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Produtores de leite reclamam de importação e temem abandono maior no setor

O produtor de leite Wagner Rodrigues Silveira, 29, está preocupado com a crise do setor no Brasil. Em razão da queda do preço pago aos pecuaristas, ele cogita abandonar a atividade e buscar opções mais rentáveis no campo.

Uma possibilidade analisada por Silveira é migrar da produção de leite para o cultivo de grãos no município gaúcho de Rio Pardo (a 147 km de Porto Alegre).

“Comparando com o ano passado, estamos perdendo R$ 1 por litro. Estou ganhando R$ 1,80, alguns ganham R$ 1,50”, afirma. “De R$ 1,80 que recebo, estou gastando R$ 1,70 para produzir. Quase no zero a zero”, diz.

Silveira diz que sua família iniciou o trabalho na atividade por volta do ano de 2000. Sua propriedade recebeu um investimento em 2015 para ampliar a produção, que atualmente está em torno de 500 litros por dia.

“Se essa queda do preço continuar, vai chegar ao ponto em que não tem como se manter. Destino 23 hectares para a produção de leite. Outra forma de renda nesse tanto de terra pode sair mais em conta”, diz.

Produtores de diferentes regiões vêm pressionando o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por medidas de estímulo ao setor.

Segundo eles, o risco é de aumento do abandono na atividade, que no Brasil está mais associada a agricultores familiares. O principal alvo das reclamações neste momento é a disparada das importações na indústria, especialmente de produtos do Mercosul.

As compras externas contribuíram para elevar a oferta de leite no mercado brasileiro, o que teria ajudado a reduzir os preços para os consumidores em 2023.

O efeito colateral foi a diminuição dos valores pagos aos produtores locais, que passaram a conviver com o aumento do custo de insumos após a pandemia e a guerra da Ucrânia.

De janeiro a setembro de 2023, as importações de leite, creme de leite e laticínios (exceto manteiga e queijo) mais do que dobraram no Brasil ante igual período de 2022, indicam dados da plataforma Comex Stat, do governo federal. A alta foi de 108,4% em volume.

“O maior problema é a importação. Não conseguimos resolver isso até hoje. A solução seria disciplinar as importações”, diz Ronei Volpi, presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

Segundo Volpi, países como a Argentina têm custos de produção “naturalmente” menores do que o Brasil por uma combinação de fatores.

A lista incluiria a produtividade elevada da terra e das vacas, além do tamanho maior das fazendas. Os fatores resultariam em ganhos em escala para os vizinhos.

Produtores brasileiros ainda reclamam de subsídios que estariam sendo pagos pelo governo argentino aos pecuaristas locais.

O presidente Lula assinou na quarta (18) um decreto que altera condições para o uso de créditos tributários concedidos a indústrias no âmbito do Programa Mais Leite Saudável. A medida, segundo o governo, visa fortalecer a cadeia produtiva nacional.

O texto estabelece um percentual menor de uso de créditos presumidos para laticínios que realizarem importações. A CNA afirmou que a medida é “fundamental”.

Número de produtores do RS cai 60%, diz pesquisa

Não há estatísticas oficiais sobre o número atual de produtores de leite no país. A edição mais recente do Censo Agropecuário realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é relativa a 2017. Hoje há estimativas de analistas e estudos regionais.

Um deles é da Emater-RS. Segundo a instituição, o número de propriedades que produzem leite no Rio Grande do Sul caiu 60,78% em oito anos: recuou de 84,2 mil em 2015 para 33 mil em 2023.

O cálculo considera produtores que vendem para a indústria. “O número pode ser uma indicação do que também está ocorrendo em outros locais”, diz o economista Glauco Carvalho, da Embrapa Gado de Leite.

O pesquisador lembra que os preços do produto haviam subido para os consumidores em razão da oferta reduzida no início do ano passado no Brasil. O leite chegou a custar mais do que a gasolina em julho de 2022.

Esse contexto, afirma, estimulou as importações, principalmente a partir de agosto do ano passado. Já em 2023, com a oferta maior, os preços mostram queda.

“O consumo não está compensando a oferta, que em boa parte está vindo de fora. As margens do setor pioraram muito. Isso gera desânimo e pode causar um recuo maior da produção interna”, diz Carvalho.

No Rio Grande do Sul, a situação foi agravada pelas secas e, mais recentemente, pelas enchentes em parte do estado, afirma Carlos Joel da Silva, presidente da Fetag-RS (Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul).

Ele diz que há produtores recebendo menos do que gastam e avalia que o decreto assinado por Lula é “importante”, mas não resolverá sozinho os problemas do setor.

Para o dirigente, o governo deveria trabalhar para mudar a legislação do Mercosul no que diz respeito a importações ou até elaborar algum subsídio aos produtores nacionais.

“O produtor de grãos, se a soja estiver ruim, vai para o milho. No caso do leite, não é assim. O investimento só serve para o leite. Se o produtor parou num ano, não volta no outro. É muito difícil retornar”, diz.

O MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar) afirma que o governo tem construído um conjunto de medidas para o setor. Uma das ações é a abertura de chamada pública para compra de leite em pó pelo Programa de Aquisição de Alimentos.

“Também foi criado um grupo interministerial, do qual o MDA será o coordenador, que irá propor medidas para o fortalecimento da cadeia do leite, em especial para a agricultura familiar”, declara. A pasta cita outras iniciativas recentes, como a revogação de ações que haviam reduzido impostos de importação.

A base de registros da agricultura familiar do governo tem atualmente cerca de 400 mil unidades familiares que informam produzir leite ou lácteos, diz o MDA. No passado, havia 850 mil.

O ministério estima que mais 200 mil famílias, além das 400 mil atualmente ativas, possam estar temporariamente inativas nos registros, mas ainda produzindo.

Os números somados, no entanto, ficam abaixo das 955,2 mil propriedades da agricultura familiar que produziam leite no Brasil em 2017, segundo o Censo Agropecuário do IBGE. Elas representavam 81,2% dos estabelecimentos agropecuários inseridos na atividade à época (1,2 milhão).

Alerta no campo, alívio na cidade

Em agosto deste ano, o preço médio do leite pago aos produtores no Brasil foi de R$ 2,25 por litro, conforme a série histórica do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada). O valor equivale a uma redução de 26,2% ante igual mês de 2022 (R$ 3,05).

Na cidade, o quadro é de alívio. Em agosto, o consumidor paulistano pagou em média R$ 4,90 pelo litro do leite de caixinha, segundo o Procon-SP, redução de 24,5% ante igual mês de 2022 (R$ 6,49).

A situação, contudo, tende a gerar uma “reestruturação muito forte” na cadeia produtiva, diz Rodolfo Coelho Prates, professor do curso de ciências econômicas da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).

O risco é de diminuir a produção interna de leite, com possíveis impactos sobre os preços. “Não podemos contar sempre com a oferta externa”, afirma Prates, destacando que a desvalorização da moeda argentina tornou as importações mais atrativas para países como o Brasil.

Em 2022, a produção nacional de leite caiu 1,6%, conforme a PPM (Pesquisa da Pecuária Municipal), divulgada em setembro pelo IBGE. A atividade somou 34,6 bilhões de litros no Brasil, o menor patamar em quatro anos, desde 2018 (33,9 bilhões).

O Sul teve a maior produção entre as regiões (11,7 bilhões), seguido pelo Sudeste (11,6 bilhões). Entre os estados, o destaque é Minas Gerais (9,3 bilhões). Paraná (4,5 bilhões), Rio Grande do Sul (4,1 bilhões) e Santa Catarina (3,2 bilhões) vêm na sequência.

noticia por : UOL

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