VARIEDADES

A história de Ronnie Lessa, o policial que teve uma trajetória meteórica no mundo do crime

No livro ‘Milicianos: Como Agentes Formados para Combater o Crime Passaram a Matar a Serviço Dele’, o jornalista Rafael Soares segue a trajetória de vários policiais que trocaram de lado e ascenderam rapidamente no mundo do crime. São figuras como Adriano da Nóbrega, Falcon, Batman e Batoré — que se tornaram conhecidas por meio da imprensa, mas cujas histórias não conhecemos a fundo.

O texto a seguir, extraído do primeiro capítulo da obra (lançada em 2023 pela editora Objetiva), narra o início da carreira de Ronnie Lessa, um ex-tatuador que ingressou na PM no início da década de 1990 e anos mais tarde seria apontado como o autor dos disparos que mataram a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes.

A história da Patamo 500 tem início nos primeiros meses de 1997, após o capitão Cláudio Luiz Silva de Oliveira ser transferido para o 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM), em Rocha Miranda, na Zona Norte do Rio, quartel responsável por policiar uma área que cobria mais de 30 bairros.

O nome pelo qual o grupamento de Ronnie Lessa até hoje é conhecido é formado pelas primei­ras sílabas de “Patrulhamento Tático Móvel”, jargão usado para nomear o conjunto de agentes armados com fuzis que circulam em picapes e são acionados para ocorrências de maior gravidade, como assaltos a banco e estabelecimentos comerciais. Já o número 500 vinha estampado na viatura usada pelos policiais militares (PMs).

A região do 9º BPM, até hoje uma das mais conflagradas da cidade, já era naquela época considerada um barril de pólvora pela polícia. Sob a responsabilidade do batalhão, havia mais de 20 favelas, sendo três complexos de comunidades — Chapadão, Pedreira e Serrinha — dominados por três facções diferentes do tráfico que guerreavam entre si e com a polícia.

A violência do tráfico era respondida com a violência da polícia. O batalhão já tinha um longo histórico de brutalidade e abusos antes mesmo do surgimento da Patamo 500. Em 1993, o quartel abrigou os temidos Cavalos Corredores, o grupo de PMs que parti­cipou da Chacina de Vigário Geral. Na ocasião, numa incursão em represália à morte de quatro policiais, 21 pessoas foram mortas.

Quatro anos depois do massacre, Cláudio Luiz, um “caveira” formado pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope), a tropa de elite da PM do Rio, chegaria ao 9º BPM com a missão de formar uma equipe especializada em confrontos. O objetivo inicial era fazer uma ocupação na favela de Acari, considerada “problemá­tica” por conta do controle territorial exercido pelos traficantes, que não permitiam a entrada da polícia.

Para integrar sua equipe, Cláudio Luiz convocou seus homens de confiança. Selecionou a dedo agentes que já conhecia e solicitou ao comando da PM a transferência deles para a ocupação — e foi prontamente atendido.

Ronnie Lessa, um de seus “pupilos” no Bope, foi uma escolha óbvia. Ambos se conheceram na tropa de elite em meados dos anos 1990. Cláudio Luiz é um “caveira” formado pelo Curso de Operações Especiais (Coesp) retratado no filme ‘Tropa de elite’ e notório pela dificuldade de ingresso e pelos requintes de tortura com os postulantes (“Pede pra sair!”).

Já Lessa admirava tanto os “caveiras” que, mesmo sem ter feito o curso, pediu para ser um deles — e entrou no Bope como voluntário em 1993, quando o ba­talhão ainda não tinha a atual fama e precisava de agregados para completar seu efetivo.

Ex-tatuador relativamente conhecido no subúrbio do Rio, Ronnie Lessa abandonou o estúdio que mantinha num quarto da casa dos pais, no Méier, Zona Norte da cidade, para se tornar policial militar em 1991. Já naquela época, ele não era exatamente um admirador de quem obedecia às leis; prova disso é que dois anos antes se alistara na Scuderie Le Cocq, irmandade formada principalmente por policiais que defendiam o extermínio de cri­minosos.

A organização — considerada por vários pesquisadores um embrião das milícias no Rio — foi criada na década de 1960 para vingar a morte do detetive Milton Le Cocq, assassinado num tiroteio entre policiais e Manoel Moreira, o Cara de Cavalo, cri­minoso afamado por extorquir dinheiro de apontadores do jogo do bicho.

