O físico americano Julius Robert Oppenheimer (1904-1967) coordenou uma equipe tão qualificada de cientistas em seu esforço para desenvolver a primeira bomba atômica da história que mais de 20 de seus comandados acabariam ganhando o Prêmio Nobel. O próprio Oppenheimer, porém, ficou de fora da chuva de prêmios. Será que, do ponto de vista científico, o chefe do Projeto Manhattan estava um pouco abaixo da elite de sua profissão?
A resposta a essa pergunta é complicada e envolve uma série de fatores históricos e políticos, bem como a personalidade contraditória e camaleônica do próprio “Oppie” (como era chamado por seus amigos e alunos). O consenso parece ser o de que Oppenheimer tinha capacidade intelectual de sobra para levar um Nobel para casa, mas suas realizações como cientista não ficaram à altura dessa possibilidade –por pouco.
O primeiro fator impeditivo, conforme mostra a biografia mais conhecida do físico, assinada por Kai Bird e Martin Sherwin (na qual se baseou o filme indicado ao Oscar), tem a ver com a própria história da ciência no começo do século 20.
O pesquisador nova-iorquino entrou na pós-graduação em 1924, momento em que já tinham acontecido ou estavam prestes a acontecer os principais avanços que delinearam a mecânica quântica.
Esse campo da física, que descreve o comportamento totalmente contraintuitivo das partículas subatômicas, como elétrons e núcleos, foi a primeira grande revolução científica do século passado, ao lado da teoria da relatividade formulada por Albert Einstein.
A mecânica quântica estabeleceu, por exemplo, a chamada dualidade onda-partícula, segundo a qual partículas como os elétrons podiam se comportar não como “bolinhas” minúsculas de matéria, mas como ondas, tais como as de luz.
Formulou-se também o princípio da incerteza, de acordo com o qual é impossível saber com a mesma precisão a velocidade e a posição de uma dessas partículas: medidas mais precisas da velocidade necessariamente diminuiriam a precisão das medidas da posição, e vice-versa.
Oppenheimer ficou fascinado por esse mundo instável, no qual nada do que chamamos de realidade no cotidiano parece se manter (ao contrário de Einstein, que via algo de desastroso na revolução quântica e passou o resto da vida tentando mostrar que ela era ilusória). Além do mais, pouquíssimo disso tinha chegado às universidades americanas antes que “Oppie” voltasse de seu doutorado na Europa.
A situação do físico, portanto, era um tanto paradoxal nos anos 1920 e 1930.
De um lado, ele se tornou uma espécie de arauto ou profeta da mecânica quântica nos EUA, ajudando a despertar o interesse pela área e formando alunos que levariam esses estudos adiante.
Ao mesmo tempo, por chegar um pouco tarde à “festa quântica”, ele já não estava em posição de realizar, ele próprio, avanços realmente fundamentais na área, os quais já tinham sido feitos por cientistas como o orientador de Oppenheimer, Max Born, seu futuro rival em projetos atômicos, Werner Heisenberg, o francês Louis de Broglie e o britânico Paul Dirac.
Ao mesmo tempo, a personalidade e os métodos de trabalho de Oppenheimer não ajudavam muito. Seus interesses eram tremendamente amplos dentro e fora da física (ele também lia vorazmente sobre temas como psicanálise, literatura, grego antigo e filosofia clássica indiana), sem um grande foco num único tema específico.
Curiosamente, ele tinha algumas dificuldades com matemática avançada e nem sempre seus resultados de pesquisa eram expressos da forma mais clara e mais precisa, o que diminuía a influência de suas publicações. “Oppie” preferia seguir suas intuições e apresentar conclusões mais gerais, deixando para outros cientistas a tarefa de refinar os resultados.
“Muitos dos seus colegas e críticos apontam que a sua produção de artigos científicos significativos era surpreendentemente pequena. Alguns diziam que, com muita frequência, ele preferia ser coautor de artigos com seus alunos, em vez de ter a ideia inicial para os trabalhos”, afirma o historiador americano James Kunetka em entrevista ao site oficial do Laboratório Nacional de Los Alamos, o “berço” da bomba atômica fundado por Oppenheimer.
Nos anos anteriores ao Projeto Manhattan, seus estudos em física abordaram tanto temas de astronomia quanto de mecânica quântica e física nuclear. Um de seus trabalhos previu a existência do que hoje chamamos de pósitrons –partículas que são “elétrons com sinal trocado” (com carga positiva, e não negativa, como os elétrons).
Mais tarde, ficaria claro que os pósitrons são apenas um exemplo de inúmeras outras partículas “parceiras” da matéria comum, a chamada antimatéria, que hoje é raríssima no Universo, mas pode ter sido muito mais comum na origem do Cosmos.
Trabalhando junto com Richard Tolman, George Volkoff e Hartland Snyder, ele também mostrou que certos tipos de estrelas, ao passar por um colapso gravitacional, poderiam dar origem ao que hoje chamamos de buracos negros –uma entidade da qual nem a luz é capaz de escapar. “A física dele era boa”, lembra Snyder, que foi seu aluno, “mas a aritmética era horrível”.
Depois das primeiras bombas atômicas, Oppenheimer se tornou cada vez mais interessado em temas de política internacional e nos riscos da corrida nuclear entre as superpotências. Isso foi deixando menos espaço para o seu trabalho científico.
Nos anos 1950, quando o físico caiu em desgraça entre a elite política americana por suas opiniões contra a escalada armamentista, tornou-se recluso e ainda menos propenso a produzir pesquisas originais.
noticia por : UOL