POLÍTICA

Abin tentou ‘se blindar’ após 8 de Janeiro, e ex-GSI pediu nome fora de relatório, revelam mensagens


Ao longo dos dias que antecederam o 8 de Janeiro, a cúpula da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) não acreditava no potencial dos ataques às sedes dos Três Poderes, mesmo tendo acesso a informações do planejamento dos extremistas, feito em redes sociais e no acampamento no quartel-general do Exército, em Brasília, revelam mensagens obtidas pelo R7. Dois dias antes da invasão dos prédios dos Três Poderes, o risco de uma ação violenta chegou a ser apontado como “bravata” pela Abin.



As mensagens foram trocadas entre o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, general Gonçalves Dias, o diretor-adjunto da Abin, Saulo Moura Cunha, e o secretário de Planejamento e Gestão da agência, Leonardo Singer. Gonçalves Dias recebeu cerca de 20 relatos de Cunha nos dias anteriores à ação dos extremistas dando conta do baixo risco de uma ação violenta, mas foi só na manhã do dia 8 que ele reconheceu: “Vamos ter problemas”.


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As mensagens também revelam como dirigentes da cúpula da Abin chegaram a discutir um plano para se blindarem (“de todas as formas, mas sem relar no G. Dias”) que envolveria até “conseguir um espaço” com alguém próximo ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.



Veja a cronologia das mensagens:


Quinta-feira (5/1): ‘Desmobilização’

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Na quinta-feira anterior aos atos extremistas do 8 de Janeiro, Gonçalves Dias perguntou ao recém-nomeado diretor-adjunto da agência de inteligência, Saulo Moura Cunha, às 8h32, quantas pessoas havia no acampamento em frente ao QG do Exército, em Brasília.


Cunha disse que ia checar, e oito minutos depois respondeu que havia “cerca de 200 pessoas com retirada de estrutura e desmobilização”. “Em dois dias, o número de manifestantes caiu cerca de 50%”, completou, antes de enviar cinco imagens.


Na tarde daquela quinta (5/1), no entanto, o ex-diretor-adjunto da Abin avisou ao ministro do GSI que havia “convocação de atos para os dias 7 e 8” daquele mês e que “esses atos seriam em frente ao Congresso”.


Sexta-feira (6/1): ‘Bravatas’


No dia seguinte, pela manhã, Gonçalves Dias compartilhou uma mensagem postada em grupos classificados por ele como “patriotas” de que haveria uma “frente” mobilizada para “fechar a entrada dos três Poderes em Brasília” e que CACs (colecionadores, atiradores desportivos e caçadores) haviam sido “convocados para dar suporte” à ação dos extremistas.


Em resposta ao então ministro do GSI, Saulo Cunha afirmou que a agência estava “acompanhando” e minimizou o risco de uma ação violenta: “Ao que tudo indica, são bravatas”. Ele ainda negou a existência de ônibus fretados para Brasília, reforçou o mesmo número de acampados no QG do dia anterior (200) e afirmou que o movimento havia sido avaliado como “uma tentativa de reavivar a contestação das eleições”. Ao que Gonçalves Dias apenas reagiu com um sinal de “positivo”.


A partir dali, as mensagens com informações de inteligência enviadas pelo então diretor-adjunto da Abin a Gonçalves Dias mudaram de tom: da avaliação inicial de “baixa adesão ao chamamento para manifestações contrárias ao governo eleito”, às 9h19, passou-se ao alerta de “risco de ações violentas contra edifícios públicos e autoridades”, em mensagem enviada às 20h22. Não há registro de reações do então ministro do GSI.










A véspera (7/1): risco de invasões









No sábado (7/1), a primeira mensagem enviada pelo ex-diretor-adjunto da agência a Gonçalves Dias, às 11h22, constava apenas o “registro de chegada no QG do Exército de 18 ônibus de outros estados para participar de manifestações”.


Entretanto, de acordo com as mensagens trocadas entre Saulo Moura Cunha e o ex-secretário de Planejamento e Gestão da Abin Leonardo Singer, a agência já tinha informações mais cedo e com números bem maiores de manifestantes. Às 7h50, Cunha já tinha enviado a Singer mensagem alertando sobre um grupo de 75 pessoas que teria saído de Goiânia, em dois ônibus, e que estaria “trazendo ao menos quatro pés de cabra”.


Às 8h24, Singer havia compartilhado com o ex-diretor-adjunto um relatório em que afirmava haver “convocação, a nível nacional, para que simpatizantes do movimento patriota se desloquem para Brasília com a intenção de compor o movimento ‘Tomada do Poder’ durante os dias 7 e 8 de janeiro de 2023” e “a expectativa de chegada de 43 ônibus interestaduais com 1.622 passageiros no decorrer do dia”.


