MUNDO

Por uma reforma tributária justa

Os formuladores de políticas públicas brasileiros estão atualmente se aprofundando na desafiadora tarefa de desenhar a regulamentação que definirá os detalhes da histórica reforma tributária em curso. O primeiro desafio é minimizar as distorções nos preços relativos dos itens e no comportamento de consumo da população. O segundo desafio é garantir uma reforma fiscalmente neutra, o que requer que o volume de impostos arrecadados permaneça o mesmo após a reforma. Um terceiro e igualmente importante desafio, claramente delineado como objetivo da lei, é atenuar os “efeitos regressivos” da reforma.

Quais itens devem ser isentos de impostos ou ter alíquotas reduzidas? Quais itens, dadas suas externalidades potencialmente grandes, devem ter um imposto sobre consumo? E como deve ser implementado um IVA personalizado para ajustar a carga tributária ao nível de renda? Devido ao princípio da neutralidade fiscal, cada redução, isenção e real devolvido como cashback deve ser compensado por um aumento da taxa do IVA para o resto da população. É aí que estão as principais escolhas que a sociedade brasileira precisa fazer.

Para contribuir com o debate público, nossa equipe de pesquisadores desenvolveu uma ferramenta que ajuda a entender essas escolhas e seus impactos. A ferramenta, chamada SimVAT por sua sigla em inglês lançada hoje para uso do público em geral. Ela permite a qualquer pessoa simular como as escolhas feitas na definição dos itens da cesta básica, dos itens com taxas reduzidas, dos itens sujeitos ao imposto seletivo e do valor do cashback pode afetar a taxa padrão do IVA. Também permite entender como tais escolhas impactam ricos e pobres.

Abaixo estão quatro lições que aprendemos com o uso do SimVAT:

  1. Em um sistema de IVA fixo, os 20% mais pobres pagariam o maior imposto sobre o consumo em relação à sua renda. A carga tributária para esse grupo vulnerável representaria 20,3% de sua renda, enquanto a dos 20% mais ricos seria 8,7%.
  2. O PLP 68/2024 é uma alternativa bastante progressista. Se a proposta fosse aprovada em sua forma atual, a carga tributária para os 20% mais pobres da população seria reduzida para 16,1%, enquanto os 20% mais ricos pagariam praticamente o mesmo que no sistema de IVA fixo.
  3. Novas ampliações da Cesta Básica podem ser uma maneira ineficiente de ajudar os mais pobres. Se ampliarmos as isenções do PLP 68/2024 para abranger todos os alimentos, como proposto por algumas associações industriais e congressistas, e ao mesmo tempo eliminarmos o cashback, a alíquota do IVA teria que aumentar para 28,3% a fim de manter a neutralidade fiscal. Em comparação com o PLP 68/2024, o ônus entre as famílias mais ricas dificilmente se alteraria, mas haveria um custo muito alto para os 20% mais pobres, que agora enfrentariam uma carga tributária de 18,6%.
  4. Um cashback bem direcionado parece ser uma maneira eficiente de proteger os mais pobres. Fizemos o seguinte exercício: i) estabelecer um IVA fixo para todos os itens (ou seja, nenhum item teria alíquota zero ou reduzida); ii) aplicar impostos seletivos sobre o consumo de tabaco, álcool e bebidas açucaradas; e ii) atribuir 100% de cashback para as famílias no Cadastro Único. Esse sistema simples e eficiente canalizaria todo o consumo isento diretamente para os brasileiros mais vulneráveis. Os 20% mais pobres estariam quase isentos de pagar qualquer imposto sobre o consumo, reduzindo sua carga tributária para 1,7% de sua renda. Notadamente, a carga tributária dos mais ricos cresceria, ainda que ligeiramente, para 9,3%.

A eficiência do cashback faz sentido. Por exemplo para cada R$ 100 de arroz consumido no Brasil, há R$ 19,14 consumidos pelo quintil mais rico e R$ 19,88 pelo quintil mais pobre. Assim, uma isenção fiscal nesses itens provavelmente beneficiaria os dois grupos quase da mesma forma. Ao invés disso, uma renúncia de R$ 1,00 gasto em um programa de cashback perfeitamente direcionado só beneficiaria os mais pobres. Além disso, a maior parte desse R$ 1,00 seria financiada pelos relativamente ricos. Esta forma eficiente de apoiar as famílias pobres pode, em parte, explicar por que um programa de cashback foi adotado na Argentina, Bolívia, Equador e Uruguai.

As próximas semanas serão cruciais para o desenho da reforma tributária e seu efeito final no bolso dos mais vulneráveis. Os formuladores de políticas públicas devem fundamentar suas decisões em evidências concretas disponíveis em um ambiente rico em dados como o do Brasil. Dados oportunos são valiosos e têm demonstrado grandes impactos positivos até mesmo para as despesas fiscais. Nesta última etapa, será importante que as instituições locais, organizações civis e a sociedade em geral contribuam com suas ideias e sugestões para que a configuração final da reforma seja o mais justa possível.


Esta coluna foi escrita em colaboração com meus colegas do Banco Mundial Gabriel Lara Ibarra, economista sênior e Kajetan Wladyslaw Trzcinski, consultor.


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noticia por : UOL

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