A primeira ação da Scuderie foi justamente a execução do próprio Cara de Cavalo: apenas dois meses após a morte de Le Cocq, em outubro de 1964, o criminoso foi executado dentro de um casebre que usava como esconderijo na Região dos Lagos. A autópsia detectou exatas 61 perfurações de bala na vítima — a maioria na barriga.

Depois dessa primeira morte, a irmandade vi­rou uma espécie de grupo de extermínio, formado sobretudo por policiais justiceiros agindo sob a insígnia da caveira que adornava o emblema da Scuderie.

Nessa organização, Lessa ostentava a matrícula número 3127 — conforme atesta sua carteirinha de membro, apreendida pelo Ministério Público (MP) em sua casa. Já no Bope, quando conhe­ceu Cláudio Luiz, se destacava pelo voluntarismo e pela “coragem acima da média”, como lembra o capitão aposentado da PM e ex­-caveira Rodrigo Pimentel, contemporâneo de Lessa na tropa de elite e que chegou a comandá-lo em vários momentos.

“Numa operação de infiltração
para combater acampamentos do tráfico na Floresta da Tijuca, eu precisava de
oito policiais ha­bilitados a descer de rapel no meio das árvores. Consegui
juntar sete homens, faltava um. Antes de sairmos, perguntei se tinha algum
voluntário. O Lessa se prontificou e foi correndo pegar o material de
montanhismo. Pensamos que ele já sabia como fazer. Lá do alto, o helicóptero já
em cima da floresta, ele perguntou: ‘Me ensina como faz, nunca desci de rapel’.
Ele aprendeu ali, na hora. Eu fiquei impressionado com a coragem do Lessa”, me
contou Pimentel.

Além de Lessa, Cláudio Luiz elegeu como seus “homens de ouro” na ocupação de Acari os PMs Guilherme Tell Mega, Rober­to Luiz de Oliveira Dias, Marcelo Ferreira Rodrigues e Floriano Jorge Evangelista de Araújo — policiais operacionais egressos de unidades que atuavam em áreas conflagradas, como o próprio Bope, a Companhia de Cães e o 16º BPM (Olaria), responsável por patrulhar o Complexo do Alemão, que era o quartel-general da maior facção do tráfico do Rio, o Comando Vermelho (CV). Estava formada a Patamo 500.

Juntos, esses policiais trilharam, entre 1997 e 2003, uma tra­jetória de sucesso profissional muito rara na PM do Rio. Graças a uma série de ocorrências que terminaram com muitas mortes e apreensões, progrediram meteoricamente em suas carreiras.

Antes de entrar na patrulha, por exemplo, Lessa tinha a patente de soldado, a mais baixa da corporação. Em menos de um ano, foi promovido por bravura duas vezes e, no final de 1997, já era terceiro-sargento.

E não era um caso isolado: no fim do mesmo ano, todos os integrantes da Patamo 500 foram promovidos jun­tos — Cláudio Luiz, o chefe, de capitão virou major; cada um dos seus subordinados subiu um degrau. Os boletins da PM com o anúncio das promoções mencionavam a “dedicação à causa pú­blica, o preparo profissional, moral e o cometimento de atos não comuns de audácia e coragem” dos membros do grupo.

Entre 1997 e 1998, os elogios nas fichas funcionais de Lessa e Cláudio chegaram a praticamente um por mês. No mesmo pe­ríodo, a atuação da dupla na patrulha rendeu moções de aplauso e congratulações da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) — propostas pelo então deputado Pedro Fernan­des, que tinha sua base eleitoral na área do 9º BPM.

Ao home­nagear Lessa, Fernandes escreveu que o policial “é digno dessa homenagem por honrar, permanentemente, com suas posturas, atitudes e desempenho profissional, a sua condição humana e de militar discreto, mas eficaz”.

Uma política pública que apostava nos confrontos como es­tratégia para combater o crime praticamente deu carta branca para a atuação da Patamo 500 — e ainda encheu os bolsos de seus agentes. A “gratificação faroeste”, como ficou apelidada a premiação por bravura criada pelo governador Marcello Alencar (do Partido da Social Democracia Brasileira, PSDB) em 1995, na prática, concedia bonificações salariais a policiais que parti­cipavam de ocorrências com mortes.

