MUNDO

Lembra dela? Abercrombie & Fitch muda e volta com fôlego à indústria da moda

São Paulo

A Abercrombie & Fitch voltou a ser personagem de manchetes recentemente, após o ex-CEO da marca de moda, Mike Jeffries, ser preso por tráfico sexual e prostituição interestadual. O empresário foi liberado após pagar uma fiança de dez milhões de dólares (aproximadamente R$ 57 mi), bem como seu parceiro, Matthew Smith. Sob as mesmas acusações, teve de pagar, por sua vez, US$ 500 mil (R$ 2.84 mi) para ser solto.

Outro motivo pelo qual a Abercrombie & Fitch —alçada ao sucesso por Jeffries, que a comandou por 22 anos— se tornou assunto neste ano foi a sua volta à ativa, depois de ser profundamente reconfigurada. E, a julgar pelos números, voltou com força.

Em maio, as ações da empresa subiram 24,32% na Bolsa de Nova York, superando as estimativas traçadas para o primeiro trimestre de 2024 e alcançando um índice de valorização de 115%. Trata-se do maior ganho em ações da A&F desde agosto de 2023 na mesma bolsa. O ganho de um bilhão de dólares (R$ 5.80 bi), por sua vez, representa o sexto aumento consecutivo de receita trimestral da etiqueta.

Mas o que levou uma marca fundada há 132 anos e que se tornou uma das mais icônicas e populares dos anos 1990 e 2000, vestindo famosos como Taylor Swift, Jennifer Lawrence e Ashton Kutcher em campanhas de marketing, a simplesmente sumir?

Estilo americano

“Eu gosto de garotas que vestem Abercrombie & Fitch”, cantam os meninos da boy band LFO em “Summer Girls”, um dos maiores hits do pop de 1999. “Ficaria com uma se pudesse fazer um pedido.”

A menção à etiqueta na música é, hoje, vista como símbolo de sua consolidação como hit pop por direito próprio. Conhecida pelos jeans de cintura baixa, publicidade repleta de modelos magros e musculosos —que, ironicamente, às vezes eram retratados com pouca roupa ou até mesmo nenhuma— e lojas escuras, com música eletrônica tocando em volumes ensurdecedores e vendedores sem camisa na porta, as peças da marca se tornaram indispensáveis para quem queria ser “cool”.

Suas roupas podiam não ser tão diferentes assim das vendidas por concorrentes como Tommy Hilfiger, Ralph Lauren e Guess, mas eram alternativas mais baratas, que estudantes universitários conseguiriam comprar em suas idas aos shopping centers, então mecas do consumo.

O estilo era o “preppy”, ou seja, engomadinho, casual e remetendo às classes econômicas mais altas do país no ambiente das universidades —além do jeans, camisetas polo, suéteres e moletons compunham as vitrines da marca, todos produzidos com materiais nobres.

O apelo erótico da publicidade foi crucial para a popularização da Abercrombie. Até mesmo a sacola de compras das lojas traziam um homem com o peitoral musculoso e o tanquinho à mostra.

A marca, portanto, não vendia apenas roupas, mas o suposto estilo de vida dos universitários ricos e membros de fraternidades e sororidades —um mundo ideal em que todo mundo é rico, sexy, festeiro e, é claro, branco.

O célebre fotógrafo Bruce Weber, cujo currículo inclui ensaios para Calvin Klein, Armani e Louis Vuitton, foi o responsável pelas imagens idílicas —e por vezes homoeróticas— em preto-e-branco das campanhas.

Vários ex-funcionários, modelos e jornalistas entrevistados para o documentário Abercrombie & Fitch: Ascensão e Queda, lançado pela Netflix em 2022, afirmam que se tratavam de divulgações baseadas na exclusão social.

Nas lojas, a situação não era tão diferente assim. A A&F tinha um livro com diretrizes para contratação de funcionários. Na prática, eles deviam ter aparência semelhante a dos modelos. Dreadlocks —recorrente em vários países como parte de culturas indígenas e africanas—, por exemplo, eram expressamente proibidos.

Caso não fossem compatíveis com esses parâmetros, os funcionários eram incumbidos de tarefas nos fundos das lojas, distante do público que as visitava.

Jeffries remodelou a etiqueta para adolescentes, lançou uma linha de produtos para crianças e pré-adolescentes —a Abercrombie Kids— e, no ano de 2000, a subsidiária Hollister Co., cujo estilo remete a de surfistas californianos.

Deu certo —e muito. Em 2001, a A&F divulgou um lucro de um bilhão e meio de dólares (R$ 8.8 bi na cotação atual), o que representava, à época, um aumento de 32% em relação ao ano anterior. Em 2003, a taxa de lucro já havia subido para US$ 2.6 bi (R$ 5.74 mi), 20% a mais que em 2002.

Antes de se tornarem famosos, nomes como Olivia Wilde, Penn Badgley, Channing Tatum, January Jones e Kellan Lutz posaram para campanhas.

Nem as mudanças culturais dos anos 2000 e 2010 fizeram Jeffries rever as políticas de contratação e marketing implementadas por ele e seu time —mesmo quando a A&F foi alvo de ações judiciais e escândalos midiáticos por causa delas.

