TECNOLOGIA

Como o TikTok está moldando os livros de culinária nos Estados Unidos


Há três anos, B. Dylan Hollis era um músico desempregado no Wyoming que nunca tinha cozinhado nada além do que aprendera nas aulas de economia doméstica, e muito menos havia criado uma receita. No mês passado, seu primeiro livro de culinária, Baking Yesteryear, tornou-se o mais vendido do país.


Não é só o livro mais vendido de culinária — é o mais vendido entre todos os gêneros.


Baking Yesteryear, que inclui receitas americanas antigas, vendeu 150 mil cópias no primeiro dia e foi um dos livros com maior pré-venda na história de sua editora, a Penguin Random House, e ficou atrás apenas das memórias da família Obama e do príncipe Harry.




Hollis não conta com uma carreira política nem com dramas da família real para impulsionar seu livro, mas com 10,2 milhões de seguidores no TikTok, onde posta vídeos de culinária desde 2020. “Eu me sinto como se tivesse roubado o emprego de outra pessoa”, comentou, com uma risada, em videoentrevista recente em sua casa, em Laramie.


Hollis, de 28 anos, tem olhos grandes e curiosos e cabelo bem modelado. Apimenta sua fala rápida com expressões singulares como “ó, céus!”. Como muita gente, ficou entediado durante a pandemia e começou a cozinhar. Em vez de fazer fermento natural, canalizou seu amor por coisas antigas para preparar receitas de velhos livros de culinária de comunidades tradicionais.


Seu vídeo no TikTok, de agosto de 2020, fazendo um bolo de porco, gerou milhões de visualizações e, em menos de dois anos, ele assinou contrato para um livro de receitas em troca do que descreveu apenas como uma “quantidade generosa de dinheiro”.


Ele é um dos muitos criadores de conteúdo do TikTok, muitos deles com pouca ou nenhuma experiência profissional, que passaram, em pouco tempo, da cozinha de casa ao topo das listas de best-sellers. Com isso, injetaram uma dose de energia em um mercado editorial em declínio: o de livros de culinária.



De acordo com a Circana, empresa de análise de consumo, as vendas totais de livros de culinária caíram 14,5% em relação ao ano anterior, e, dos 50 livros de culinária mais populares, em média, foram vendidos 96 mil exemplares nos últimos 12 meses.


Em comparação, An Unapologetic Cookbook, de Joshua Weissman (sete milhões de seguidores no TikTok), vendeu 316 mil cópias. The Korean Vegan, de Joanne Lee Molinaro (três milhões de seguidores), vendeu 102 mil cópias e ganhou o prêmio James Beard, e Baking Yesteryear, de Hollis, vendeu mais de 165 mil cópias. (No entanto, esses números impressionantes estão longe da venda de mais de um milhão de exemplares que uma celebridade reconhecida como Joanna Gaines alcança.)


Ninguém está mais surpreso do que Hollis. “Faz só dois anos que cozinho. Realmente, é uma coisa peculiar ser conhecido por cozinhar sem ter uma formação e nem mesmo ser especialmente habilidoso nisso. Você tem de se perguntar: ‘Quem merece publicar um livro de culinária?”, disse ele, que divide seu tempo entre o Wyoming e as Bermudas, onde cresceu.


A resposta está mudando rapidamente. Segundo Vanessa Santos, vice-presidente executiva da agência de publicidade Mona Creative, que representa vários autores de livros culinários, o TikTok transformou o que as pessoas procuram em um livro de culinária ou em um autor do gênero. “Uma receita não precisa ser tão inovadora ou perfeita. Na verdade, trata-se apenas de uma pergunta: ‘O leitor está se conectando a uma personalidade?'”


Não é todo mundo que concorda. Nem mesmo os autores de livros de culinária com muitos fãs. “Quando você faz um vídeo de 20 segundos preparando um bolo, é muito divertido e interessante. Mas, mais uma vez, as pessoas querem receitas sólidas”, afirmou David Lebovitz, de 64 anos, autor de livros de culinária, radicado em Paris, que começou seu blog gastronômico em 1999 e publica um boletim informativo muito popular no Substack.


Hollis está longe de ser o primeiro cozinheiro amador a conseguir um grande contrato editorial. A internet democratizou, há muito tempo, a ideia de quem pode ser autor, e as editoras têm tentado transformar os seguidores online — desde os blogs de culinária das décadas de 1990 e 2000 até as contas do Instagram da década de 2010 — em sucesso para os livros de culinária. “Mas nada se converteu tão bem em vendas reais como os vídeos do TikTok”, informou Kristen McLean, analista da Circana.


