MUNDO

Será esse o fim da big science americana?

“A reeleição de Donald Trump agora dá a impressão de ser o pior ato de autodestruição americana desde a Guerra Civil.” Se você acha a frase exagerada, coisa de ativista de esquerda sem ter o que fazer, vou contar um segredinho: ela vem de um sujeito que normalmente escreve sobre… descoberta e testes de novos medicamentos.

Com efeito, alguns dos posts mais recentes de Derek Lowe em seu blog no periódico especializado Science falam de nerdices da biologia molecular. São coisas como receptores do hormônio feminino estrogênio, substâncias produzidas pelo metabolismo de bactérias e antídotos contra venenos de serpentes.

Mas Lowe é também um profundo conhecedor do ecossistema de pesquisa científica e inovação dos EUA. Um ecossistema que Donald Trump e seu buldogue Elon Musk, ao que parece, estão tentando destruir, conforme o especialista explica em detalhes na sua página da Science.

Acontece que, na semana passada, o governo Trump simplesmente mandou congelar, de uma hora para outra, praticamente todo o financiamento dos principais órgãos federais de financiamento à pesquisa dos EUA. E não se trata de dinheiro de pinga.

Somando o orçamento anual do NIH (sigla de Institutos Nacionais de Saúde, voltados para as mais diversas formas de pesquisa biomédica) e da NSF (Fundação Nacional de Ciência, que financia pesquisas em outras áreas), estamos falando de US$ 55 bilhões. Dá quase 19 vezes o orçamento do nosso MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) no ano passado.

O setor privado americano tem um papel consideravelmente mais robusto que o nosso nas áreas de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, mas as áreas mais inovadoras e arriscadas da ciência, que fizeram os EUA assumirem a liderança em pesquisa no planeta, dependem substancialmente do dinheiro público federal.

Com o congelamento de Trump, esse dinheiro corre sério risco de evaporar —o que ainda não aconteceu, por enquanto, graças ao equivalente americano de liminares de juízes. A ordem, se as liminares caírem e ela tiver de ser cumprida, impediria laboratórios de comprar insumos, de pagar técnicos e até de continuar repassando bolsas de estudo para alunos de doutorado e pesquisadores de pós-doutorado, a mão-de-obra altamente qualificada (e precarizada) que, lá como cá, é quem carrega o piano da geração de conhecimento.

A ameaça de fechar a torneira da noite para o dia foi acompanhada de um gentil memorando para os funcionários dessas instituições sugerindo que aquele talvez fosse um excelente momento para eles procurarem um emprego na iniciativa privada e que as condições para isso no futuro não seriam tão favoráveis. E, numa reunião dos funcionários da NSF, falou-se numa demissão de metade da equipe nos próximos dois meses.

É nessas horas que fica ainda mais claro que, por trás das críticas a uma suposta ideologização da ciência pelo pensamento “woke”, o verdadeiro coquetel de ideologias malucas é aquele ingerido pela extrema direita. Ébrios com seu suquinho de Estado mínimo e “eficiência”, doidos para aterrorizar inimigos reais e imaginários, Musk e Trump podem acabar enterrando uma das últimas hegemonias incontestáveis do país.

E ainda dizem que esses são os verdadeiros patriotas.


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noticia por : UOL

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