“Em agosto de 2018, soube que estava grávida. Mas, em novembro do mesmo ano, com 17 semanas de gestação, tive muito vômito e intensa dor de cabeça, como se estivesse levando facadas na cabeça, uma dor insuportável mesmo. Meu marido ligou para o obstetra, que orientou ir ao pronto-socorro. Lá, diagnosticaram um AVC (acidente vascular cerebral). Fui transferida para Alfenas (MG), onde tem uma equipe de neurocirurgia. Através de exames, detectaram o rompimento de uma MAV (malformação arteriovenosa), que eu não sabia que tinha. Acordei com a cabeça raspada, muitos pontos e a notícia de que eu tinha uma ‘bomba-relógio’ na cérebro e poderia morrer a qualquer momento. Foi desesperador”, relata Débora de Carvalho, de 39 anos.
Ela é uma das pacientes diagnosticadas com a MAV, alteração do sistema vascular em que artérias e veias ficam enoveladas e malformadas, como bolas de lã de diversos tamanhos, e que afeta cerca de dez a cada 100 mil pessoas no mundo, segundo um estudo publicado no New England Journal of Medicine, em 2000. Pelo fato de a condição ser rara, existem poucos estudos sobre a MAV e sua quantificação.
“Trata-se de uma condição anormal em que há conexão direta entre vasos sanguíneos arteriais e venosos, sem a presença dos capilares normais”, explica o neurocirurgião Roger Brock, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Embora não se saiba, ao certo, a causa da MAV, acredita-se que seja congênita, resultante de um desenvolvimento anormal dos vasos sanguíneos durante a formação fetal, não necessariamente hereditária.
O neurocirurgião Feres Chaddad, chefe da disciplina de neurocirurgia na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), alega que, por ser congênita, a MAV pode se manifestar em qualquer idade.
No entanto, as manifestações costumam ocorrer entre os 20 e os 40 anos de idade, época em que ocorre o endurecimento natural dos vasos e o aumento dos níveis de pressão arterial.
Muitas vezes, a MAV é apenas um “achado” nos exames de rotina. Porém, quando há sintomatologia, podem-se incluir dores de cabeça, perda da visão, convulsões, déficit cognitivo (falta de atenção, problemas de memória, dificuldade nos estudos ou trabalho) e déficits motores, com ou sem alteração sensitiva.
As MAVs podem causar, ainda, AVCs, como foi o caso de Débora, que se recuperou. Mas, eventualmente, são potencialmente fatais ou levam a sequelas neurológicas.
Para a publicitária Fernanda Bota, de 38 anos, a suspeita ocorreu por conta das dores de cabeça que sentia desde a adolescência.
Em 2021, a frequência do problema incomodou, somada a sintomas de aura (brilho na visão) e dormência nas mãos e na boca.
Tudo isso a motivou a buscar uma explicação, e os exames apontaram a malformação junto de um aneurisma intranidal.
Fernanda conta que, até o momento da cirurgia, não podia fazer grandes esforços, como levantar peso, nem fazer força ao ir ao banheiro, e precisava dormir com um travesseiro alto para ajudar no fluxo sanguíneo, de modo que não houvesse rompimento do aneurisma.
“Sempre pratiquei atividades físicas, sou bailarina há 12 anos e faço musculação. Mesmo podendo seguir com moderação, optei por parar até que chegasse a data da cirurgia. A MAV poderia romper, e eu já tinha aneurisma intranidal. Preferi não arriscar. Mas foi muito difícil para mim ficar parada, angustiante.”
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O diagnóstico é feito por exames de imagem, como a angiografia cerebral, a ressonância magnética e a tomografia computadorizada, usados para visualizar a estrutura anormal dos vasos sanguíneos e determinar a localização e a extensão da MAV, assim como os vasos e a região do cérebro acometidos.
Os tratamentos podem variar e incluem desde a embolização endovascular até a radiocirurgia estereotáxica e a cirurgia de ressecção, que muitas vezes são utilizadas de forma associada para um melhor resultado. Em algumas situações, o acompanhamento clínico é recomendado, seja pelo risco do tratamento, seja pelo tamanho da malformação.
“A decisão sobre qual tratamento adotar é feita com base em vários fatores, incluindo as características individuais do paciente e a avaliação dos riscos e benefícios de cada opção. O prognóstico após o tratamento é geralmente favorável, embora isso possa depender de fatores como o tamanho e a localização do MAV”, afirma Brock.
Chaddad comenta que, em casos de MAVs mais profundas, que são inalcançáveis por meio de cirurgia, é indicado que o tratamento seja feito por irradiação, através da radiocirurgia, que pode levar de três a quatro anos para ter o fechamento completo.
Se não tratadas, as MAVs apresentam um risco de rompimento de 2% a 3% ao ano, acumulativos. “Todo ano ele [o risco] aumenta, caso não seja tratado, e aumenta com a idade, podendo trazer sequelas ou ser fatal”, informa o neurocirurgião da Unifesp.
Após a cirurgia, a recuperação é completa. “Hoje em dia levo uma vida 100% normal. Minhas enxaquecas praticamente cessaram, pratico musculação e balé e participei de duas provas de corrida de 6 km no ano passado. Anualmente faço ressonância para acompanhamento pós-cirúrgico e sigo bem, totalmente curada”, diz Fernanda.
Débora finaliza, aconselhando: “A MAV não é sentença de morte, mas necessita ser assistida por uma equipe especializada na doença. Estou 100%, não tenho sequelas, e isso se deve, principalmente, por eu ter sido tratada por uma equipe especializada na doença”.
Arritmia cardíaca pode causar AVC:
FONTE : R7.com