As Comissões Parlamentares de Inquérito têm má fama por causa dos momentos de teatralidade de alguns de seus integrantes. A CPI da rede varejista Americanas está mostrando que figuras da elite empresarial de Pindorama são capazes de superar o desembaraço de um cabo eleitoral de vereador da periferia. Na semana passada deram-se dois episódios significativos.
Num, Márcio Cruz, o ex-CEO de operações digitais da rede, foi convocado para depor na terça-feira. Não apareceu nem se explicou.
O presidente da CPI, deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE), determinou sua condução coercitiva e, horas depois, seus advogados informaram que ele comparecerá à reunião desta semana.
Ganha um fim de semana num paraíso fiscal quem souber quem foi o çábio que o aconselhou a tratar uma convocação do Congresso como se fosse chamado de engraxate.
O doutor Cruz foi um dos executivos mimados pelos bônus milionários da Americanas. Comprou uma casa no Jardim Pernambuco, no Leblon, por R$ 32,6 milhões, pagos à vista.
Um ano depois, no segundo semestre de 2022, quando a empresa já estava emborcada, vendeu R$ 5,6 milhões de ações da Americanas. (Ele e seus colegas de diretoria desfizeram-se de R$ 244 milhões de ações da rede publicamente festejada e micada em caráter privado.)
Outro diretor, José Timotheo de Barros, compareceu à CPI. Em tom respeitoso, valeu-se do direito constitucional de ficar em silêncio e autorizou a Polícia Federal e a Comissão de Valores Mobiliários a compartilhar com a CPI os seus depoimentos, realizados em março.
Tomara que isso seja feito e suas respostas sejam tornadas públicas.
Desde junho, sabe-se que numa troca de mensagens, ele escreveu:
“Não podemos mostrar para conselho e mercado nada acima de 3,3 % a 3,5% [de alavancagem]. Será morte súbita.” Tradução, tratava-se de esconder o endividamento da empresa.
Noutra mensagem, o doutor escreveu:
“Boa tarde! Fábio, como estamos com os bancos para retirar a info das operações com os fornecedores? Vida/morte para nós.” Tradução: Novamente, tratava-se de esconder as dívidas, pois a linha de montagem da fraude transformava débito em lucro, produzindo bons resultados e os consequentes bônus para os diretores.
O doutor Timotheo não respondeu sequer se reconhecia a autenticidade dessas mensagens.
O caso das Americanas é a maior fraude corporativa acontecida em Pindorama. As roubalheiras ocorridas na Petrobras envolviam personagens sobre os quais pairavam esparsas suspeitas.
Na Americanas, eram todos executivos exemplares, pareciam integrar uma seita de administradores que faziam milagres cortando custos.
Em 2021, a rede anunciou um lucro de R$ 2,8 bilhões. Na realidade, escondia um prejuízo de R$ 700 milhões. Na ponta do milagre, em 2020, os 14 diretores da Americanas receberam R$ 54 milhões entre salários e bônus.
Em 2023, o milagre virou vinagre, e o valor de mercado da rede, com seu braço digital, caiu de um pico histórico de R$ 186 bilhões em 2020 para R$ 1 bilhão de hoje. A pancada atingiu 146 mil acionistas, sem contar os investidores institucionais de 563 fundos atingidos.
Numa só semana de julho, a Americanas demitiu 1.404 funcionários. Lutando pela vida, a rede ainda emprega 35,7 mil pessoas.
Os doutores da Americanas comportaram-se como se uma Comissão Parlamentar de Inquérito fosse coisa administrável por advogados astuciosos e marqueteiros espertos.
Atravessaram o espelho com atitudes que, na essência, desrespeitam ou, na melhor da hipóteses, menosprezam uma atividade do Congresso.
Enquanto foi vinho, a turma da rede era vista como parte de uma elite empresarial. Depois que virou vinagre, revelou-se uma patota de milionários chinfrins.
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noticia por : UOL