Estou escrevendo esta carta na quinta-feira (12). Logo, não sei se até ela chegar a você o Lula terá se submetido a mais uma cirurgia, se já estará recuperado ou se terá sucumbido a essa misteriosa queda e suas consequências incompreensíveis para nós. (Leia o P.P.S). Mas não tem problema. Porque o Lula, tanto ali no título quanto aqui no corpo da carta, é só um pretexto para eu falar de algo muito muito muito difícil: a obrigação cristã de amarmos nossos inimigos.
Tudo começou quando li uma provocação do meu amigo Elton Mesquita. Acho que até já o mencionei em outro texto. Escreveu ele no Twitter: “És Católico? Reza uma Ave Maria pela recuperação do Lula aí que eu quero ver uma coisa”. Só isso. As reações foram furiosas. Um monte de gente veio citar versículo para justificar seus desejos de morte pelo Lula. Virou uma briga entre Provérbios 11:10 e Mateus 5:44.
Tentei
Por causa da provocação, a despeito da treta e tomado por um estranho senso de obrigação cristã (acho que foi isso), resolvi tentar. Assim, meio por impulso. Fechei os olhos. Me concentrei e. Não deu. A primeira não chegou nem no “convosco”. Simplesmente ficou entalada na garganta. Mas sou teimoso. Ou pelo menos é o que a minha mulher não se cansa de dizer. Por isso tentei de novo e dessa vez saiu uma Ave Maria mecânica, dita por dizer e vazia de intenção. Assim não vale, né?
Agora vai!
Retomando digo que tudo bem. Sou um pecador. Sei disso. Sei, mas não me conformo. Por isso resolvi tentar rezar uma Ave Maria para Lula pela terceira vez. Afinal, na rixa entre Provérbios 11:10 e Mateus 5:44 sou #TeamNovoTestamento desde criancinha. (Na verdade foi desde a conversão, mas tá valendo). Respirei fundo, fechei os olhos e, logo depois da invocação, me perdi pensando no que significava essa coisa de desejar que o melhor acontecesse a Lula.
O melhor
Afinal, nesse “melhor” aí pode estar incluída a crença inconsciente de que o melhor, tanto para Lula quanto para o país, é a morte. Uma crença perversa que contraria totalmente o espírito tanto da provocação do amigo quanto do versículo do Evangelho de Mateus. “É pela recuperação, Paulo”, disse para mim mesmo. “É pela recuperação”, repeti. Deixei de lado as elucubrações, me ajeitei e.
Consegui!
Finalmente consegui rezar uma única Ave Maria pela recuperação do Lula. Mas nada de me dar os parabéns. Porque a dificuldade só mostra como sou (somos?) miserável. Como sou mesquinho, pateticamente mesquinho, em se tratando de desejar o bem dos meus inimigos. Ainda que, convenhamos, chamar Lula de inimigo é um exagero, né? Assim como é um exagero pressupor que ele nos maldiga, nos odeie, nos maltrate e nos persiga. Lula nem sabe quem eu sou.
Autoconhecimento
Rezada a Ave Maria que saiu a fórceps, mas saiu, fui contar a experiência às amigas e amigos. As amigas disseram que foi fácil, se quiser rezo uma Ave Maria para o Lula agora mesmo. O que só prova a superioridade das mulheres em todos os sentidos e mais um pouco. Já os amigos disseram que tiveram o mesmo problema que eu. Um disse que tinha se proposto a rezar por Lula, mas que simplesmente deixou para lá. O outro confessou que também se surpreendeu com a dificuldade. “Mas foi um exercício de autoconhecimento interessante”, disse. E foi mesmo.
A política desumaniza
É que a política, ou melhor, a guerra ideológica nos desumaniza. Tendemos a ver Lula ou qualquer outro político do gênero não como um ser humano falho (e bota falho nisso!), mas digno da misericórdia divina – tanto quanto eu ou você somos dignos dela. Ora, se o próprio Lula disse que tinha se transformado numa ideia…! Nada mais natural, portanto, que desejemos que essa ideia, uma ideia que consideramos nociva, desapareça.
Justificativas
Mas olha eu aqui procurando uma justificativa para minha mesquinhez. Então é melhor encerrar antes que surjam justificativas novas e mais sedutoras, capazes de me convencer de que a morte de Lula me será de alguma forma benéfica e que, por isso, ele é indigno do meu querer-bem. Não é.
Aquele abraço do
Paulo.
P.Ss.
P. S.: Queié isso, rapá? Guarda esse teu grito de “Faz o L!” aí. Esquece um pouco a política. Bota a mão na consciência. E, se não for pedir muito, leia a convicção da Gazeta do Povo sobre a dignidade da pessoa humana.
P.P.S.: Eis que na tarde de sexta-feira (13), Lula divulgou um vídeo em que realmente caminha lépido e fagueiro ao lado do médico. Diante disso, testemunhei um diálogo interessante entre duas pessoas que rezaram a Ave Maria pelo Lula:
— A culpa é da sua Ave Maria.
— Da sua!
— Não, da sua!
— Da sua!
(…)
No final das contas, acabamos concordando que a culpa é toda do Elton Mesquita mesmo.
[Esta coluna é uma reprodução da carta que chega à caixa postal dos assinantes toda sexta-feira. Se você ainda não se inscreveu, lá em cima, logo depois do primeiro parágrafo, tem um campo para isso].
noticia por : Gazeta do Povo