MUNDO

Série sobre fuga de Carlos Ghosn prende a atenção com sede de poder, conspirações e vaidade

A primeira fala da série “Procurado – A Fuga de Carlos Ghosn” vem de uma antiga entrevista do ex-presidente da Aliança Renault-Nissan.

“Sucesso pode gerar problema. O perigo é esquecer o que resultou no sucesso. Você pode se tornar egocêntrico, arrogante”, diz Ghosn. “Aprender com o fracasso pode trazer muitas coisas positivas para você, e deixar-se levar pelo sucesso pode causar grandes decepções no futuro.”

Em seguida, a abertura exibe uma rápida colagem de fotos do executivo em diferentes épocas. Apesar da evidente diferença de idade entre uma imagem e outra, dá a impressão de se tratar da revelação de múltiplos disfarces.

Esses recortes induzem a um pré-julgamento do que está por vir, mas a série de quatro episódios da Apple TV+ dribla conclusões precipitadas e faz o melhor retrato de Carlos Ghosn desde a sua saída clandestina do Japão, em um caixa de instrumentos musicais, há três anos.

O espectador logo descobre que Ghosn nasceu em Porto Velho (RO). Filho de pais libaneses, passou parte da infância no Rio e, nos anos 1960, mudou-se para Beirute. Seus estudos foram concluídos na França, onde se formou engenheiro.

A série ressalta que a vivência global de Ghosn contribuiu para seu sucesso no mundo corporativo. A ascensão foi notável na Michelin, onde iniciou sua carreira. Aos 30, já era diretor de operações da fabricante de pneus na América do Sul. Quando saiu de lá, em 1996, era o CEO da empresa nos Estados Unidos.

O passo seguinte foi assumir a vice-presidência executiva da Renault, momento em que nasce o mito do “cost killer” (cortador de custos). Ele colocou as contas da casa em dia e conduziu a aliança com a Nissan.

No documentário, quem conta essa história é o CEO da montadora entre 1992 e 2005, Louis Schweitzer. Esse é um outro mérito da série: voltar as câmeras para personagens que traçam o perfil de Ghosn, mas também contam a própria história –a começar por Carole, sua mulher. Há ainda executivos, jornalistas e ex-colegas de trabalho que foram envolvidos no escândalo.

Um deles é Greg Kelly, ex-diretor de RH da Nissan. Em 2018, ele foi levado a Tóquio às pressas. Chegando lá, foi preso: era um estratagema elaborado pela justiça japonesa para chegar ao então presidente do grupo. O plano só seria possível com as informações passadas pela montadora, o que embasa as alegações de conspiração feitas pelo alvo principal.

Ghosn tem espaço para contar sua versão, que serve como fio condutor da trama. Suas falas expõem problemas dos sistemas judiciário e prisional japoneses e não são rebatidas à altura por representantes do governo. A eloquência do ex-CEO se impõe nesses momentos, mas a direção da série consegue equilibrar os pratos.

Os questionamentos se tornam mais presentes ao longo dos episódios, que constroem e desconstroem a imagem daquele que comandou um império industrial. A ideia de que seu calvário não passou de um plano para evitar a fusão plena de Renault e Nissan é confrontada com indícios de má conduta financeira –incluindo práticas, de fato, criminosas.

O interesse do espectador é mantido por fatores que já garantiram o sucesso de séries ficcionais como Dallas, Billions ou Succession. Um deles é a combinação de poder, vaidade e soberba, que leva a escorregões como a festa de aniversário milionária promovida por Ghosn no palácio de Versalhes –paga com o dinheiro da Aliança Renault-Nissan. O episódio merece destaque logo no início da série documental.

Outro ponto que captura a atenção do público é a fuga em si, contada em detalhes por Michael Taylor. Ele lembra o personagem Ed Galbraith de Breaking Bad. Interpretado por Robert Forster (1941-2019), fazia qualquer pessoa desaparecer de um lugar e ressurgir em outro, com nova identidade.

A história de Taylor merece sua própria série.

noticia por : UOL

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