POLÍCIA

A crise dos 35 anos

Dia 25 de outubro é um marco simbólico para a democracia brasileira. A data remete ao assassinato do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975. E é em outubro, 13 anos depois de sua morte, que celebramos a promulgação da nossa Constituição Cidadã, em 1988. Fosse a democracia uma pessoa, seria uma adulta apresentando sinais de crise de meia-idade.

Para a história de um regime político, 35 anos parece pouco. No entanto, os desafios enfrentados pela nossa democracia são evidentes. Paira no ar um descontentamento com o regime democrático em diversas nações ao redor do mundo, em especial nas democracias emergentes, como a brasileira, marcada pela corrupção, clientelismo e protecionismo institucional. Não à toa o país assistiu, ano passado, pessoas questionando a legitimidade das urnas eletrônicas ou rogando pela tomada de controle do poder pelas forças armadas.

Apenas na última década, a população viu movimentos populares, como o Movimento Passe Livre, ocupar, legitimamente, as principais avenidas e espaços públicos do Brasil e, bem mais recentemente, viu os lamentáveis acontecimentos de 08 de janeiro, nossa releitura de “invasão do Capitólio”. Goste-se ou não, concorde-se ou não, esses eventos, separados por quase 10 anos, são claros indicativos desse descontentamento com nosso regime político. Nesse contexto, nossas instituições, que são os pilares da democracia, não estão isentas de responsabilidade.

Nosso Supremo Tribunal Federal parece sobrecarregado com sua função, similar à de corregedor geral da República. Nossa extensa Constituição abrange uma variedade de temas, para muito além das garantias individuais do cidadão. Há abrigo constitucional para a organização de trabalho, o meio-ambiente, a proteção à criança, ao jovem, ao idoso, a família, a previdência social, as terras indígenas, o esporte, e até ao Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro.

Além disso, são diversos os mecanismos constitucionalmente previstos para provocar a análise do Supremo Tribunal Federal sobre algum desses assuntos, sendo também diversas pessoas legitimadas para acionar o Tribunal que, uma vez provocado, não pode deixar de decidir.

Nesse cenário, o STF constantemente se vê no centro das atenções nacionais, sendo verdadeiramente alta a probabilidade de que quase todos os assuntos da República sejam submetidos, em algum momento, para apreciação da mais alta corte de Justiça nacional. Se não bastasse, é também no STF que quase a totalidade de casos criminais de repercussão nacional são decididos, às vezes de forma incompreendida pela população geral, que não é formada por juristas.

Essa característica não agrada a todos, e é bem verdade que agradar não é função primordial do Supremo, já que seus Ministros não são eleitos e, portanto, não devem satisfações aos seus inexistentes eleitores. Ainda assim, há uma parcela da população que entende como exacerbada as constantes intervenções do STF, levando a questionar a legitimidade e até a necessidade da Suprema Corte.

Certamente esse protagonismo não agrada parcela dos integrantes dos demais poderes, legislativo e Executivo, esses sim legitimamente eleitos para representar o povo brasileiro. A crescente tensão entre os poderes é evidente nas recentes decisões e propostas que desafiam o entendimento consolidado do STF sobre direitos fundamentais. É o caso, por exemplo, da aprovação, por uma das Comissões da Câmara dos Deputados, da proibição do casamento homoafetivo, 10 anos após o Supremo ter estabelecido o direito ao reconhecimento de união estável por esses casais.

É da outra casa do poder legislativo, o Senado Federal, a proposta para incluir no texto constitucional a expressa proibição de posse ou porte de qualquer quantidade de drogas para consumo próprio. A proposta surge em tom de duelo entre os Poderes, na medida em que o STF já firmou, recentemente, maioria para decidir sobre a descriminalização de drogas para porte pessoal.

Nessa briga de foice, o verdadeiro prejudicado é o cidadão. O embate entre as instituições é saudável para a preservação da democracia, pensada justamente em um sistema de freios e contrapesos. Mas não da forma que é visto hoje, quando o que se parece é demonstrar quem deve ter a última palavra, ou quem aparenta ter mais força.

A frase atribuída à Winston Churchill, permanece intacta. A democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as demais. Urge, no entanto, que haja um esforço para a retomada de prestígio das instituições democráticas, para que nossa democracia siga intacta, comemorando seus aniversários, e envelhecendo cada vez mais, como deve ser.

Enzo Fachini é Advogado criminalista. Mestre e especialista em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas

 

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FONTE : ReporterMT

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