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Caiubi Kuhn é Geólogo, mestre em Geociência, Professor na UFMT, Presidente da Federação Brasileira de Geólogos (FEBRAGEO), Presidente do Núcleo Centro Oeste da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental (ABGE).
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Caiubi Kuhn é Geólogo, mestre em Geociência, Professor na UFMT, Presidente da Federação Brasileira de Geólogos (FEBRAGEO), Presidente do Núcleo Centro Oeste da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental (ABGE).
No ano de 2023, conforme o Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID), ocorreram 428 eventos no estado de Mato Grosso, afetando 87% dos municípios. Embora o número pareça elevado, certamente ainda existe uma grande subnotificação no registro de desastres na unidade federativa. Isso ocorre porque o estado de Mato Grosso não possui uma equipe técnica permanente para desenvolver as ações previstas na política de proteção e defesa civil. Da mesma forma, muitos municípios do estado também não possuem equipes técnicas para o desenvolvimento das ações. Este texto abordará a gestão de risco em Mato Grosso e o papel do estado para garantir a proteção da população e reduzir os impactos de eventos extremos.
Entre os eventos recentes, a interdição da MT 251 devido a processos de quedas de blocos no final de 2023, na região do Portão do Inferno, causou inúmeros transtornos. Embora causado a surpresa de muitos, a ocorrência desse tipo de fenômeno na região não é nenhuma novidade. Tanto que no percurso entre a Salgadeira e a Curva da Mata Fria, existem diversas placas indicando a possibilidade de queda de blocos. A região do Portão do Inferno é um dos muitos locais no estado em que podem ocorrer processos de movimento de massa, que venham a afetar rodovias ou outros tipos de estruturas públicas ou áreas residenciais.
Em 2008, uma queda de bloco na cachoeira do Véu de Noiva ocasionou a morte de uma pessoa. Diversos outros eventos de quedas de blocos são registrados em Chapada dos Guimarães e em outros municípios do estado, onde existem relevos íngremes. Esse processo natural é comum em locais como cachoeiras ou áreas próximas a paredões (escarpas). Além das quedas de blocos, outros processos como deslizamentos, colapsos, erosões de grande porte como ravinas e voçorocas, eventos de seca, incêndios, inundações e alagamentos, podem ser citados como processos recorrentes em diversos locais do estado de Mato Grosso. A ocorrência de desastres naturais pode ser ampliada devido às mudanças climáticas, uma vez que os eventos climáticos extremos tendem a ocorrer com mais frequência. Neste cenário, de quem seria então a responsabilidade de desenvolver ações que possam garantir a proteção e segurança para população?
O mega desastre na Região Serrana do Rio de Janeiro em 2011 levou à mobilização política em Brasília, que deu origem à Lei 12.608/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC. A nova legislação consolidou avanços importantes relacionados a planos de contingência, desenvolvimento de ações de prevenção e preparação a desastres. Desta forma, a lei trouxe um importante viés de prevenção.
Conforme a PNPDEC, entre as competências dos estados estão: III – instituir o Plano Estadual de Proteção e Defesa Civil; IV – identificar e mapear as áreas de risco e realizar estudos de identificação de ameaças, suscetibilidades e vulnerabilidades, em articulação com a União e os Municípios; V – realizar o monitoramento meteorológico, hidrológico e geológico das áreas de risco, em articulação com a União e os Municípios; VIII – apoiar, sempre que necessário, os Municípios no levantamento das áreas de risco, na elaboração dos Planos de Contingência de Proteção e Defesa Civil e na divulgação de protocolos de prevenção e alerta e de ações emergenciais, entre outras.
Por outro lado, é função dos municípios: IV – identificar e mapear as áreas de risco de desastres; V – promover a fiscalização das áreas de risco de desastre e vedar novas ocupações nessas áreas; V-A – realizar, em articulação com a União e os Estados, o monitoramento em tempo real das áreas classificadas como de risco alto e muito alto; VII – vistoriar edificações e áreas de risco e promover, quando for o caso, a intervenção preventiva e a evacuação da população das áreas de alto risco ou das edificações vulneráveis, entre outras.
