MUNDO

Rastros de psicodélicos são encontrados em caneca do Antigo Egito

Branko van Oppen de Ruiter estava em casa, na Holanda, trabalhando remotamente para seu novo empregador, o Museu de Arte de Tampa, que o nomeou curador de exposições gregas e romanas, quando algo chamou sua atenção. O coronavírus havia atrasado sua mudança para a Flórida, então ele fez o que pôde estudando as coleções do museu à distância.

Foi quando ele notou, em uma lista do museu, o registro de uma caneca do segundo século a.C. com o rosto de Bes, um antigo deus egípcio notoriamente feio que gostava de festas. Havia uma peça idêntica no museu Allard Pierson de antiguidades em Amsterdã, onde o Van Oppen trabalhou anteriormente. “Aquilo me fascinou”, afirmou o curador.

Arqueólogos e químicos analisaram a caneca e encontraram uma grande surpresa: vestígios de plantas alucinógenas. Como eles e Van Oppen escreveram neste mês no periódico Scientific Reports, a peça ofereceu a primeira evidência química de que os antigos egípcios ingeriam substâncias alucinógenas, possivelmente como parte de um rito de fertilidade.

Os achados acrescentam-se a um crescente corpo de evidências de que as civilizações na região do mediterrâneo e arredores estavam tão cientes das propriedades únicas dos alucinógenos quanto seus equivalentes mesoamericanos. Estudos recentes descobriram que os gregos e romanos também podem ter ingerido plantas com propriedades psicodélicas, seja para alcançar estados espirituais elevados ou como parte de tratamento médico.

Na mitologia egípcia antiga, o deus Bes era responsável pela fertilidade. “Há tantas contradições incorporadas em Bes”, disse Van Oppen.

Existem cerca de 15 canecas idênticas com o rosto de Bes em coleções de museus ao redor do mundo. Objetos como esses, feitos a partir de moldes, podem ter tido uso generalizado em sociedades antigas, incluindo para rituais, segundo especialistas.

“Houve muita especulação sobre as peças de Bes e para que eram usadas”, afirmou Bob Bianchi, que é o curador-chefe do Museu do Antigo Egito em Tóquio e não esteve envolvido na pesquisa. Segundo ele, era “plausível” que os egípcios as utilizassem para rituais psicodélicos.

Os egípcios gostavam de cerveja, e evidências escritas sugerem que eles tinham conhecimento de que algumas plantas possuíam propriedades alucinógenas. “Eles sabiam o que seu ambiente continha”, afirmou Bianchi. Mas nunca houve evidências de que os egípcios ingeriam essas plantas.

Depois que van Oppen identificou a caneca de Bes, a notícia chegou ao arqueólogo Davide Tanasi, da Universidade do Sul da Flórida, também em Tampa. Tanasi e seus colegas usaram métodos químicos e genéticos para identificar resíduos orgânicos que foram absorvidos pelo item de cerâmica.

Essa análise produziu evidências de duas plantas conhecidas por ter propriedades alucinógenas: a semente de harmal (Peganum harmala) e ninfeia-azul (Nimphaea nouchali var. caerulea). A análise na caneca de Bes também mostrou vestígios de “um líquido alcoólico fermentado derivado de frutas” e aromatizado com pinhões, mel e alcaçuz.

A poção provavelmente precisava de todos os disfarces de sabor que pudesse obter. O mais marcante para Tanasi foi a presença de vários fluidos corporais humanos, incluindo leite materno e sangue. Isso “mostra que essa é uma poção mágica”, na avaliação do arqueólogo, em oposição a uma mais estritamente medicinal.

Eles também encontraram vestígios do gênero Cleome, que algumas sociedades antigas acreditavam poder ajudar na fertilidade e no trabalho de parto de uma mulher. Mas a flor desta última e a semente de harmal também podem causar abortos. Por enquanto, os pesquisadores só podem especular sobre o que os rituais psicodélicos de Bes envolviam e com que objetivo.

Tanasi e Van Oppen dizem acreditar que a caneca de Bes desempenhou um papel nos rituais de “incubação”, nos quais as pessoas —provavelmente mulheres que esperavam engravidar— teriam ido a um sacerdote e bebido da caneca, que tem um volume de 125 mililitros, ou cerca de três doses. Elas poderiam então ter experimentado visões antes de adormecer.

O parto era muito mais perigoso na antiguidade, observou van Oppen. “Toda a experiência da gravidez era de intensa ansiedade”, disse ele. As pessoas podem ter depositado sua fé em um deus volúvel —e sua estranha mistura.

noticia por : UOL

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