. Quando a comissão procurou apelar aos governos da Índia e do Paquistão para “entrar em negociações sobre a questão” de um acordo permanente entre os dois estados com a assistência diplomática da ONU, a URSS rejeitou a ideia. E, claro, quando o Conselho de Segurança tentou apelar “à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas a cessar a introdução de forças armadas adicionais na Hungria e a retirar todas as suas forças sem demora” e a afirmar “o direito do povo húngaro a um governo que responda às suas aspirações nacionais e [seja] dedicado para a sua independência e bem-estar”, o Estado agressor derrubou a resolução.
Israel
Seria negligente, claro, se discutisse a perfídia da ONU sem mencionar o tratamento que dispensa a Israel. Embora grande parte da animosidade do organismo em relação ao Estado Judeu emane de Estados-membros autocráticos do Oriente Médio e do Norte de África, a União Soviética tem uma porção considerável de culpa. A URSS – embora operando sob uma posição oficialmente antissionista – inicialmente apoiou a criação de Israel, pois Stalin acreditava que o país governado pelo socialismo seria um aliado natural. Na verdade, a União Soviética foi o primeiro país a conceder reconhecimento jurídico – embora os EUA tivessem concedido a versão de fato do mesmo – a Israel, após a sua declaração de independência do domínio britânico em 1948, e a Checoslováquia, que nessa altura já tinha caído sob a esfera de influência soviética, foi fundamental no fornecimento de armas a Israel durante a primeira guerra árabe-israelense.
Mas isso mudaria quando se tornasse claro que Israel não estava do lado da URSS na Guerra Fria. A União Soviética vetou uma resolução de 1954 que instava o Egito a cumprir uma decisão anterior de não interferir no transporte marítimo israelita através do Canal de Suez, uma resolução de 1963 que condenava o assassinato de civis israelitas por tropas sírias e uma resolução de 1966 convidando a Síria a trabalhar para evitar semelhantes atos de agressão, ao mesmo tempo que solicita que Israel participe das discussões lideradas pela ONU sobre o tema, todas elas no Conselho de Segurança.
Foi também com o apoio da URSS e dos seus aliados que foi aprovada a Resolução 3379 da Assembleia Geral da ONU, que condenava o sionismo como “uma ameaça à paz mundial” e “uma forma de racismo e discriminação racial”, concedendo assim aos inimigos de Israel apoio institucional para odiar a única democracia no Oriente Médio. Embora isso tenha sido, como mencionado, um movimento dentro da Assembleia Geral, pode-se inferir razoavelmente que o status da União Soviética como uma das nações mais poderosas dentro da ONU ajudou a conduzir a resolução.
Rússia e China
Nos últimos anos, desde a dissolução da União Soviética, a delegação russa no Conselho de Segurança deu continuidade a essa história de obstrucionismo. Repetidas vezes, quando a comissão considerou resoluções apelando à assistência humanitária para a Síria devastada pela guerra, a Federação Russa emitiu veto anulando qualquer ação deste tipo. Em 1994, quando a ONU tentou garantir um “fluxo desimpedido” de “suprimentos médicos e alimentos distribuídos por agências humanitárias internacionais” para a antiga Iugoslávia durante a sua série de guerras sectárias, a Rússia disse não. Como seria de esperar, a Rússia recusou todos e quaisquer esforços do Conselho de Segurança no sentido de condenar ou mediar a guerra em curso na Ucrânia.
A China, por sua vez, não tem sido melhor. Seu histórico de má conduta no Conselho de Segurança é simplesmente mais curto, pois a Assembleia Geral da ONU não expulsou a República da China, concedendo o assento da “China” à República Popular da China (RPC), até 1971. Em grande parte, a RPC também se absteve de usar seu poder de veto durante o período em que parecia que seu envolvimento com os EUA e o mundo ocidental em geral estava em ascensão. A exceção ocorreu em 1997, quando a China vetou uma resolução patrocinada pela Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, México, Noruega, Portugal, Espanha, Suécia, Reino Unido, EUA e Venezuela – uma lista bastante extensa – pedindo o fim da violência revolucionária na Guatemala e o apoio internacional à paz do país processo.
Desde a virada do milênio, porém, a China tornou-se mais ativa na oposição a resoluções que tratam dos direitos humanos, da ajuda humanitária e da não proliferação nuclear. Em 2007, por exemplo, a RPC vetou uma resolução que expressava apoio à “libertação de presos políticos, a um processo político mais inclusivo, transparente e significativo, ao acesso humanitário livre e desimpedido” e a outras medidas destinadas, em geral, a melhorar as condições em Mianmar. Em termos de ramificações geopolíticas, o veto da China a uma resolução em 2022 condenando os testes de mísseis balísticos intercontinentais da Coreia do Norte e reafirmando o compromisso da ONU em travar a propagação de armas nucleares pode ser o mais importante dos últimos anos.
É claro que o Conselho de Segurança não é de forma alguma a única arena da ONU com a qual os americanos e os seus aliados poderiam discordar. Só em 2021, de acordo com a organização de monitoramento UN Watch, os membros da ONU elegeram a Bielorrússia para a Comissão de Prevenção do Crime e Justiça Criminal do órgão, culparam o Ocidente por todas as lutas internas da Venezuela, nomearam a Síria para o conselho executivo da Organização Mundial da Saúde, realizaram uma sessão especial do Conselho de Direitos Humanos sobre o Afeganistão sem mencionar sequer uma vez o Talibã, e nomearam o Irã para a Comissão da ONU sobre o Estatuto da Mulher. Mas, dada a composição da ONU, seria de esperar que a instituição tomasse medidas às quais os EUA – e aqueles com uma aparência de clareza moral – se oporiam. O Conselho de Segurança, onde o voto de um membro permanente pode interromper um trabalho significativo, é uma situação completamente diferente.
Nenhuma organização internacional pode representar perfeitamente todos os interesses díspares dos seus membros, mas a ONU seria provavelmente pelo menos um pouco mais eficaz se os EUA e os seus aliados não tivessem dado assentos à China e à Rússia no Conselho de Segurança. A incapacidade da ONU para cumprir os seus objetivos de base, porém, é um produto de mais do que mera ineficácia. A inclusão de Estados autocráticos entre os membros mais poderosos da organização impregna o organismo de um relativismo moral, na melhor das hipóteses, e de um código ético totalmente retrógrado, na pior das hipóteses. A ONU é um refúgio para os regimes autocráticos mais opressivos do planeta, e sua condição atual é simplesmente a conclusão lógica de sua formação.
© 2023 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês: The United Nations Was Built to Fail
noticia por : Gazeta do Povo