E as editoras estão investindo. Os criadores de conteúdo do TikTok recebem adiantamentos semelhantes aos dos apresentadores de televisão: “Na faixa de seis dígitos ou mais”, revelou Anthony Mattero, agente da Creative Artists Agency, que representa vários criadores de conteúdo do TikTok.


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“O TikTok é a maior máquina de vendas da atualidade”, disse Nadia Caterina Munno, de 40 anos, que transformou sua audiência de 3,1 milhões de seguidores no TikTok em um contrato para escrever um livro de culinária, The Pasta Queen. Publicado em novembro passado, estreou em quinto lugar na lista de Dicas, Instruções e Diversos do The New York Times. (Ela e os outros criadores de conteúdo entrevistados para este artigo se recusaram a divulgar o valor exato de seu contrato.)


A carreira de Munno no TikTok decolou com um vídeo que ela postou em 2020 criticando a tentativa de lasanha de outro criador de conteúdo. “Agora estou ganhando mais dinheiro do que meu marido. Sou o arrimo da família.”


Mas o fato de alguém ter milhões de seguidores não garante que um livro seja um sucesso de vendas, observou Mike Sanders, vice-presidente e editor da DK United States, que acaba de criar uma divisão dedicada a livros de personalidades da internet. “Leio os comentários online só para ver nas redes sociais se os ‘tiktokers’, ou criadores de conteúdo, têm o tipo de conexão com os seguidores que pode permitir que se destaquem de verdade”, explicou.


Os comentários nos vídeos de Hollis convenceram Sanders de que Baking Yesteryear venderia bem. Apenas nos últimos dois anos, a DK United States, divisão da Penguin Random House, publicou seis livros de culinária escritos por autores populares no TikTok, que estão entre os mais vendidos do The New York Times.


Transformar uma personalidade da internet em um autor de livros físicos de culinária exige muito trabalho. Algumas das pessoas recrutadas por Sanders nunca tinham escrito receitas formais e não entendiam tudo que envolve a produção de um livro de culinária. “Nós nos sentimos à vontade para encontrá-los por conta própria, desenvolvê-los, nutri-los e cercá-los com o apoio necessário para fazer esses livros se tornarem realidade”, comentou ele.


Esse apoio às vezes inclui a designação de provadores de receitas para o autor ou o gerenciamento da sessão de fotos. A DK até oferece estratégias aos autores para promover seus livros no TikTok, cujo algoritmo é sofisticado o suficiente para identificar e suprimir postagens promocionais, acrescentou Sanders.


O TikTok não impulsiona apenas a venda dos produtos; também molda a aparência e o estilo desses livros.


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Molinaro, de 44 anos, autora de The Korean Vegan, tornou-se conhecida no TikTok por seus vídeos narrados de culinária, nos quais compartilha histórias de sua vida. Quando seu editor cortou muitos dos ensaios pessoais que ela havia escrito para o livro, ela os refinou e insistiu que fossem incluídos de novo. Ela mesma fotografou as receitas para que combinassem com sua estética online e até pediu aos seus seguidores nas redes sociais que votassem na capa.


Em seu próximo livro de culinária, Kung Food, Jon Kung, que tem 1,7 milhão de seguidores no TikTok, incluiu QR Codes com links para seus vídeos. “Sempre vai ser difícil explicar certas coisas com palavras, como dobrar dumplings, sovar massa de pão ou fazer macarrão”, explicou Kung, de 39 anos.


Munno, autora de The Pasta Queen, disse que duplicou o número de fotos dela mesma e de belas paisagens italianas em seu livro de culinária para que ele se parecesse mais com sua conta no TikTok. Muitos leitores a informaram de que tinham comprado seu livro porque queriam ver as fotos, mas não haviam preparado nenhuma receita.


Ainda assim, muita gente compra esse tipo de livro por causa das receitas.


Janvi Joshi, de 26 anos, que mora no Brooklyn, em Nova York, e trabalha na área financeira, já cozinhou cerca de sete pratos de The Korean Vegan. “Nas receitas que aparecem nas legendas das redes sociais, as medidas e outras coisas podem ser um pouco imprecisas. Quando você está seguindo receitas em um livro, elas são um pouco mais bem planejadas e testadas”, observou.


Mas Hollis teme que esses livros percam credibilidade à medida que mais criadores de conteúdo do TikTok assinem contratos de obras culinárias. O campo pode ficar muito saturado. “Todo mundo, até seu cachorro, está prestes a publicar um livro de receitas. Quem sabe o que isso vai causar?”


Enquanto isso, Hollis já está pensando em seu próximo volume.


c. 2023 The New York Times Company


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noticia por : R7.com

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