Em março de 1998, pouco depois de ser promovido de cabo a sargento por “ato de bravura”, Ronnie Lessa teve seu salário incrementado em 25% “por ter de­monstrado coragem e determinação” ao participar de uma ação policial. Três meses mais tarde, após novas ocorrências e elogios, o sargento teria aumentada a gratificação com mais 40% de seus vencimentos.

Os demais integrantes receberam bonificações ainda maio­res. Em dezembro de 1996, Cláudio Luiz e os cabos Roberto Luiz Dias, Floriano Jorge Araújo e Guilherme Tell Mega ganharam uma gratificação de 50% por terem matado dois homens numa troca de tiros, depois de abordarem um carro. Até 1998, após sucessivos decretos, o percentual de bonificação chegaria a 90% dos salários.

No segundo semestre desse ano, com a explosão do número de homicídios em operações no estado — as mortes pela polícia passaram de 300 em 1997 para 397 em 1998, um aumento de 32% —, a “gratificação faroeste” foi extinta por uma lei apro­vada pela Alerj, de autoria do deputado Carlos Minc, do Partido dos Trabalhadores (PT).

O prestígio dos policiais da Patamo 500 na corporação, en­tretanto, era proporcional ao terror que provocavam nos mora­dores de favelas da Zona Norte do Rio: ao mesmo tempo que era premiada pelo governo, a patrulha deixava um rastro de san­gue por onde passava, colecionando denúncias de violações aos direitos humanos.

Em apenas cinco anos, Lessa, Cláudio Luiz e seus colegas participaram de ocorrências que terminaram em pelo menos 23 mortes — três delas com indícios de execução —, duas vítimas feridas após uma sessão de tortura e o desaparecimento de um homem depois de ser colocado no xadrez da viatura. To­dos os casos foram levantados por mim com base em processos judiciais e documentos internos do 9º BPM.

Na maioria dos registros, a mesma dinâmica se repete: os agen­tes afirmam que “foram recebidos com disparos de arma de fogo pelos marginais e revidaram a injusta agressão”. As justificativas eram aceitas, e os casos, arquivados.

Apenas três inquéritos con­tra a Patamo 500 saíram das gavetas de delegacias e chegaram à Justiça. Os processos, entretanto, só foram abertos anos depois dos crimes, quando a patrulha já havia sido dissolvida. Todos ti­veram o mesmo desfecho: os agentes acabaram absolvidos e se livraram das acusações.

A execução de Binho

Já passava da meia-noite de 1º de setembro de 2000, uma sexta-feira, quando a Patamo 500 recebeu uma missão: a patru­lha mais capacitada do 9º BPM para incursões em favelas deveria acelerar rumo ao Parque Colúmbia, comunidade dominada pelo tráfico no bairro homônimo, a dez quilômetros de distância do batalhão.

Minutos antes, o setor de inteligência do quartel ha­via recebido uma informação “quente”: um bando de 20 cri­minosos vindo da Baixada Fluminense havia acabado de chegar à favela em carros importados. Segundo o informe, o chefe do grupo era o criminoso mais procurado do Rio: Dálber Virgílio da Silva, o Binho.

A caçada ao traficante de apenas 19 anos começou depois de uma ação ousada. Dois meses antes de a Patamo 500 ser acionada para capturá-lo, Binho mandara seus comparsas in­vadirem a 53ª Delegacia Policial (DP), em Mesquita, na Baixada Fluminense.

O objetivo era resgatar sua mulher, Vanessa Medei­ros, que estava grávida e havia sido capturada em um tiroteio do qual Binho conseguira fugir. A invasão aconteceu na madrugada de 3 de julho, uma segunda-feira, horário de pouco movimento na unidade.

Um Santana preto parou na porta da delegacia e, de dentro do carro, saíram cinco homens: três deles vestindo camisas pretas com a inscrição “Polícia Civil” nas costas e fuzis AR-15 a tiracolo, enquanto os outros dois os seguiam cabisbaixos e algemados com as mãos nas costas.

