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Politização e briga por verba levaram a fiasco em gestão após tragédia do Katrina

“Brownzinho, você está fazendo um ótimo trabalho!” –essa frase do então presidente George W. Bush transformou-se em um símbolo da incompetência do governo americano nas operações de resgate das vítimas do furacão Katrina, em agosto de 2005, e na arrastada reconstrução da cidade de Nova Orleans, no sul dos Estados Unidos.

O Katrina atingiu o estado de Louisiana em 29 de agosto de 2005 com ventos de até 200 km/h. Os diques e canais de drenagem de Nova Orleans não resistiram, e a inundação destruiu milhares de casas. Mais de 1.800 pessoas morreram e 250 mil ficaram desabrigadas. O prejuízo foi de ao menos US$ 150 bilhões em valores corrigidos pela inflação (cerca de R$ 768 bilhões).

Michael Brown, chamado de Brownzinho por Bush, era o diretor da Agência Federal de Gerenciamento de Desastres (Fema, na sigla em inglês), que cometeu uma sucessão de erros durante e depois da tragédia.

Ele não tinha experiência em gerenciamento de desastres. Era amigo de faculdade do chefe da campanha de reeleição de Bush e tinha trabalhado na Associação Internacional do Cavalo Árabe. O chefe de Brown, Michael Chertoff, então ministro de Segurança Doméstica, demorou 36 horas para declarar o furacão um desastre nacional, e participou de uma conferência sobre gripe aviária poucos dias após a tragédia.

Antes de enviar bombeiros para o local, a agência exigiu que eles fizessem treinamento para evitar assédio sexual e aprendessem a história da Fema; ela barrou entregas de doações, distribuiu milhares de trailers contaminados com formaldeído para os desabrigados, enviou US$ 100 milhões em valores nominais (R$ 512 milhões) em gelo para estados a milhares de quilômetros da tragédia.

“Brownzinho” acabou perdendo seu emprego duas semanas após o furacão.

E o fiasco do Katrina se transformou em uma mancha indelével na Presidência de Bush. As operações de resgate e as inúmeras tentativas fracassadas de planejar a reconstrução da cidade foram marcadas pelas brigas entre os governos municipal, estadual e federal.

Dias após a inundação de Nova Orleans, milhares passavam fome em abrigo improvisado em um estádio na cidade, o Superdome, hospitais não tinham medicamentos e saques e assaltos eram generalizados.

O prefeito da cidade, o democrata Ray Nagin, havia transformado a arena em abrigo, mas não tinha providenciado alimentos, água e medicamentos suficientes. Ele culpava a Fema.

O próprio Nagin era alvo de críticas por determinar a evacuação da cidade só no dia do furacão. O serviço nacional meteorológico estava alertando desde o dia 27 de agosto, dois dias antes de o Katrina atingir a região, dizendo que área ficaria inabitável por semanas.

Em 2 de setembro, cansado de esperar a liberação de recursos, Nagin perdeu as estribeiras em uma entrevista para uma rádio.

“Eu não sei de quem é o problema. Não sei se é problema da governadora, do presidente, mas alguém tem que entrar num avião já… Levantem a bunda da cadeira e façam alguma coisa, precisamos resolver a maior crise da história deste país”, disse, referindo-se à governadora democrata, Kathleen Blanco, e ao presidente Bush, que era republicano.

Quando o Katrina atingiu Nova Orleans, Bush estava de férias em seu rancho no Texas. Ele demorou dois dias para decidir interromper seu descanso e voltar para Washington.

No caminho, sobrevoou os destroços da cidade e foi fotografado dentro do Air Force One, olhando a catástrofe pela janela, a milhares de pés. A foto foi usada por críticos para acusar o mandatário de ignorar a catástrofe. Em uma entrevista em 2010, Bush disse que permitir aquela foto foi um “erro enorme”, porque fez parecer que ele estava “indiferente” à tragédia.

Sua imagem não se recuperou, mesmo após ele fazer dezenas de visitas à área e destinar bilhões de dólares para reconstrução.

O Katrina foi uma demonstração do potencial impacto político de um mau gerenciamento de catástrofe. Juntamente com a guerra do Iraque, o furacão foi um golpe fatal sobre a popularidade do republicano, que chegou a um pico de 89% de aprovação após os atentados de 11 de setembro de 2001, caiu para 43% em dezembro de 2005 e terminou o segundo mandato com pouco mais de 25%.

A governadora da Louisiana, Kathleen Blanco, tampouco saiu bem na foto –criticada por falhas na comunicação com o governo municipal e o federal e atrasos, acabou não se candidatando à reeleição e abandonou a política.

Brown, que foi escorraçado da Fema, saiu atirando –afirmou que a decisão do governo de federalizar as operações de resgate e recuperação tinham sido políticas. “Algumas pessoas na Casa Branca pensavam que tinham de federalizar a operação na Louisiana porque a governadora era branca, mulher e democrata, e eles tinham uma chance de tripudiar”, disse, em entrevista dois anos depois.

Já o prefeito Nagin conseguiu se reeleger em 2006 e governou a cidade até 2010. Em 2014, foi condenado a 10 anos de prisão por corrupção e desvio de verbas da reconstrução da região.

Ao menos cinco vereadores e outras autoridades locais acabaram presos por corrupção envolvendo os recursos da recuperação de Nova Orleans.

A reconstrução –fase em que o Rio Grande do Sul deve entrar em algum tempo– também foi marcada por atropelos entre os governos federal, estadual e municipal.

Houve três tentativas frustradas de aprovar um plano de reconstrução da cidade. Governos municipal e estadual disputavam protagonismo, a sociedade civil reclamava de não ter sido ouvida. O trabalho só deslanchou quando a Fundação Rockefeller assumiu a coordenação com uma ONG –após ter doado US$ 3,5 milhões.

Mesmo assim, foi tarefa árdua. Três anos depois do Katrina, 40 mil famílias continuavam a morar em trailers da Fema. Muitas sofriam com sangramento do nariz e falta de ar pela contaminação com formaldeído. Cinco anos depois, 20% da população ainda não tinha voltado e dezenas de milhares não haviam conseguido reconstruir suas casas. Hoje, a população da cidade é 75% do que era antes do furacão.

noticia por : UOL

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