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Luedji Luna leva afetividade negra ao Rock in Rio e lança festa de soul, jazz e R&B

“Eu não sou uma mulher?”, questionou a abolicionista Sojourner Truth sobre a invisibilidade de negras na Convenção dos Direitos da Mulher em Ohio, nos Estados Unidos, em 1851. Seu famoso discurso é resgatado pela cantora Luedji Luna na canção “Ain’t I a Woman?”, na qual demarca o lugar da mulher negra no amor —tema central de “Bom Mesmo É Estar Debaixo d’Água“, seu álbum mais recente.

“Quando se pensa na afetividade da mulher negra, se pensa logo em solidão, em preterimento, em violência. De fato, é uma realidade para a grande maioria. Mas não só. Então, fiz esse disco para construir outras narrativas e mostrar que amor não precisa só rimar com dor”, diz a cantora.

Esse discurso racialmente politizado atravessa todo o trabalho da artista baiana, que migrou para São Paulo há cerca de dez anos para encontrar seu lugar na música.

E conseguiu. Recém-chegada de uma turnê pela Europa, Luedji estreia sua festa Manto da Noite, no final de agosto, que quer dar protagonismo para gêneros da música negra como soul, jazz, rap e R&B. A ideia é que o evento se torne um festival em breve.

Menos de um mês depois, ela sobe ao palco Sunset do Rock in Rio. No dia 20 de setembro, data na qual o festival conta só com atrações femininas, Luedji convida Tássia Reis e Xênia França para um show com o repertório da versão deluxe de “Bom Mesmo É Estar Debaixo d’Água”.

A artista reconhece que o festival é uma plataforma importante para ser vista —na última edição, fez uma participação no show da cantora Liniker. “Uma artista que é considerada de nicho, que não é do ‘mainstream’, que não é do pop, ter aparecido no Rock in Rio me deu certa projeção. Consegui mais seguidores. Quem não me conhecia, passou a me conhecer. Foi muito frutífero aparecer lá, mesmo que só por alguns minutos.”

Por outro lado, ela é entusiasta de festas e festivais idealizados por e para pessoas negras, como o evento que inaugura. “Veio essa vontade de ter autonomia também, de talvez construir essa narrativa e esse novo imaginário de que o artista negro também pode contribuir com a produção cultural brasileira de outra maneira, não só cantando.”

A urgência de criar seu próprio festival surgiu após a polêmica em torno do Nômade, de 2023, onde a americana Erykah Badu se apresentou. A primeira proposta do evento previa que a cantora Céu e o grupo Bala Desejo fizessem a abertura do show da artista.

Após protestos nas redes sociais, que pediam artistas negros no lugar, a organização do festival reuniu Majur, Gilsons, Larissa Luz e Anelis Assumpção para antecipar Badu.

“Isso mexeu muito comigo porque são tantas cantoras negras que gostariam de estar naquele espaço e sequer foram lembradas”, afirma Luedji. “Apesar das nossas conquistas, cantoras com Grammy, com reconhecimento nacional e internacional, não fomos sequer cogitadas para estar ali inicialmente.”

A cantora viveu uma mudança estética profunda desde “Um Corpo no Mundo”, seu primeiro trabalho, de 2017. Ela tinha uma necessidade de registrar a experiência desse corpo negro em movimento, que saía do Nordente em direção ao Sudeste. Na música-título, há uma comparação desse processo com o deslocamento forçado de negros escravizados no Brasil colônia.

Se seu primeiro álbum foi bem percussivo, com influência das religiões de matriz africana, no seu segundo trabalho, feito com mais rigor e calma, suas referências são o R&B, neosoul e o jazz.

“‘Um Corpo no Mundo’ é um disco mais político, um disco que é sobre meu corpo negro, mas não só o meu, tem um eu que é coletivo. ‘Bom Mesmo É Estar Debaixo d’Água’ é sobre as minhas histórias, a minha humanidade, eu tentando ser mais mulher, ele é mais terreno”, afirma Luedji.

Seu disco de estreia emplacou “Banho de Folhas”, sucesso que já faz parte da trilha sonora da Bahia hoje e que ainda é muito tocada em festas e esteve presente em vários blocos do último Carnaval. Nela, a cantora conta uma história pessoal de quando buscava um pai de santo em Salvador.

“Foi uma porta que se abriu e a música se espalhou no mundo todo. Toca em Míkonos, Saint Tropez, Ibiza. Isso acaba ajudando as pessoas a conhecerem o resto do meu trabalho. É uma música que abre caminhos, literalmente.”

Mesmo que tenha sido obrigada a sair da Bahia para ter visibilidade com sua arte, Luedji rejeita a ideia de “superação”. Filha de pais ativistas, ela teve uma infância tranquila e com oportunidades.

“As gerações que me antecederam, sim, tem uma história triste para contar. Qual era a urgência da minha avó? Colocar comida no prato dos oito filhos que teve. Qual foi a urgência dos meus pais? Ter um emprego público, ter estabilidade. E eu faço parte da geração que sonha, entende?”

Este ano, a artista realiza mais ainda mais um sonho: fazer uma turnê pelos Estados Unidos. A série de shows acontecerá em setembro, outubro e dezembro, por Pittsburgh, na Pensilvânia, Danville, na Califórnia, e Nova York.

noticia por : UOL

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