Quando o grupo entrou no saguão da dele­gacia, o detetive de plantão Alcimar de Oliveira achou que eram agentes da Corregedoria que tinham usado uma viatura descarac­terizada para prender dois criminosos. O teatro não durou nem um minuto: no balcão, os falsos policiais tiraram as algemas dos presos e apontaram os fuzis para o detetive: “Perdeu!”.

Sob a mira das armas, o agente
foi obrigado a levar o grupo até a carceragem, onde outros dois policiais de
plantão também foram rendidos. Em meio a pontapés, os três investigadores foram
obri­gados a ficar deitados com os rostos virados para o chão, enquanto os
criminosos abriam a cela e resgatavam Vanessa e outras oito presas. O bando
ainda arrancou um cordão de ouro do pescoço de um dos policiais antes de fugir
pela porta da frente da delegacia.

Na manhã seguinte, Binho — que, até então, era um traficante sem muita relevância, atuante em favelas da Baixada Fluminense, região com os piores indicadores de desenvolvimento humano e social do estado do Rio — passou a ser considerado o inimigo número um da polícia.

A ascensão ao “estrelato” do crime foi me­teórica. “A prisão dele é uma questão de honra!”, disse o coronel Roberto Penteado, comandante do 21º BPM, responsável pelo po­liciamento da área onde o resgate aconteceu.

Nos meses seguintes, enquanto várias operações eram realizadas para capturar Binho, seus “feitos” passaram a ser amplificados na imprensa: “O Binho é sanguinário. É responsável pela morte de cinco policiais, sen­do quatro PMs e um carcereiro”, disse, numa entrevista ao jornal Extra, José de Freitas, delegado titular da unidade invadida. Já o então secretário de Segurança do Rio, coronel Josias Quintal, de­terminou que a captura de Binho fosse tratada como “prioridade”.

Em meio à caçada, o traficante decidiu fugir da Baixada Flu­minense e se abrigar numa favela dominada pela facção à qual pertencia, o CV, no extremo norte da capital: o Parque Colúmbia, destino da Patamo 500 naquela madrugada de setembro.

Como o informe recebido pelo batalhão dava conta de que Binho es­tava acompanhado por cerca de 20 homens, Ronnie Lessa e seus colegas pediram, via rádio, apoio a outras duas patrulhas que estavam de plantão. Ao todo, 15 agentes participaram da operação.

Quando chegaram ao local, todos desembarcaram das viaturas e seguiram a pé pelos becos. À frente do grupo iam Lessa e seus dois colegas de patrulha, os sargentos Guilherme Mega e Floriano Evangelista.

Até hoje não se sabe exatamente o que aconteceu a seguir. Há, no entanto, duas versões sobre a operação. A primeira delas foi contada pelos agentes da Patamo 500 na delegacia da Pavuna, a 39ª DP, ainda naquela madrugada.

Eles afirmaram que “foram recebidos a tiros por um grupo de aproximadamente 15 ele­mentos” enquanto progrediam pela favela e, “diante da injusta agressão, revidaram os disparos”. No final do tiroteio, ainda se­gundo essa versão, teriam feito buscas pela região e encontrado “dois homens feridos”, caídos no chão.

Ao lado deles, os PMs ale­garam ter encontrado “um fuzil, duas granadas e uma bolsa con­tendo 413 trouxinhas de erva e 314 papelotes de pó branco”. Só três policiais atiraram na ocasião, justamente os que lideravam a patrulha: Lessa, Mega e Evangelista, integrantes da Patamo 500. Porém, nenhum deles admitiu ser o responsável pelos disparos que acertaram as vítimas: “Todos usaram suas armas ao mesmo tempo e na mesma direção”, foi o que relatou Ronnie Lessa.

Os dois baleados foram identificados como Binho, atingido na cabeça, e um de seus comparsas, conhecido como Paulista, alvejado por três tiros no pescoço, na barriga e no braço. Na oca­sião, a pretexto de socorrer os feridos, os PMs retiraram os corpos da favela e levaram ao hospital, onde “deram entrada já cadáver”, conforme os boletins de atendimento médico.

A alteração da cena do crime impediu a realização, no local, de uma perícia que teria ajudado na elucidação do caso. Por fim, os policiais levaram até a delegacia, para a confecção do registro de ocorrência, um ho­mem que se apresentou como usuário de drogas e disse ter testemunhado a ação. Ele confirmou a versão dos policiais de que houvera um confronto e foi liberado.

