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Ultraliberal Javier Milei surpreende e larga na frente nas eleições primárias da Argentina

A Argentina fez jus às expectativas de uma de suas eleições mais incertas das últimas décadas e, contrariando as previsões dominantes nas últimas semanas, teve como principal vencedor de suas primárias o deputado ultraliberal Javier Milei, representante do voto raivoso contra as forças políticas tradicionais.

O autointitulado “anarcocapitalista” foi o candidato mais votado neste domingo (13), recebendo 30,2% dos votos com mais de 95% das urnas apuradas. Logo atrás veio a coalizão de oposição Juntos por el Cambio, com 28,3%. A aliança peronista e governista União pela Pátria ficou em terceiro, com 27,2%, o pior desempenho do movimento desde que as eleições primárias foram implementadas, há 12 anos.

A guinada a uma direita mais extremista no país ficou clara também com a vitória de Patricia Bullrich, mais linha-dura, sobre Horacio Rodriguez Larreta, mais moderado, na disputa interna do Juntos por el Cambio. A ex-ministra da Segurança de Mauricio Macri (2015-2019) garantiu sua vaga no primeiro turno de outubro com 17% dos votos nominais, ante 11,3% do dirigente de Buenos Aires.

O ministro da Economia peronista, Sergio Massa, por sua vez, angariou 21,4% dos votos. Trata-se um resultado histórico para uma eleição primária presidencial no país, já que desde 2011 as alianças peronistas acumulavam as maiores porcentagens.

Os números fizeram cair por terra a ideia de que Milei vinha se desidratando nas últimas semanas, após o fracasso dos candidatos de sua coalizão A Liberdade Avança nas eleições locais. O político se apresenta como um candidato da terceira via, “diferente de tudo o que está aí”, e tem como principais bandeiras a anticorrupção e um neoliberalismo radical.

“Viva a liberdade”, gritou ele ao subir ao palco neste domingo, chorando, enquanto ouvia seus seguidores cantarem “se sente, se sente, Milei presidente”. Ele agradeceu aqueles que o ajudaram, palavras dele, a construir uma “alternativa competitiva que dará fim não só ao kirchnerismo, mas também a toda a casta parasitária deste país”, expressão que ele usa para se referir à classe política.

Os posicionamentos e a forma agressiva de falar renderam ao ultradireitista a alcunha de “Bolsonaro argentino”, reforçada por sua proximidade com o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Na última quinta-feira (10), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em pessoa publicou um vídeo em apoio ao candidato do país vizinho. “Temos muita coisa em comum”, disse.

Economista de formação, Milei ganhou fama comentando o tema na imprensa e, em 2021, foi eleito deputado federal por Buenos Aires. Sua atuação na Câmara é mínima, e ele sorteia de tempos em tempos o salário que ganha como parlamentar. Na juventude, além de encabeçar uma banda cover dos Rolling Stones, foi goleiro do time portenho Chacarita.

Suas propostas para a área econômica, que incluem substituir o peso argentino pelo dólar e fechar o Banco Central, colaboraram para a alavancar sua candidatura, já que ele foi um dos poucos presidenciáveis a abordar diretamente na campanha a inflação anual de 116% e o índice de pobreza próximo aos 40% que tanto afligem a população.

Outras de suas ideias são tão radicais que é difícil prever seus efeitos caso sejam postas em prática. Milei já defendeu medidas como a legalização da venda de órgãos e o fim das escolas públicas. Seu programa de governo descreve um projeto com prazo de 35 anos no qual o país se abriria de forma “unilateral ao comércio internacional” e eliminaria os impostos sobre exportações e importações.

Também Bullrich, à frente na coalizão Juntos por el Cambio, aposta no liberalismo como solução para a crise econômica argentina, ainda que com propostas bem menos extremas. Repete que vai reduzir os gastos do Estado e derrubar as restrições à compra de dólares.

Sua campanha ainda tem como foco a violência, segunda maior preocupação dos argentinos, com propostas como a construção de prisões de segurança máxima e punições mais severas para infratores acima de 14 anos.

Em entrevista no início do ano, seu vice, Luis Petri, citou Nayib Bukele, presidente de El Salvador cuja política de segurança tem entre os seus marcos a inauguração de um megapresídio para 40 mil detentos, como um exemplo na área. “A Argentina precisa de mais Bukeles e menos Zaffaronis”, disse, referindo-se Eugenio Raúl Zaffaroni, juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos a quem acusou de “estar ao lado dos delinquentes”.

“Se estivéssemos em um país normal, estaríamos comemorando esta eleição. Mas estamos nesta Argentina, e nós argentinos vivemos com angústia, com medo, sem poder sentir, sonhar, projetar ou viver uma vida normal. Mas também temos motivos para celebrar juntos”, discursou ela em meio a gritos de “Patricia presidente”. Durante a campanha, ela explorou a ideia de que vai “pôr ordem” no país.

Além dos postulantes à Presidência, os argentinos decidiram os candidatos que concorrerão a um terço do Senado, metade da Câmara de Deputados e a governos importantes, como o da província e da cidade de Buenos Aires. Seguindo tendências histórias, o peronismo foi a força mais votada na província, e o Juntos por el Cambio venceu na capital.

Na cidade, aliás, as eleições primárias foram marcadas por críticas generalizadas à organização dos centros eleitorais. Os portenhos votaram com cédulas de papel para as eleições nacionais e, em seguida, em urnas eletrônicas para o pleito local, o que causou longas filas, pelas dúvidas sobre como utilizar a máquina e falhas nos equipamentos.

Isso fez o término da votação e a contagem dos resultados atrasarem, com os primeiros números sendo divulgados apenas depois das 22h30. A grande espera e a falta de organização contribuíram para o já temido nível de participação mais baixo desde que as primárias presidenciais foram implementadas, 12 anos atrás: 69% do total de eleitores compareceram às urnas, ou sete pontos percentuais a menos do que os 76% presentes em 2019.

noticia por : UOL

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