Em 2004, por exemplo, um processo movido em conjunto por ex-funcionários latinos, asiáticos e negros forçou a empresa e indenizá-los em um acordo extra-judicial e a incluir modelos e funcionários de minorias raciais em suas diretrizes de contratações e publicidade, respectivamente.

A ação judicial rendeu a criação de um departamento de D&I (diversidade e inclusão) que hoje é visto como pioneiro. As mudanças, no entanto, foram superficiais.

Outro processo contra a empresa virou assunto das páginas de jornais. Em 2009, também nos Estados Unidos, uma adolescente não foi contratada por trajar um hijab —o lenço que cobre a cabeça usado por mulheres muçulmanas— e venceu, na Suprema Corte, em 2015, a ação contra a marca, alegando discriminação.

Em 2013, viralizou nas mídias sociais uma entrevista de Jeffries à revista Salon na qual ele afirma que a A&F era apenas para a garotada “bonita” e “descolada”. “Nós vamos atrás dos garotos americanos cheios de atitude e amigos”, disse. “Muitas pessoas não pertencem [à nossa marca] e não podem pertencer. Somos excludentes? Absolutamente.”

Jeffries pediu demissão em dezembro de 2014, alegando que havia chegado o momento de um novo CEO levar a empresa adiante. Aproximadamente um mês antes, segundo análise publicada pela agência de notícias Reuters, as vendas haviam caído de um bilhão de dólares (R$ 5.76 bi) para US$ 911,4 mi (R$ 5.25 bi). Foram ganhos US$ 60 milhões (R$ 346 mi) abaixo do projetado para aquele período.

Ainda de acordo com a Reuters, em agosto de 2014 o valor das ações da A&F haviam caído em 8,5%. Jeffries havia pedido que a logomarca fosse reduzida a “praticamente nada” nas peças da marca.

O fotógrafo Bruce Weber, por sua vez, começava a ser acusado de assédio sexual por modelos.

Naquela ocasião, a etiqueta já havia se tornado sinônimo de escândalo. Sua derrocada, enfim, começava.

E isso aconteceu por causa da má gestão, diz Katherine Sresnewsky, professora e curadora do hub de moda e luxo da Escola Superior de Propaganda e Marketing, a ESPM, em entrevista ao F5.

“Eles não escutaram a audiência, que pediu para ter tamanhos maiores e diversidade de corpos, mas eles não ouviram”, diz. “De maneira mais estruturada, isso quer dizer fazer pesquisa o tempo todo para conseguir ser mais competitiva.”

Lorena Borja, professora do Istituto Europeo di Design, o IED, tem visão semelhante. Ela enfatiza que marcas devem ser boas tradutoras da cultura. Não estamos mais nos tempos em que elas pautavam os consumidores. A dinâmica vigente hoje é o oposto disso.

“É importante entender o consumidor. Ele está investindo nas marcas com as quais ele mais se identifica e o digital o ajuda a entender se elas estão realmente entregando o que dizem”, afirma. “As pessoas estão falando o que elas desejam das marcas. As pessoas não têm que vestir a moda, a moda tem que vestir as pessoas.”

Novos tempos

A marca já havia passado por diversas mudanças desde a fundação em 1892, mas nenhuma das foi tão dramática quanto as que ocorreram sob a liderança de Jeffries, que foi do sucesso estrondoso ao vexame.

Sob comando da CEO Fran Horowitz desde 2017, a A&F hoje vive mais uma etapa em sua história, apostando em camisetas básicas, tecnologias sustentáveis, vestidos e até mesmo para noivas, contemplando públicos diversos em suas divulgações, inclusive o plus size. O nome da etiqueta nem se vê mais nas peças, assim como o famoso símbolo do alce.

Entretanto, falta uma identidade aos produtos, analisa Sresnewsky. “Isso existia antes com mais clareza, apesar dos escândalos”, diz. “Mas é a melhor fase em termos de produto, porque é a mais comercial. É por isso que ela está vendendo bem.”

A linha de produtos “bridal”, ou seja, para noivas, é uma novidade que soa estranha, diz a professora. “Eles nasceram vendendo calça jeans e flanela, então como, de repente, eu a desassocio disso? Tem uma geração que só conheceu a marca por causa do documentário da Netflix.”

Fernando Hage, professor de moda da Fundação Armando Álvares Penteado, a Faap, diz que a A&F é um exemplo de como a moda é capaz de se ressignificar rapidamente. “O mercado é muito acelerado, e eles conseguiram entender como se transformar gradativamente.”

Já no que se refere a uma identidade, ele concorda com a professora da ESPM. A marca eliminou de maneira drástica o que a tornava reconhecível e hoje surfa no sucesso da sempre versátil moda básica.

“Esse mercado foi impulsionado pela pandemia e a Abercrombie está comunicando seus produtos com uma certa diversidade”, analisa. “Da segunda metade do século 20 para cá, o mercado se transformou muito. Antes, existiam as marcas e as identidades delas a que os consumidores se adaptavam, mas hoje as identidades das marcas têm de se encaixar nos desejos e valores dos consumidores.”

noticia por : UOL

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