Quase dez meses depois da morte de sua mãe, Juliana (nome fictício para preservar a sua identidade) assistia à televisão quando uma notícia a deixou pasma: um falso médico havia sido preso na Santa Casa de Sorocaba, no interior paulista.
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O acusado, que se apresentava como Ariosvaldo Florentino, era o mesmo “profissional” que havia atendido sua mãe com uma conduta que ela qualificava como “péssima” e “negligente”. O verdadeiro nome do “médico”, soube, então, era Fernando Henrique Guerrero.
“Tudo passou a fazer sentido”, afirmou Juliana à Justiça.
A paciente havia sido levada de ambulância no dia 17 de abril de 2012 para a Santa Casa em razão de um mal-estar relacionado à diabetes e à pressão alta. A mulher, que reclamava de fortes dores no ombro e na perna esquerda e apresentava tontura e momentos de “ausência”, permaneceu, de acordo com o relato feito à Justiça, todo o tempo em uma maca no corredor.
Progressivamente, após ser medicada pelo plantonista Florentino (na verdade, Guerrero), ela passou a perder os movimentos do lado esquerdo do corpo, e Juliana cobrou a realização de uma avaliação neurológica —suspeitava que a mãe estivesse sofrendo um derrame ou AVC.
Quando a tomografia ficou pronta, ela procurou o suposto médico, que, sempre de acordo com seu relato, estava “cochilando, enquanto os pacientes se acumulavam pelo corredor”.
“O ‘médico’, então, virou a chapa da tomografia por todos os lados, de ponta-cabeça, e nada via. Disse que estava tudo ‘normal’ e que a paciente deveria continuar recebendo a medicação indicada”, afirmou a filha da paciente à Justiça.
Inconformada, ela cobrou a presença de um neurologista para ter certeza do diagnóstico. O “médico” se irritou e, afirmando que ela entendia mais de medicina e trataria a mãe melhor do que ele, simplesmente deu alta para a paciente.
A mãe de Juliana, que, efetivamente, estava com AVC hemorrágico, além de uma fratura no ombro esquerdo decorrente de uma queda durante o mal-estar, acabou morrendo em outro hospital, no dia 21 de maio de 2012.
Em decisão publicada no dia 1º de setembro, os desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo condenaram a Santa Casa de Sorocaba e a Prefeitura de Sorocaba ao pagamento de uma indenização de R$ 20 mil (valores que serão ainda atualizados por juros e correção monetária) à filha da paciente.
O desembargador Danilo Panizza, relator do processo no TJ, disse que a Santa Casa foi negligente ao admitir o falso médico sem fazer a devida checagem de sua documentação. A prefeitura, ao celebrar convênio com o hospital, foi considerada como responsável solidária.
“Tinham o dever de analisar a veracidade da formação e da autorização para laborar do suposto ‘médico’ contratado”, afirmou.
A Santa Casa e a prefeitura ainda podem recorrer.
O hospital disse na defesa apresentada à Justiça que não há qualquer dano configurado entre o atendimento ocorrido no hospital e o óbito da paciente, que “ocorreu devido a choque séptico, broncopneumonia, infecção do trato urinário, anemia e diabetes mellitus”.
“Não houve erro no tratamento da paciente”, afirmou.
A Santa Casa disse também ter sido vítima do falso médico, que se utilizou do nome de um médico verdadeiro (Ariosvaldo) e apresentou os documentos solicitados para conseguir ser contratado.
“O hospital agiu de boa-fé quando da sua contratação, exigindo e conferindo os documentos apresentados. Não houve qualquer intenção de contratar um falso médico para colocar em risco os pacientes”, declarou.
A Prefeitura de Sorocaba disse à Justiça não ter responsabilidade sobre os fatos, uma vez que à época ainda não havia sido decretada a intervenção no hospital.
“Eventual erro médico ocorreu na Santa Casa de Misericórdia, e por erro de seus servidores, que não conseguiram diagnosticar, medicar e reverter referido mal”, afirmou.
Fernando confessou o crime à polícia. Em interrogatório, disse que estudou medicina até o sétimo semestre, mas acabou abandonando o curso. Contou que, em julho de 2011, procurou a Santa Casa perguntando se estava precisando de plantonista e que inseriu sua foto em um currículo de outro profissional.
Afirmou que o verdadeiro Ariosvaldo Florentino não sabia de nada.
Ele foi condenado em processo criminal por exercício ilegal da medicina.
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noticia por : UOL