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Maria Augusta Ribeiro é especialista em netnografia e comportamento digital.
MARIA AUGUSTA RIBEIRO
A tecnologia que beneficia a sociedade também traz novos desafios. E um deles é a morte. Como passamos o processo de luto em tempos hiperconectados?
Na era das redes sociais, a expressão “luto digital” emerge como uma realidade para aqueles que enfrentam a perda de entes queridos, mas permanecem conectados ao mundo online.
Se você tivesse a oportunidade de falar com quem já se foi como seria? A maioria das pessoas conectadas posta em suas redes memorias, houve áudios do whatsapp e alguns ficam revivendo todos esses momentos.
Longe de mim, debochar da dor de alguém, mas de fato, se você vive ou viveu um processo de luto, ele foi digital? Você com tempo conseguiu se desconectar dessa dor e também das redes digitais?
Recentemente vivi a experiencia do luto e confesso foi muito difícil não me apegar as mensagens de voz do meu pai. Recomendo que faça esse desapego no seu tempo, eu já comecei a apagar as mensagens, mas ainda sem coragem de parar de seguir meu pai no instagram mesmo sabendo que ele se foi.
O Luto Digital e Sua Complexidade
À medida que nossa presença virtual se torna mais expressiva, é cada vez mais comum encontrarmos perfis de pessoas falecidas nas redes sociais, com fotos, vídeos e homenagens digitais. Esse fenômeno adiciona uma camada de complexidade ao processo de luto, pois as lembranças e interações virtuais estão sempre acessíveis.
As redes sociais permitem que as memórias de entes queridos se mantenham vivas, transformando perfis em verdadeiros memoriais digitais. Amigos e familiares compartilham mensagens de amor, fotos e histórias, criando um espaço para relembrar e honrar aqueles que se foram. No entanto, embora essas conexões ofereçam conforto, como é que nos desvinculamos da armadilha que pode intensificar a dor da perda, já que a lembrança está a um clique de distância.
Desafios do Luto Digital
Apesar de algumas pessoas encontrarem consolo nesse ambiente digital, o luto online apresenta desafios particulares. Um dos principais problemas é a exposição contínua a essas memórias virtuais, o que pode dificultar a aceitação e superação da perda. Sem um espaço físico dedicado ao luto, muitos sentem falta do apoio emocional que locais como cemitérios, templos ou igrejas costumam oferecer.
Uma psicóloga que conheço, relatou recentemente que muitos de seus pacientes em luto revivem incessantemente vídeos, áudios e mensagens do ente querido falecido. Isso impede o avanço no processo de cura, pois o virtual se sobrepõe ao real, tornando a perda quase “eterna” no ambiente digital.
Diante dessa nova realidade, sem julgar a forma como cada um vive o seu luto, é fundamental estabelecer estratégias que tornem essas memórias relevantes sem prolongar o sofrimento. Algumas práticas podem ajudar a gerenciar o luto digital de maneira saudável.
Como Gerenciar o Luto Digital
Estabeleça Limites:
Defina limites claros para o tempo gasto nas redes sociais e na exposição a memórias virtuais. Permita-se momentos de desconexão para focar em seu processo de luto e cuidar da saúde mental. Muitas vezes o ato de ficar triste e chorar é muito mais valido do que ficar vivenciado a dor nas redes.
Comunique Suas Necessidades:
Se as memórias virtuais se tornarem dolorosas, informe amigos e familiares sobre suas necessidades. Peça gentilmente que evitem compartilhar excessivamente conteúdos relacionados ao falecido, respeitando seu espaço emocional. A sim um abraço afetuoso vale mais que mil curtidas.
Crie Memórias Offline:
Cultive rituais fora do ambiente digital para homenagear seu ente querido. Acender uma vela, escrever uma carta, visitar um lugar especial ou compartilhar histórias em família são formas de manter uma conexão emocional mais saudável.
Busque Apoio Offline:
O apoio presencial é insubstituível. Falar sobre sua dor com amigos, familiares, especialistas ou grupos de apoio presencial pode oferecer o conforto e a compreensão que a comunicação online muitas vezes não proporciona.
Além disso, algumas plataformas já oferecem recursos para ajudar nesse processo. O WhatsApp, por exemplo, possui uma função de luto que permite a desativação temporária de contas por 120 dias. Outros familiares podem incluir símbolos de luto nos perfis para sinalizar a perda e reduzir o fluxo de interações.
Somente quem passa pelo luto sabe a profundidade da dor envolvida. Entretanto, esse processo pode fortalecer nossas crenças e valores, permitindo que a lembrança se transforme em uma fonte de empatia. Quando a dor cede lugar às memórias, somos capazes de nos conectar mais profundamente com aqueles que também vivenciam essa difícil jornada e sim muitas vezes a tecnologia vai atrapalhar todo esse processo de cura.
Maria Augusta Ribeiro é especialista em comportamento digital e Netnografia no Belicosa.com.br
FONTE : ReporterMT