A indicação é de que Gonçalves Dias recebeu apenas os compilados informativos, sem os levantamentos informais que eram comentados por Singer e Cunha na conversa privada entre os dois dirigentes da Abin.


Já o relatório enviado a Gonçalves Dias às 11h22 havia circulado entre Singer e Cunha cerca de meia hora antes: às 10h49. E a mensagem alertava ainda para o risco de “ações violentas e tentativas de ocupações de prédios públicos, principalmente na Esplanada dos Ministérios”.


As mensagens mostram que o ex-ministro do GSI recebeu relatórios a cada hora com números em constante crescimento de expectativa de ônibus e manifestantes. Mas, na conversa entre o então secretário e o diretor-adjunto da Abin, desde às 11h51 Leonardo Singer tinha avisado ao seu superior que a expectativa de chegada de manifestantes em Brasília havia subido de 43 para 105 ônibus. “Aumentou bastante”, escreveu.


Em seguida, numa série de mensagens, o ex-secretário da Abin apresenta detalhes sobre os responsáveis pelo fretamento de alguns dos ônibus que estariam transportando grupos de manifestantes para Brasília. Um deles seria “fretado por Sergio Portugal Mendes, candidato a vice-prefeito de Altamira/PA em 2016”, segundo Singer, que conclui: “Ou seja, a chance do movimento no QG aumentar é bem grande. Isso foi só alguns nomes que eu pesquisei”.


“Aumentou muito, Saulo. Dá força ao movimento que quer ocupar o congresso na segunda-feira”, afirma Leonardo Singer. Saulo Cunha pede a ele que seja produzido um novo texto com as novas informações, que lhe é entregue às 12h08, com a atualização de que havia “um total de 105 ônibus [fretados], com cerca de 3.900 passageiros” com destino a Brasília.


A Gonçalves Dias, porém, é repassado por Saulo Cunha apenas o relatório com o número estimado, sem a expectativa de que o movimento iria crescer — o que foi evidenciado pelo então secretário da Abin ao seu superior, mas não repassado ao ministro do GSI à época, de acordo com o que revelam as mensagens obtidas pelo R7.


Em uma mensagem às 16h23, inclusive, Dias é informado de que o movimento teria encolhido, com a indicação da “presença de 58 ônibus interestaduais relacionados ao evento”, e pouco depois o número voltou a crescer constantemente nas atualizações, até estabilizar em 80, ao final do sábado (7/1).










8 de janeiro: ‘Vamos ter problemas’









Na manhã do 8 de Janeiro, após receber de Saulo Cunha a informação de que já haviam chegado “quase 100 ônibus” à área central de Brasília, Gonçalves Dias respondeu: “Vamos ter problemas”.


Pouco antes das 9h, o então ministro do GSI foi avisado da estimativa de que havia 3.000 pessoas reunidas nas proximidades do QG do Exército, além de outras informações logísticas sobre os manifestantes e acampados. Às 11h21, o número de veículos subiu para 121.


Ao meio-dia, Saulo Cunha informou Dias de que o “pessoal do QG” iria começar a descer para a Esplanada às 13h. “Ânimo pacífico entre a maioria, mas houve relatos de pessoas que se dizem armadas”, alertou ao ex-ministro.


A conversa entre Saulo Moura Cunha e Leonardo Singer no domingo, 8 de janeiro, seguiu em tom ameno até as 12h56, quando o ex-diretor-adjunto da Abin questiona um informação, atribuída à SSP-DF, de que haveria 126 ônibus e que o “público estimado na Praça dos Cristais é  de cerca de 5.000 pessoas”. “Concordamos com esse número?”, indagou.


O ex-secretário de Planejamento da agência respondeu que achava “plausível esse número” e que a própria Abin tinha registrado 101 veículos às 8h30 e que “no meio da manhã estava em torno de 116”. Às 13h28, Singer diz ao chefe para enviar uma mensagem a Gonçalves Dias: “Pode dizer pro ministro que cravamos o horário da descida da manifestação”.


Logo depois, às 13h36, Saulo Cunha ordena a Singer que seja iniciada uma avaliação da “capacidade de resposta do GDF a uma tentativa de tomada da Praça dos Três Poderes” e complementou: “Nesta noite. Do tipo amanhã a gente amanhece no Congresso. Igual a turma do [Donald] Trump”.

Quase simultaneamente, Saulo Cunha avisa ao ministro Gonçalves Dias que o grupo de manifestantes do QG havia começado o deslocamento rumo à Esplanada. “Há discursos inflamados e alguns grupos estão pintando o rosto, ao estilo ‘militar em combate'”, alertou.


