A busca por entendimento também esteve presente no mês de outubro em Barbados, quando as delegações do governo e da oposição viajaram ao pequeno país caribenho para assinar o acordo que definiu as regras eleitorais para 2024. Ali, as partes decidiram, entre outras coisas, diminuir o clima de tensão política e respeitar os resultados do próximo pleito presidencial.
“Levando em conta o cenário que predominou nos últimos anos, pensar em um tratado nesse sentido era algo utópico”, opina Stephanie Braun Clemente. Ao Brasil de Fato, a doutoranda em Relações Internacionais e pesquisadora do Observatório Político Sul-Americano (OPSA) da UERJ destaca a complexidade por trás do consenso e afirma que a assinatura do acordo de Barbados se deveu “à pressão dos Estados Unidos”.
“Mas a efetividade do acordo ainda não é algo, de fato, concreto para avaliação. Afinal, suas principais pautas, que versam no sentido de haver eleições limpas, livres e democráticas no país em 2024 e a suspensão das inelegibilidades que pesam sobre candidatos opositores, ainda não foram colocadas em prática”, aponta.
A pesquisadora ainda acredita que o acordo entre governo e oposição “se apresenta como um instrumento da capacidade do governo Maduro de dialogar com a oposição, visando a suspensão de sanções, ainda que não existam planos concretos para tirar do papel todas as pautas levantadas na reunião”.
“Já para a oposição, esses diálogos representam uma tentativa de concorrer nas eleições de 2024, principalmente tendo em vista que a candidata que venceu as primárias opositoras, Maria Corina Machado, ainda se encontra inelegível. Como a linha de atuação anterior dos EUA se mostrou pouco efetiva em conseguir abalar, desestabilizar e retirar Maduro do poder, o foco agora é ter algum grau de participação no pleito presidencial”, diz.
Essequibo: consenso, tensão e acordo
Um dos pontos que esteve presente no acordo de Barbados e angariou a concordância de ambas as partes foi a reivindicação pelo território do Essequibo, que dominou a pauta venezuelana no último trimestre do ano. O tema foi, de fato, o grande consenso nacional que conseguiu unificar governo, oposição e praticamente todos os setores da sociedade civil em torno do referendo realizado no dia 3 de dezembro.
A comprovação foi a vitória expressiva da opção “sim”, que recebeu mais de 96% dos votos e referendou o apoio dos eleitores à condução do governo sobre a controvérsia territorial. A defesa da soberania venezuelana sobre o território de 160 mil km² rico em petróleo se tornou um tema nacional e acirrou ainda mais as tensões do país com a vizinha Guiana, a contraparte interessada na disputa.
O país acusa Caracas de “expansionismo” e diz que o Essequibo é parte de seu território. A disputa, no entanto, ganhou contornos mais tensos desde 2019, quando a Guiana emitiu concessões à empresa estadunidense Exxon Mobil para que ela explorasse as enormes reservas marítimas de petróleo na costa no território, estimadas em 11 bilhões de barris.
Mas a Venezuela classifica os contratos como “ilegais” por se tratar de autorizações envolvendo um território não delimitado. O governo Maduro chegou a cogitar possíveis mecanismos de cooperação para explorar a área de maneira conjunta, mas analistas veem com ceticismo essa opção.
“Acredito que é muito difícil recuperar o território do Essequibo para o país”, opina o economista Manuel Sutherland. Ao Brasil de Fato, ele alega que a Venezuela não teria o apoio de aliados tradicionais como Nicarágua e Cuba na disputa territorial e que, além disso, do ponto de vista econômico, seria difícil pensar em empresas mistas de petróleo no Essequibo.
“Atualmente a PDVSA tem dificuldades econômicas enormes, não tem fluxo de caixa, não tem uma poupança grande e as sanções não permitem que a PDVSA acesse o mercado mundial de maneira orgânica”, diz.
A controvérsia envolvendo o Essequibo, entretanto, não é apenas econômica e chegou a suscitar ameaças bélicas nas últimas semanas do ano. O envolvimento de militares venezuelanos na campanha pelo referendo e os exercícios militares realizados pelos EUA em conjunto com a Guiana no Essequibo elevaram as tensões na fronteira dos dois países sul-americanos.
O clima só se arrefeceu após os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Guiana, Irfaan Ali, se reunirem em São Vicente e Granadinas no dia 14 de dezembro. Ambos se comprometeram a não utilizar a força para solucionar a disputa territorial e agendaram uma próxima reunião que deve ocorrer dentro de três meses no Brasil. O governo Lula, representado pelo assessor especial da Presidência, Celso Amorim, foi um dos mediadores do diálogo entre Caracas e Georgetown.
Para o próximo ano, a resolução da disputa na fronteira deve dividir a atenção do governo Maduro com pautas internas como a campanha presidencial e a manutenção dos alívios no bloqueio, opina a pesquisadora Stephanie Braun Clemente.
“Manter a suspensão das sanções é importante para o governo, por isso eu acho que temáticas domésticas como a questão das inabilitações, a definição da data das eleições, as regras de campanha e o calendário eleitoral acabarão ganhando maior atenção em 2024”, diz.
noticia por : UOL