Um jovem e arrogante jogador de bilhar. Um charmoso ladrão do velho oeste. Um vigarista da Grande Depressão. Um mito desconstruído do velho oeste. Um advogado alcoólatra que tem sua segunda chance. Um pai com dificuldades de relacionamento com o filho. Um veterano jogador de bilhar, que um dia foi jovem e arrogante.
Todos esses personagens, e um montão de outros, foram interpretados com maestria por Paul Newman, ator que fez história em Hollywood e no teatro, desempenhando também uma brilhante carreira de diretor, com seis longas realizados entre 1968 e 1987, um dos quais, o belíssimo “A Caixa de Surpresas”, de 1980, para a TV.
Nascido em 26 de janeiro de 1925, há exatamente cem anos, Newman teve a carreira marcada por personagens fortes, em filmes no geral menos marcantes que, por exemplo, os estrelados por Kirk Douglas ou Burt Lancaster, galãs como ele.
Em compensação, como cineasta foi mesmo implacável. Dos atores de sua geração que passaram pela direção, só perde para Clint Eastwood e John Cassavetes em apreciação crítica.
Era lembrado por sua formação no Actors Studio, de Nova York. Era, portanto, um adepto do “método”, tipo de atuação baseada nas ideias do russo Stanislávski (1863-1938), que se concentrava na construção psicológica do personagem, entre outras nuances.
Newman começou sua carreira cinematográfica com “O Cálice Sagrado”, de 1954. Dirigido por Victor Saville, o filme era famoso por dar a entender que o incipiente cinemascope seria um fracasso, algo que outros filmes da época desmentiam. Newman achou necessário diluir o seu “método” para se adaptar ao realismo cinematográfico.
A cada faceta um marco. O primeiro filme que firmou seu nome em Hollywood foi “Marcado pela Sarjeta”, de 1956. Dirigido por Robert Wise e lançado quando o astro já tinha 31 anos, é uma cinebiografia do boxeador Rocky Graziano.
Seu primeiro longa como diretor foi “Rachel Rachel”, de 1968, com sua esposa Joanne Woodward no papel de uma professora solitária que mora com a mãe. É provavelmente o menos forte dos filmes que dirigiu, mas ainda assim é forte o suficiente para impressionar por sua capacidade atrás da câmera.
Voltemos no tempo. O ano chave para sua carreira de ator foi 1958, quando foram lançados quatro filmes estrelados por ele: “O Mercador de Almas“, de Martin Ritt, “Um de Nós Morrerá”, de Arthur Penn, no qual interpreta um jovem Billy the Kid, “Gata em Teto de Zinco Quente”, de Richard Brooks, contracenando com Elizabeth Taylor, e “A Delícia de um Dilema”, de Leo McCarey.
Nenhum desses filmes está à altura do melhor que esses diretores fizeram, mas o conjunto nada desprezível estabeleceu Newman como um grande ator. A partir dos anos 1960, sua carreira se desenvolveria em paralelo ao duradouro casamento com Joanne Woodward, os envolvimentos em questões ideológicas liberais e a bem-sucedida marca de molho que criou nos anos 1980.
Seus melhores momentos como ator são sob a direção de bons ou grandes diretores: Otto Preminger, Robert Rossen, Alfred Hitchcock, John Huston, Sidney Lumet, Martin Scorsese, além do próprio Newman, que ocupou as duas funções em dois longas excelentes: “Uma Lição Para Não Esquecer”, de 1971, e “Meu Pai, Eterno Amigo”, de 1984.
Uma exceção a essa regra foi Robert Altman. Com ele, Newman filmou os problemáticos “Oeste Selvagem”, 1976, em que desconstrói o mito de Buffalo Bill, e a ficção científica “Quinteto”, de 1979, um dos filmes mais estranhos em que atuou.
Preminger não estava em seus melhores dias quando realizou “Exodus”, sobre a criação do Estado de Israel. Hitchcock foi muito criticado, injustamente, por ter feito “Cortina Rasgada” com um ator do “método”, que ele tanto desprezava. Huston dirigiu Newman em dois filmes de recepção mista: o injustiçado “Roy Bean: O Homem da Lei”, de 1972, e o mediano “O Emissário de MacKintosh”, de 1973.
Os diretores com quem mais trabalhou —Martin Ritt, George Roy Hill e Stuart Rosenberg— têm filmografia mais errática, o que fez com que alguns críticos entendessem que Newman não era muito perspicaz nas escolhas de seus trabalhos como ator.
Apesar disso, alcançou “dois” grandes sucessos em “dois” bons filmes de Hill: “Butch Cassidy”, de 1969, sobre “dois” ladrões do oeste agora modernizado do início do século 20, e “Golpe de Mestre”, de 1973, sobre “dois” vigaristas na Grande Depressão. Nos “dois” filmes atuou com Robert Redford.
Continuemos aos pares. Em dois momentos importantes de sua carreira interpretou o mesmo jogador de bilhar. “Desafio à Corrupção”, de Robert Rossen, revelou, em 1961, o personagem Eddie Felson, jovem inconsequente, muito talentoso com o taco na mão, mas que precisava controlar sua arrogância se quisesse ser um verdadeiro vencedor.
Esse mesmo personagem está envelhecido em “A Cor do Dinheiro“, de 1986. Ele encontra um jovem parecido com o que ele foi no passado e o ensina os truques para vencer no jogo. Esse jovem é Tom Cruise, num de seus primeiros papéis de destaque. O filme é de Martin Scorsese e o diretor de fotografia Michael Ballhaus é o responsável pela câmera deslizante que acompanha as bolas correndo no pano verde.
Ballhaus estaria também no último filme dirigido por Newman, “Algemas de Cristal”, de 1987. Baseado numa peça de Tennessee Williams, tem Karen Allen como uma moça muito tímida e com problemas de locomoção, Joanne
Woodward como sua mãe superprotetora e John Malkovich como o irmão que a apresenta a um de seus amigos.
Se “A Cor do Dinheiro” foi seu último grande filme como ator principal, o ótimo “Algemas de Cristal”, que alguns podem chamar injustamente de teatro filmado, foi seu último como diretor, lançado 15 anos após sua obra-prima, “O Preço da Solidão”, em que Woodward já interpretava uma mãe superprotetora, com atitudes que fogem do que é visto como aceitável pela sociedade.
Newman finalmente venceu o Oscar de melhor ator por “A Cor do Dinheiro”, o que lhe rendeu convites para interpretar outros veteranos. Nenhum deles, porém, está à altura de seu talento. Os que chegam perto são “Cenas de uma Família”, 1990, de James Ivory, no qual contracena novamente com Woodward, e “O Indomável: Assim é Minha Vida”, 1994, de Robert Benton, seu testamento antecipado no cinema.
noticia por : UOL