Gonçalves Dias foi sendo avisado sobre o avanço dos manifestantes e que um grupo entrou em confronto com a Polícia Militar do DF (PMDF), que fazia revista pessoal em quem entrasse na Esplanada (às 14h42). Seis minutos depois, o então ministro do GSI foi avisado que teriam acabado “de invadir a barreira de contenção”. “Polícia revidou, lançou bomba de efeito moral”, escreveu Cunha.


Três minutos depois, às 14h49, Gonçalves Dias é informado de que “muitos participantes do ato” estavam “subindo a rampa do Congresso Nacional”. No prazo de cinco minutos, as mensagens deram conta de que “parte do grupo” também já estaria “no teto” e dentro do Congresso e que havia “participantes exaltados gritando” que iriam invadir o STF. Às 14h57, o então ministro responsável pela segurança de Lula foi avisado de que a Abin considerava que o retorno do presidente a Brasília devesse ser retardado.


Já conversa de Cunha com o ex-secretário da Abin permaneceu em silêncio até o ex-diretor-geral da agência afirmar, às 15h05 (minutos após a invasão simultânea das sedes dos Três Poderes): “Sou foda”. Em seguida, ordenou a Singer: “Quero uma compilação de todos os alertas que fizemos sobre essa movimentação. Desde quinta até hoje”.


Pouco depois, às 15h09, Cunha disse ao ministro Dias que estariam sendo invadidos “o estacionamento e a parte de trás do prédio” do Palácio do Planalto. E, às 15h34, que “cerca de 300 manifestantes” se aproximavam do STF “com a intenção de invadir o prédio”. Às 16h08, ele informou ao ministro que a ordem nos grupos de manifestantes era “acampar dentro do Congresso, Planalto e STF”.


Dias foi informado por Cunha de que a polícia havia conseguido desocupar o STF às 16h45 e “dispersar a rampa frontal do Planalto” às 17h19 e que naquele momento os manifestantes estariam “encurralados”. Somente às 17h39 chegou uma mensagem informando que a situação no Planalto estava “controlada”.


Eram 22h11 quando Gonçalves Dias perguntou ao então diretor-adjunto da Abin como estava “a situação no QG” e recebeu como resposta que uma pessoa lá no local iria estimar um número de manifestantes após o retorno “dos que estavam na Esplanada”.










Diretor-adjunto da Abin: ‘Estamos cobertos’









Ao fim do dia, às 23h15, na conversa com o ex-secretário da Abin, Saulo Cunha disse: “Estamos cobertos”. Ao que Singer respondeu: “A princípio, sim. Precisamos agora apresentar aquele material ao G. Dias”. “Outra: de alguma maneira temos que dizer a ele [Gonçalves Dias, então ministro do GSI] que alguém(s) da equipe dele facilitou a entrada dos manifestantes nos recintos onde armamento estava armazenado”, completou ex-secretário da Abin.


Singer sugere que pode ter havido ajuda aos invasores por parte de integrantes do GSI. “Não é fácil entrar e nem é fácil achar isso. Uma hipótese forte é coordenação entre gente do GSI e gente da manifestação.” O ex-secretário ainda sugeriu que a agência se preservasse ao “insinuar isso tudo com muita leveza e sabedoria” ao então ministro.


O dia seguinte: ‘precisamos nos blindar’


Na segunda-feira, 9 de janeiro, Leonardo Singer afirmou, às 7h36, que o então ministro Gonçalves Dias estava sendo “fortemente atacado, assim como o GSI” e alertou Saulo Cunha: “Narrativa pode mudar contra nós”.


Singer prosseguiu com um plano para que os dois se protegessem, preservando o ex-ministro: “Saulo, precisamos nos blindar de todas as formas, mas sem relar no G. Dias”. “Recomendo conseguir um espaço com algum figurão do MJ [Ministério da Justiça] ou assessoria do Alexandre de Moraes [ministro do STF]”, sugeriu o ex-secretário.

Às 7h52, Leonardo Singer afirma: “Estávamos sabendo também que o povo desceria a Esplanada para vandalizar, mas temos um material que está ficando quente demais nas nossas mãos”. Ele diz que o tal “material” tem que ser entregue “de preferência a uma autoridade que nos dê suporte posteriormente”.


Posicionamentos


“Meu sigilo telefônico foi disponibilizado para a CPMI. Qualquer vazamento constitui crime. E eu irei solicitar ao Senado a apuração”, disse Saulo Cunha ao R7. A reportagem entrou em contato com a Abin, o GSI e a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e aguarda retorno.

noticia por : R7.com

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