A vila Serafina, na Reserva Extrativista Terra Grande Pracuúba em Curralinho (PA), recebeu na quinta-feira (22) um conjunto de aparelhos para se ligar à internet de banda larga. É a milésima comunidade a entrar na rede Conexão Povos da Floresta, projeto que começou há meros 18 meses.
Serafina é uma das 23 comunidades dessa Resex, unidade de conservação que admite a exploração de recursos naturais de maneira sustentável. Os habitantes dos quase 2.000 km2 da reserva na região do Marajó vivem da extração de açaí e palmitos, pesca, caça e agricultura.
Várias dessas comunidades estão engajadas em desenvolver turismo de base comunitária, em que visitantes se hospedam nas casas dos moradores ou pousadas simples. Imagine a dificuldade que seria organizar a logística, processar reservas etc. sem conexão boa de internet.
A iniciativa Conexão já mapeou 4.537 aldeias indígenas, quilombos e assentamentos extrativistas. A meta para 2025 é chegar a 1 milhão de pessoas em 5.000 desses locais isolados, a maioria na Amazônia, entregando em cada um kits de energia solar de fácil instalação para alimentar a antena de internet por satélite.
Os kits foram desenvolvidos para resistir às condições ambientais das matas úmidas. Buscaram-se soluções para problemas como dificuldade de manutenção, raios e resistência à água, que não raro tornam inoperantes computadores e modems em tantas escolas públicas do país.
Não se trata só de doar equipamentos, mas de montar uma teia estruturada para a troca de informações sobre boas práticas. Cada comunidade decide quais são as regras de uso da rede local, que serão monitoradas com um aplicativo para celular.
As prioridades do sistema se voltam para inclusão digital, saúde (telemedicina), proteção territorial (demarcação etc.), educação, cultura/ancestralidade (documentação, difusão) e empreendedorismo. Para cada um desses pilares constituiu-se um grupo de trabalho.
À frente da iniciativa estão o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS, antigo Conselho Nacional de Seringueiros), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
Participam ainda mais de 60 ONGs, fundações, empresas e o governo do Reino Unido. O presidente do conselho deliberativo é uma espécie de ativista pós-moderno, Tasso Azevedo.
A estrutura de rede virtual está na base de outro caso de sucesso envolvendo Tasso, como é conhecido o engenheiro florestal: MapBiomas, teia de dezenas de ONGs e empresas que hoje publica a cada ano uma coleção de mapas com a série histórica desde 1985 do uso do solo nos seis biomas nacionais (amazônia, caatinga, cerrado, mata atlântica, pampa e pantanal).
“O MapBiomas não é uma entidade, é um método”, disse Tasso à plateia de estudantes e professores da Universidade Harvard (EUA), que organizou viagem de dez dias de imersão na Amazônia (da qual participei a convite, como enviado da Folha). Para cada pixel de 30 m dos mapas gerados a base de dados reúne toda a história, ano a ano, das mudanças de uso da terra naquele ponto do território.
Graças ao MapBiomas se constata, entre outras coisas, que no presente as áreas de garimpo impactam superfície maior que a de toda a mineração industrial no Brasil. Não é pouca porcaria.
Agora, graças à Conexão Povos da Floresta, as comunidades afetadas pelo tsunami de extração ilegal se tornam tão conectadas por satélite quanto os garimpeiros já estão há tempos, com as antenas portáteis de Elon Musk. Tecnologia não para destruição, mas sim para defesa da vida humana e da floresta em pé.
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noticia por : UOL