Entre as funções comuns da União, aos Estados e aos Municípios: I – desenvolver cultura nacional de prevenção de desastres, destinada ao desenvolvimento da consciência nacional acerca dos riscos de desastre no País; II – estimular comportamentos de prevenção capazes de evitar ou minimizar a ocorrência de desastres; III – estimular a reorganização do setor produtivo e a reestruturação econômica das áreas atingidas por desastres; IV – estabelecer medidas preventivas de segurança contra desastres em escolas e hospitais situados em áreas de risco; V – oferecer capacitação de recursos humanos para as ações de proteção e defesa civil; e VI – fornecer dados e informações para o sistema nacional de informações e monitoramento de desastres.
A lei cita que muitas das ações precisam ser realizadas de forma conjunta em estado e municípios e que na falta de capacidade dos municípios em desenvolver as ações, cabe ao estado dar suporte. Em Mato Grosso, apenas 13 municípios possuem mais de 50 mil habitantes e mais de 100 municípios possuem menos de 20 mil habitantes. Ter uma equipe técnica multidisciplinar para lidar com os diferentes tipos áreas de risco se torna pouco provável para muitos dos municípios menores e com menos recursos. O problema é que, diferente de outros estados, Mato Grosso não possui uma equipe técnica permanente para realizar as ações previstas na política nacional de proteção e defesa civil. O cenário é o mesmo na capital, Cuiabá.
A falta de equipe técnica dificulta o acesso a recursos federais por parte dos municípios, para que pudessem por exemplo, desenvolver as ações de prevenção e monitoramento. Para que captar recursos, é necessário a apresentação dos estudos técnicos que caracterizem as áreas de risco e demonstrem as soluções que serão aplicadas no local. Mas como fazer isso sem os profissionais adequados para realizar essas análises?
O resultado da falta das ações adequadas de prevenção, monitoramento e orientação para população, ocasionam anualmente perdas econômicas, sociais e em alguns casos, fatalidades. Quais os impactos da interdição de uma rodovia? Quais os impactos de um alagamento ou de uma erosão de grande porte? Ao reduzir os impactos ou evitar que um desastre aconteça, além de salvar vidas, se pode também evitar perdas que facilmente superam milhares ou até dezenas de milhões de reais.
O caso da MT 251 tem levantado no meio política o debate sobre possíveis soluções. Porém, a construção de um túnel, por exemplo, não eliminaria o risco de ocorrer quedas de blocos por completo, uma vez que ainda poderiam ocorrer próximas às bocas do túnel. Já no caso da construção das MT 030, ainda assim, o percurso passará por áreas onde podem ocorrer processos como quedas de blocos e deslizamentos. Ou seja, não existe solução mágica. Para qualquer que seja a escolha, a gestão de risco precisa ser um dos pontos centrais da solução escolhida.
Para mudar essa realidade, o Governo e a Assembleia Legislativa precisam priorizar a instrumentalização de um setor técnico permanente na Defesa Civil estadual. É necessário urgentemente a realização de concursos para criação da equipe técnica e a disponibilização de recursos no orçamento para desenvolver o previsto na Lei 12.608/2012. Mato Grosso precisa seguir o exemplo de outros estados, e países que entenderam que a prevenção é sempre a melhor escolha. Somente assim, o estado fará sua parte para garantir a proteção da população, mesmo no caso da ocorrência de eventos extremos ocasionados pelas mudanças climáticas.
Caiubi Kuhn é Geólogo, mestre em Geociência, Professor na UFMT, Presidente da Federação Brasileira de Geólogos (FEBRAGEO), Presidente do Núcleo Centro Oeste da Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental (ABGE).
FONTE : ReporterMT