“Binho tomba em tiroteio”, noticiou o Extra no dia seguinte. “PM mata traficante que invadiu DP”, foi a manchete do jornal O Dia. As reportagens — que descreviam Binho como “um dos mais ousados traficantes da cidade” — replicaram a versão dos policiais.

Os jornais relataram que a PM conseguira cercar os cri­minosos, mas estes não se renderam: “Binho e seus cúmplices re­sistiram aos tiros durante cerca de 15 minutos”. Para a PM, o resultado da ação foi um sucesso.

A averiguação interna aberta para investigar o caso não só concluiu que não houve crime ou excesso por parte dos agentes como também os elogiava: “Os meliantes estavam em maior número, porém, vendo a determinação dos po­liciais empreenderam fuga deixando para trás dois elementos”.

No entanto, uma prova produzida pela Polícia Civil naquela mesma madrugada não batia com a versão de confronto dos PMa. A perícia feita nos cadáveres constatou que um dos tiros que atingiu Paulista, o comparsa de Binho, deixou uma “orla de tatuagem” na pele.

A expressão — usada por peritos para identificar a marca escura produzida pelos resíduos de pólvora expelidos pelo cano da arma no entorno da perfuração feita pela bala no corpo — in­dica que o tiro foi feito a curta distância, um sinal de execução.

Segundo especialistas, o disparo de fuzil só deixa uma orla de ta­tuagem na vítima se for feito à distância de até um metro, o que desmentia a versão de que os policiais atiraram num primeiro momento, depois fizeram buscas e só então encontraram os ho­mens caídos no chão.

O indício de que os policiais não haviam agido dentro da lei não foi suficiente para a investigação avançar: depois daquela madrugada, o inquérito sobre as mortes vagou por quase duas décadas pelas gavetas de delegados e promotores sem que novas provas fossem produzidas. Os crimes já estavam prestes a pres­crever — no Brasil, homicídios não são mais passíveis de punição depois de 20 anos — quando o caso sofreu uma reviravolta.

Em 2019, após Ronnie Lessa ser preso pelo homicídio da ve­readora Marielle Franco, o inquérito foi parar nas mãos da pro­motora Karina Puppin, do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) — criado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) para atuar em investigações de crimes co­metidos por policiais —, que estranhou o choque entre os laudos cadavéricos e a versão dos policiais.

Karina resolveu retomar a investigação para esclarecer o que de fato havia acontecido no Parque Colúmbia, e decidiu começar ouvindo novamente a única testemunha ocular apontada no inquérito: o homem levado pe­los PMs à delegacia, que se apresentou como usuário de drogas na ocasião e corroborou, em depoimento, o relato dos policiais.

A testemunha foi localizada pela Promotoria em outro estado brasileiro — para onde fugira justamente depois dos homicídios — e apresentou, nesse novo relato, outra versão sobre o ocorrido naquela madrugada. Ele admitiu que tinha mentido: na verdade, não era usuário de drogas, mas sim um dos integrantes do bando de Binho.

O homem afirmou que portava um fuzil e chegou a ati­rar na direção dos policiais. Mas, segundo ele, depois da “troca de tiros, os PMs conseguiram encurralar os traficantes num terreno baldio”. Nesse momento, Binho e Paulista foram executados pelos policiais da Patamo 500.

Capturado pelos agentes, o homem foi agredido e sufocado com um saco plástico para que fornecesse informações sobre o tráfico na favela, tais como esconderijos de armas e drogas, e a localização de outros integrantes do bando. Por fim, contou que os PMs propuseram “um acordo”: se ele pas­sasse os dados sobre seus comparsas, seria liberado — o que, de fato, aconteceu.

Mesmo com o caso encerrado, uma ponta permanece solta. Em seu segundo depoimento, o comparsa de Binho contou que, ao todo, havia três armas com os homens encurralados pelos policiais: ele portava um fuzil Parafal calibre 7,62, Binho tinha outro fuzil nas mãos, este de calibre 5,56, e Paulista, uma pistola.

Somente um dos fuzis, no entanto, é citado nos relatos dos policiais e foi entregue na delegacia depois da operação. Até hoje não se sabe onde foram parar as outras armas.

Conteúdo editado por:Omar Godoy

noticia por : Gazeta do Povo

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